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Luzes, câmeras, Nigéria

Como um país falido, uma gangue de contrabandistas e um filme vagabundo criaram a maior indústria cinematográfica do mundo, bem no meio da África

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 19h02 - Publicado em 20 nov 2011, 22h00

Barbara Axt e Alexandre Versignassi

A Nigéria praticamente não tem cinemas. Os filmes nacionais de lá são feitos só para DVD mesmo – e os diretores filmam com câmeras às vezes mais precárias do que esta aí que você tem no celular. Mesmo assim, eles têm a maior indústria de cinema do mundo. “Maior”, veja bem, não na quantidade de dinheiro que ela movimenta, mas na de filmes. Os nigerianos instituíram uma linha de montagem alucinada, que produz mais de 50 títulos por semana, 2 600 por ano – o dobro da indústria de cinema geralmente apontada como a mais prolífica: a da Índia. E 4 vezes mais do que Hollywood.

Os filmes, bom, mal chegam a ser dignos desse nome. São produções caseiras, simplórias. Perto da qualidade de som, imagem, enredo e atuação do cinema nigeriano, Chaves e Chapolin são Copolla e Scorcese (veja nos boxes). Natural: um filme nigeriano custa US$ 20 mil, em média – isso dá 39 segundos do brasileiro Cilada.com (orçamento de US$ 3,3 milhões) ou 0,9 segundo de Capitão América (US$ 140 milhões). Mas que chega a tantos milhões de espectadores quanto esses últimos, chega. A África já está dominada: o continente de 47 países, 2 mil línguas e um número maior ainda de grupos étnicos – grupos tão distintos geneticamente e culturalmente quanto suecos e coreanos – viciou nos filmes da Nigéria. E agora o mundo também começa a se curvar – pelo menos o mundo africano que existe fora da África.

Londres está de prova. É só andar por 10 minutos no bairro de Peckham, que concentra imigrantes nigerianos, para sentir o poder dessa indústria. Nos últimos anos, com o aumento do fluxo de imigrantes africanos (legais e ilegais) para a Inglaterra, Peckham virou um pedaço da Nigéria encravado na capital britânica. E entre uma ou outra barraca que vende tubérculos frescos (african style), estão banquinhas apinhadas de DVDs com produções nigerianas. Não é só em Londres que esses filmes pegam. Agora eles começam a chegar às premières do West End, a área mais chique da cidade, e a disputar espaço nas salas com um Harry Potter ou um Transformers da vida. Mas essa história fica para depois. Primeiro, vamos ver como tudo isso começou, num galpão empoeirado de Lagos, a maior cidade da Nigéria.

A Origem

Era 1992. Kenneth Nnebue, um comerciante de Lagos, se viu com um depósito abarrotado de fitas VHS encalhadas. E concluiu que talvez fosse mais fácil vendêlas se houvesse alguma coisa gravada ali. Chamou um diretor de teatro que fez um vídeo caseiro chamado Living in Bondage (Vivendo em Escravidão).

Começa com o monólogo de um homem bonitão, bem-vestido. É Ichie, um sujeito bem de vida. Mas que só sabe se lamentar: “Já tive vários empregos. O último foi num banco. E pedi demissão porque não estava ganhando o que merecia. Olha o John, o Okay, o Obi… Eles começaram comigo e já têm uma Mercedes cada um; moram em mansões. Já eu…” Para realizar o sonho da Mercedes própria, então, Ichie entra num culto que promete riqueza em troca de sacrifícios. Depois de trucidar galinhas e outros bichos em rituais de bruxaria, acaba tendo que matar a própria mulher. A partir daí ele de fato fica rico, mas passa a ser assombrado pelo fantasma da patroa.

Esse Wall Street com macumba foi um sucesso sem precedentes. “Acho que todo mundo na Nigéria viu esse filme”, diz Cole Paulson, pesquisador do Centro de Estudos Africanos de Oxford.

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O estoque de fitas acabou. E uma nova indústria de cinema nasceu. Mas isso não aconteceu ao redor de estúdios, como Hollywood ou Bollywood (a Hollywood de Mumbai, na Índia). Nollywood (a da Nigéria) surgiu das garagens. Depois do estouro de Living in Bondage nas banquinhas de camelô, centenas de “produtores de filmes” se lançaram ao trabalho, com uma câmera na mão e sem grandes ideias na cabeça, a não ser a de fazer alguns trocados vendendo fitas (e depois DVDs) no comércio de rua – nada tão diferente do que os produtores de filmes-pipoca no resto do mundo (mas com equipamento bem mais barato). Diante do que veio depois, Living in Bondage é Shakespeare. Um sujeito fazendo caretas para a câmera já fazia as vezes de “enredo”. Umas cadeiras de boteco num terreno baldio poeirento já formavam um ótimo cenário. Mesmo assim, os nigerianos viciaram em seu “cinema nacional”. E levaram o resto da África junto.

