Deuses Bálticos: como a Lituânia se tornou o último país politeísta da Europa
A região espremida entre a Polônia e a Finlândia foi politeísta até o século 14 – passou toda a Idade Média sem catolicismo.
No século 13, após a conversão dos vikings, o último trecho da Europa a não dobrar os joelhos a Cristo era a região do Mar Báltico, numa faixa que ia da atual Alemanha até a Finlândia. Sua mitologia tinha alguns aspectos em comum com a dos vizinhos nórdicos, como Perkunas, espécie de Thor báltico. Esses povos viviam de forma tribal, sem alfabeto, organização militar ou fortificações — alvos fáceis, enfim, para a agressão dos poloneses, russos, alemães e até mesmo os nórdicos recém-convertidos, para quem a ideia de “cruzada” significava entrar nos barcos longos e saquear os pagãos, como nos velhos bons tempos vikings.
A partir de 1193 e por quase 200 anos, várias guerras santas foram convocadas contra os politeístas, sob o comando dos Cavaleiros Teutônicos, que usavam elmos com chifres, parecendo demônios que lutavam por Cristo.
Os bárbaros não tiveram a menor chance. Exceto por um grupo deles: os lituanos, que passaram a conquistar e unificar os vizinhos, formando o grão-ducado da Lituânia, o último país politeísta da Europa. Só foram se converter em 1387, após o casamento do grão-duque Jogaila com a rainha Edviges da Polônia.
Confira ao lado os principais deuses dos bravos e teimosos lituanos, que tinham correspondentes entre os povos vizinhos. E que explicam por que eles foram tão resistentes em abandoná-los.
Dievas
Deus da criação
Chefão dos deuses, era o responsável pela criação. Um dia, Dievas encontrou uma criatura que não se lembrava de haver inventado. O deus perguntou de onde havia vindo, mas ela não sabia responder. Então ele se lembrou que havia cuspido no chão, e o resultado estava lá: a humanidade, cuspida e escarrada.
Outra versão do mito dizia que Dievas estava lavando o rosto e uma gota espirrou para longe. Curiosamente, o maior dos deuses estava aposentado: não havia altares para Dievas, pois os lituanos acreditavam que ele não intervinha mais no mundo.
Zemyna
Deusa da terra
Esposa de Perkunas, representava a fertilidade do solo, que era obtida com as chuvas mandadas pelo marido. Assim, todas as coisas vivas eram nutridas por ela. Era uma das mais populares divindades lituanas, chamada frequentemente por diminutivos, de forma carinhosa. Os agricultores costumavam beijar o chão enquanto faziam rezas para Zemyna. Era relembrada tanto em casamentos, por associação à fertilidade, quanto em funerais, já que todo mundo volta para a terra um dia.
Velnias
O Diabo
Enquanto Perkunas vivia nos céus e representava tudo o que havia de bom e nobre nos deuses, Velnias se escondia no subsolo, embaixo de pedras, tentando fugir dos raios disparados por seu adversário. Tentava levar os humanos para o mau caminho, enganando-os com promessas de riqueza, beleza ou poder. Muitos aceitavam fazer um pacto com Velnias, geralmente para ver suas intenções voltadas contra eles.
Perkunas
Deus do trovão
Filho de Dievas, o chefe dos deuses, morava numa montanha tão alta que tocava os céus, e andava por aí numa carruagem voadora puxada por bodes — o barulho das rodas seria a causa dos trovões. Carregava consigo machados e flechas — os raios — para enfrentar seu maior inimigo, Velnias. Na Terra, ele era representado por carvalhos, que eram adorados como árvores sagradas.
Na tentativa de conversão, os padres chegavam com o machado em mãos para cortar essas árvores e provar que Perkunas não tinha poder. Geralmente não terminava muito bem para eles. Mas menos ainda para os pagãos, pois assassinar padres era desculpa para cruzadas.
Saule e Menuo
O Sol e a Lua
Para os lituanos, assim como para os vikings, o Sol era mulher e a Lua, homem. Eram um casal problemático. Menuo, a Lua, era infiel, e se apaixonou por Ausrine, a Estrela da Manhã — o planeta Vênus. Ausrine era filha de Saule, de outro casamento. Como castigo, Perkunas retalhou Menuo com seu machado, mas ele acabava sempre esquecendo a lição e se recuperava todo mês, para ser cortado novamente. Daí vinham as fases da Lua.
O casal acabou divorciado, mas ambos insistiam em ver sua filha, Zemyna, a Terra. Ambos faziam isso em suas carruagens — a dela, puxada por cavalos dourados, a dele, por cinzas. Menuo, aliás, é preguiçoso e às vezes não aparece. Essas são as noites de lua nova.
Laima, Karta e Dekla
Deusas do destino
O triunvirato de irmãs, às vezes chamadas de “as Laimas”, decidia o destino dos seres humanos, desde a gestação até a morte. Laima cuidava dos fetos, Dekla das crianças, e Karta dos adultos. Quando um nascimento estava por ocorrer, as três faziam previsões sobre o destino da criança, mas Laima tinha a palavra final, e era também quem decidia sobre a data de morte. Por isso, era a mais popular das três.
O trio de deusas, assim como a bondosa Zemyna, era visto como o combustível para a ferocidade lituana nas batalhas. Por isso, seu politeísmo resistiu tanto, de forma similar ao que ocorria com os vikings e sua mitologia. A religião dos lituanos era fatalista: como seu destino, assim como os dos inimigos, já estava traçado, eles se entregavam à batalha sem temor.