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Ilha da zombaria

A caminho do santuário de São Tomás Beckett, um grupo de peregrinos entretem-se contando histórias; o que surge, ao longo dos episódios, é uma vigorosa anatomia da natureza humana.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h52 - Publicado em 30 jun 2003, 22h00

Francisco Botelho

Alguns escritores, como Dante Alighieri e Platão, preocupam-se em atingir a verdade absoluta que está por trás de todas as coisas; outros transformam a ilusão dos sentidos e a breve exuberância dos afetos humanos na própria essência de sua literatura. É o caso de Shakespeare – e também de seu conterrâneo e precursor, o poeta inglês Geoffrey Chaucer (1340-1400).

A obra-prima de Chaucer, Os Contos da Cantuária (sem edição recente no Brasil. Atenção, livreiros!), é a imagem de um mundo maravilhosamente tumultuado: a Inglaterra medieval. A caminho do santuário de São Tomás Beckett, um grupo de peregrinos entretem-se contando histórias; o que surge, ao longo dos episódios, é uma vigorosa anatomia da natureza humana.

Cada personagem é um pequeno milagre de criação e vivacidade: o maquiavélico Vendedor de Indulgências, ancestral literário de Iago e outros niilistas shakespeareanos; o Moleiro, um brutamontes simpático e obsceno; a hiperbólica Mulher de Bath, viúva de cinco maridos e ansiosa por encontrar um sexto – e muitos outros, de todos os temperamentos e classes sociais. Pela agudeza de sua visão, o autor dos Contos merece um lugar de honra entre os maiores ironistas da literatura; está muito longe, no entanto, da misantropia de um Johnatan Swift: em vez de condenar explicitamente a moral escusa de seus peregrinos, Chaucer está sempre disposto a sorrir com bonomia ante as ambigüidades da vida e a retratá-la com o ardor de um verdadeiro humanista.

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