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Consciência negra: conheça os adinkras, símbolos africanos que estão no seu cotidiano

Esses ideogramas de culturas Ashanti, da África Ocidental, contam histórias e transmitem conhecimentos tradicionais. E também decoram casas Brasil afora.

Por Bela Lobato
20 nov 2024, 12h00

Você com certeza já reparou em alguma grade ou portão de ferro com padrões que lembram corações. Essa estilização é difundida por todo o Brasil e carrega uma história muito mais profunda e antiga do que geralmente se imagina. O símbolo não é um coração, mas sim uma sankofa, um tipo de símbolo do povo Ashanti, chamado adinkra.

Os adinkras são um conjunto de símbolos que representam valores tradicionais, ideias filosóficas, códigos de conduta e normas sociais da cultura Ashanti, que hoje está difundida principalmente na África Ocidental. 

Não estranhe se, em outros lugares, encontrar outros nomes para os povos Ashanti: eles também podem ser conhecidos como Asante, Axante, Achanti, Axânti, entre outros. Eles fazem parte de um conjunto de povos chamado Acã, ou Akan.

Embora tenham surgido lá, por conta das diásporas africanas, os adinkras hoje podem ser encontrados por todo o mundo. Essa cultura veio para o Brasil durante o tráfico de escravizados e, assim como outros elementos como ritmos, religiões, mitos e receitas, se incorporou na nossa cultura e nas nossas cidades.

Originalmente, esses símbolos faziam parte de rituais funerários, já que a palavra adinkra significa “adeus à alma” no idioma twi, utilizado pelos Ashanti. Com o tempo, passaram a ser utilizados em contextos menos solenes, estampando roupas, joias, peças decorativas e fachadas de construções.

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Cada símbolo carrega um significado e um nome específico. Os “corações” que mencionamos no começo do texto são chamados de sankofa, e representam um pássaro que voa para frente mas que olha para trás, muitas vezes carregando um ovo em seu bico. Assim, o ovo representa o futuro, e o sankofa é uma alegoria para a ideia de aprender com o passado para a construção do futuro.

Imagem das representações e o portão: Figura (A) Adinkra Sankofa como pássaro e (B) Adinkra Sankofa como coração
O adinkra sankofa, que representa um pássaro que olha para trás, utilizado em em várias grades decorativas. (Nascimento, Gá/ Dissertação Marisa Francisca da Silva/Reprodução)

Existem dezenas de adinkras. Conheça a história por trás de alguns dos mais populares.

  1. Aya

Essa estilização de uma samambaia representa a resiliência e independência dessa planta que cresce e resiste em lugares inóspitos. Pode representar também a valentia e desafios.

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Adinkra aya
(Nascimento, Gá/ Dissertação Marisa Francisca da Silva/Reprodução)

2. Ananse ntontan

Esse símbolo representa um mito importante da cultura acã: houve um tempo em que não existiam histórias na Terra ainda, todas pertenciam a um deus chamado Nyame. Foi quando um ser mitólogico metade aranha, metade humano, chamado Ananse, negociou com Nyame e conquistou uma grande cabaça cheia de todas as histórias. Porém, Ananse quebrou o baú e espalhou as histórias, que passaram a existir pelo mundo. 

Esse adinkra que lembra um sol é, na verdade, a teia de aranha ananse ntontan. Ele representa a sabedoria, a criatividade e as complexidades da vida.

Adinkra ananse ntontan como um sol
(Nascimento, Gá/ Dissertação Marisa Francisca da Silva/Reprodução)
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3. Owo atwedee

Esse é um dos adinkras utilizado em rituais funerários. Seu nome significa, em tradução literal do twi, escada da morte. Ela é acompanhada do provérbio “owo atwedee baako mforoe”, ou seja, “a escada da morte será escalada por todos”. 

Sua função é lembrar que a morte é uma consequência inevitável da vida, e que não precisa ser um momento apenas triste. Isso porque para a cultura acã, a morte é também se tornar ancestral, escalar para um outro nível de presença, que também pode ser celebrado com alegria.

Formato de uma escada (Adinkra owo atwedee)
(Nascimento, Gá/ Dissertação Marisa Francisca da Silva/Reprodução)

Os adinkras ajudam a compreender a complexidade das estruturas sociais e de memória africanas. Muitas vezes, fala-se da riqueza de culturas desse continente de forma generalizante, e afirma-se que são culturas dependentes da oralidade. 

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A oralidade é importante, sem dúvidas, mas as formas de registros escritos, como são os adinkras, não deixam de existir. No caso da cultura acã, o uso dos símbolos tem relação com o que a pesquisadora Marisa Francisca da Silva chama de “economia de palavras”. 

Glossário Adinkra Dictionary
O glossário do livro “Adinkra Dictionary: a visual primer in the language of Adinkra” (1998) mostra diversos adinkras e seus nomes. (Glossário Adinkra Dictionary/Willis (1998, p. 200-201)./ Dissertação Marisa Francisca da Silva/Reprodução)

“Para os Akan, uma pessoa que se comunica com poucas palavras e utiliza dicas não verbais é uma comunicadora competente”, ela afirma em sua dissertação. “Essa característica, comum em muitas comunidades de fala, serve como estratégia para evitar conflitos.” Aliás, grande parte das explicações desse texto, assim como as imagens, foram retiradas desta mesma dissertação: “Adinkra: Imagens da ancestralidade africana na cultura brasileira”. 

Neste trabalho, além de explicar os mitos por trás de muitos adinkras, Silva também elenca exemplos de usos desses símbolos na cultura brasileira. E isso não falta: existem aplicações na moda, em desfiles de escolas de samba, filmes, nas artes plásticas e em conteúdos nas redes sociais.

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E fica a dica: até o dia 30 de janeiro de 2025, o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, apresenta a exposição “Línguas africanas que fazem o Brasil”. Entre outros aspectos da influência das línguas africanas no português brasileiro, a exposição explica os significados de vários adinkras. Mas cuidado! Pode ser que depois de visitá-la, você comece a reparar nos vários adinkras que adornam a cidade ao seu redor.

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