Bruno Miguelino da Silva*
A nossa literatura carece de grandes autores que saibam tecer bem histórias sobre nada. Pode soar estranho ou mesmo paradoxal, mas assim se atingirá uma gigantesca parcela da população que ainda não começou a enveredar pelos deliciosos caminhos literários.
Infelizmente, como se sabe, o brasileiro lê pouco e em grande parte por causa dessa falta de escritores nacionais que saibam escrever sobre temas corriqueiros, mas agradáveis ao leitor. As novelas estão aí para provar. Cada vez mais aumenta o número de telespectadores que assistem a elas na ânsia de se entreterem com uma grande quantidade de nada. É claro que há aí, nesse contexto, uma gana por contemplar uma vida às vezes tão distante da real ou às vezes tão próximo dela. Mas há, também, essa grande vontade de entreter-se com nada. De não ter que pensar, talvez não por preguiça, mas sim como uma válvula de escape ao estresse diário.
É também pelo mesmo motivo que os filmes de ação e aventura são os mais bem cotados da indústria cinematográfica de Hollywood. Quem nunca sentiu um enorme prazer em ir ao cinema simplesmente para ver um filme cheio de tiros, mortes, ou mesmo um romance “água-com-açúcar”, que atire a primeira pedra. O ser humano carece tanto de momentos de reflexão e sapiência quanto de entretenimento e descanso. Mas nossos críticos literários parecem não ver isso e continuam crucificando todo e qualquer livro que não traga “um algo a mais” para o leitor. E nossa população continua a ler cada vez menos.
Não é apenas por esse motivo, entretanto, que a população tem se afastado dos livros. Além das nem sempre eficazes medidas e estímulos educacionais de nosso governo, pode-se perceber nos adolescentes (e por conseqüência nos adultos) uma “macunaímica” preguiça de ler. Isso deve-se não somente aos videogames, mas, também, ao grande abismo que há entre a literatura infantil e a adulta. Há uma deficiência de livros que façam a transição entre O Patinho Feio e Memórias Póstumas de Brás Cubas. Ou até mesmo de clássicos infanto-juvenis, como O Mistério do Cinco Estrelas e O Escaravelho do Diabo, para obras de escritores “maiores” como Drummond, Clarice Lispector, João Cabral de Melo Neto e Euclides da Cunha.
É exatamente aí que se encaixam os autores que escrevem sobre nada. Apesar de haver no mercado um sem número de obras escritas sobre esse assunto, quase todas são de autores estrangeiros. Não há uma identidade nacional nesses livros e o adolescente de hoje, quando começa a tomar gosto pela leitura, seja lendo Sidney Sheldon ou Tolkien, ao descobrir os escritores nacionais desiste por haver metafísica demais para ele. Parece heresia? Pois imagine um garoto que leu apenas um ou dois livros em sua vida abrindo Sagarana, curioso. Seria um trauma! Precisamos de livros que preparem o nosso futuro literário (as crianças e adolescentes) para maravilhas como essa de Guimarães Rosa. Caso contrário, o choque é avassalador.
Precisamos nos orgulhar dos nossos bons escritores e livros sobre o nada. Paulo Coelho é um herege, um Judas para a crítica tupiniquim. Por outro lado, J.K. Rowling, a autora de Harry Potter, é uma deusa na Inglaterra. Pois será que o nosso escritor precisaria ter criado um bruxinho de vassoura e varinha para ser agraciado? Ou será que só o fato de ele escrever para o entretenimento e com isso levar a literatura brasileira, não só aos nossos pequenos leitores, mas ao mundo, não seria o suficiente? Ninguém começa a ler por Macunaíma. Precisamos nos conscientizar disso. Há um longo caminho até a chegada do gosto e prazer pela leitura de Mário de Andrade, por exemplo.
Não afirmo, porém, que devemos nos limitar apenas à literatura infanto-juvenil ou à voltada para o entretenimento pura e simplesmente. Obviamente, é necessário também uma carga cultural intrínseca.
Deve-se, sim, continuar a aumentar nosso acervo preeminente, mas se não houver uma importante reflexão sobre como instigar a leitura nos jovens, boa parte da população brasileira viverá (ou continuará a viver) às margens da cultura literária. E os videogames venderão cada vez mais!
*Tem 18 anos, é professor de inglês e está com os cabelos raspados por ter passado no curso de Relações Internacionais da PUC-SP