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E se viesse uma nova era do gelo?

A última terminou há meros 12 mil anos, e o aquecimento global não impede que venha outra. Imaginamos como seria viver um novo período glacial em uma Florianópolis congelada.

Por Amarílis Lage
Atualizado em 31 out 2016, 19h03 - Publicado em 27 nov 2015, 15h30

Elsa conferiu o termostato (”21°C, perfeito”) e seguiu quase saltitando por um dos corredores da estufa. Lá no fim, no último tomateiro, encontrou o que buscava: redondinho, vermelho, o primeiro tomate maduro da safra. Apalpou e sentiu o cheiro, de olhos fechados. Há quanto tempo não comia um tomate? Desde o Natal, talvez. Foi presente da sogra, uma cesta gourmet com manga, mamão, banana, tomate- itens de luxo num mundo permanentemente gelado.

Olhou ao redor. Se fosse flagrada, já tinha a desculpa: como gerente de qualidade, precisava conferir se os tomates estavam gostosos de verdade, né? De um só golpe, arrancou o tomate e enfiou inteiro na boca.

– Elsa! Elsa! Venha aqui agora!

Quase engasgou. Sentiu as bochechas esquentando à medida que a colega se aproximava correndo e agitando os braços. Em busca de uma desculpa convincente, demorou a entender o que a outra lhe gritava: bombeiros, falha no sistema de aquecimento, resgate de moradores. Como assim? Na tela, a foto do prédio de Elsa, sob a manchete: ”Pânico na Beira-Mar Norte: prédio fica sem aquecimento”.

– Meu Deus, as crianças!

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Correu para pegar o carro- e quase caiu com o vento gelado que veio da rua. Precisava se agasalhar. Blusa, meias, botas, casaco impermeável, gorro, protetor de orelha, cachecol, luvas- por mais rápida que fosse, aquilo tudo tomava um tempo terrível. Para piorar, ninguém atendia o celular.

– Ísis, filha! Estou preocupada com você e com o Juninho. Me liga, pelo amor de Deus.

A aflição só cresceu quando Elsa enfim pegou o carro. Os túneis subterrâneos que interligavam a ilha de Florianópolis estavam totalmente congestionados. No rádio, após um clássico do Snow Patrol, o locutor anunciou: ”a temperatura deve cair ainda mais nesta sexta-feira, com previsão de nevasca. Má notícia para quem planejava esquiar em São Joaquim nesse feriado”. Feriado! Por isso o trânsito todo trancado. Assim não chegaria nunca! O jeito era ir pela superfície. 

Respirou fundo e virou à direita, na saída mais próxima. Quase derrapou ao sair do túnel- o asfalto estava coberto por placas de gelo. Elsa parou no acostamento e pegou no porta-luvas o spray de aderência  para borrifar nos pneus. Não podia escorregar. Mesmo assim, tinha de dirigir mais devagar do que gostaria- a cada acelerada, o carro deslizava.

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– Alô, amor! Atende esse telefone! O prédio está sem aquecimento! Me ligaaaaAAA!

Girou uma, duas, três vezes na pista. As mãos tremiam no volante. Quase tinha atropelado uma foca, quase bateu num pinheiro. Estava prestes a chorar quando o celular tocou.

– Querida! Tudo bem? Acabo de ouvir seu recado. Você desligou com um grito. O que aconteceu?

– Uma foca! Um pinheiro… Não importa. As crianças! Corre para casa! O aquecedor! Vem uma nevasca!

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– Calma, eu vi na televisão. Não se preocupe: Ísis e Juninho estão bem, na casa da minha mãe. 

– Sua mãe não ia viajar hoje?

– Ia. Mas, com a nevasca, cancelaram os voos.

Elsa olhou o céu cinzento, pesado. Agradeceu em silêncio pela segurança dos filhos. E até riu ao ver a foca se afastar, arrastando seu corpanzil de gelatina, à medida que um caminhão da prefeitura se aproximava, jogando sal, areia e cloreto de cálcio sobre o asfalto, para evitar a formação de gelo. 

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Lembrou-se de Juninho, que havia voltado animadíssimo da escola na véspera, repetindo o que aprendera na aula de química: o sal e o cálcio diminuem o ponto de congelamento da água! E a areia aumenta o atrito, para o carro não derrapar! Depois perguntou: mamãe, verdade que quando você era criança não tinha neve aqui? Que fazia calor?

Elsa sentiu o coração aquecer. Depois de tanto sufoco, mal podia esperar a hora em que finalmente abraçaria seus filhos. Mas Ísis lhe deu um gelo.

– Nem vem, mãe. Já esqueceu? Todo mundo foi patinar na Lagoa da Conceição, menos eu! 

– Ísis, eu já disse, é perigoso. Foi por isso que você não me atendeu? Sabe como eu estava desesperada?

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Teve de parar a bronca porque Juninho a puxou.

– Mamãe! Você não vai acreditar! Ele me seguiu até aqui, mãe! Posso ficar com ele? Por favor! 

Elsa olhou atrás do filho, já preparada para encontrar um lindo cãozinho abandonado. Mas, atrás do menino, vinha… um pinguim. 

 

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