A distribuição pelo continente ficou por conta do contrabando. Já existia toda uma rede estabelecida de distribuição de muamba no país – e do país para as nações vizinhas. Desse jeito, os filmes começaram a atingir boa parte da África da noite para o dia. Nobel de logística para eles. Só tem um problema: isso é amarrar cachorro com linguiça. Logo que um produtor entrega uma pacoteira de DVDs para essa rede, os próprios distribuidores já começam a fazer cópias piratas para ficar com o lucro todo. Os produtores, então, só conseguem lucrar com a venda das cópias oficiais por uma, duas semanas. Isso limita a quantidade de dinheiro que um produtor pode ganhar com um filme – independentemente do sucesso que faça. Resultado: eles têm de fazer um filme atrás do outro.

Lancelot Idowu, um dos diretores mais famosos do país, fez 158 em 12 anos. Em um dia de filmagem ele é capaz de gravar 59 cenas. Os atores seguem o ritmo: o superastro local Desmond Elliot atuou em 94 filmes desde 1992, o que dá quase 8 filmes por ano. E o público assiste aos filmes com a mesma velocidade com que eles são produzidos. Lagos tem 15 milhões de habitantes e só 3 salas de cinema. O povão compra os DVDs dos camelôs e assiste em casa, ou vê os filmes em canais de TV especializados. “Na casa em que eu fiquei hospedado a TV ficava ligada 24 horas por dia, 7 dias por semana, com filmes nigerianos”, diz Cole, que passou o último ano na Nigéria estudando essa indústria.

A produção caudalosa tornou a indústria de cinema nigeriana um dos maiores empregadores do país. Mas tudo funciona na mais absoluta informalidade – um esquema que leva a situações inusitadas. Cole Paulson, que acompanhou o trabalho da produtora Emem Isong, uma das mais famosas da Nigéria, conta melhor: “Logo no primeiro dia de filmagem, ela perguntou se eu já tinha participado de algum filme de Nollywood. Respondi que não. Ela então virou para a roteirista e disse: ‘Acho que dá para encaixarmos ele em algum lugar, não?’ Logo depois chegou o diretor e decidiu que eu seria o amigo americano do protagonista, que estava na Nigéria para o casamento do seu irmão. E pronto. Minhas falas seriam decididas na hora de filmar”.

Cole também se lembra do dia em que o diretor e a produtora chegaram na mansão que já estava acertada com a produção para a filmagem e mudaram de ideia. “Eles acharam que a casa não ia servir e saíram pela rua tocando a campainha das mansões vizinhas e perguntando se poderiam filmar lá!”, conta. “Em uma delas, foram atendidos por um adolescente. Os pais estavam fora e ele deixou a equipe entrar, com a condição de que terminassem às 8 da noite. Mas a filmagem atrasou e um carro chegou na casa. ‘São os pais! Os pais chegaram!’, avisou um assistente. O diretor então mandou o astro do filme, uma celebridade na Nigéria, receber os donos da casa na porta e agradecer a generosidade de terem emprestado a mansão. Deu tudo certo e a equipe continuou trabalhando até a meia-noite.

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Por essas, o grosso dos filmes de Nollywood continua abaixo do “padrão Chapolin de qualidade”. Mas isso está mudando. Os diretores mais bem-sucedidos estão começando a gastar mais. Agora, aqui e ali aparecem produções mais caprichadas (veja no boxe acima à esquerda), com orçamento na faixa do meio milhão de dólares e exibição em cinemas. Cinemas de Londres, inclusive. Só no ano passado, 14 filmes estiveram em cartaz na capital britânica. A comunidade africana na Inglaterra também sustenta um canal por assinatura dedicado exclusivamente aos filmes nigerianos. Nada mal para um negócio que começou com um galpão de fitas virgens encalhadas.

Cinema à nigeriana: assista a alguns sucessos

OSUOFIA IN LONDON

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Um dos inúmeros filmes nigerianos feitos para a comunidade africana de Londres. Este, de 2003 e que mostra o pobre Osuofia tentando almoçar pombos, é o mais famoso.

Veja: migre.me/5tXEH

IMMORAL ACT

Ato Imoral (2005) traz o tema da maior parte dos filmes da Nigéria: barracos familiares – cansado de ser chamado de impotente pela mulher, o cara se vinga à la Schwarzenegger: engravida a empregada.

Veja: migre.me/5tXfw

MY GAMBIAN HOLIDAY

Nem só de barracos e filmes sobre imigração vive Nollywood. Neste, o jovem Bob encontra o amor na Gâmbia, um micropaís bonitinho incrustado no Senegal.

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Veja: migre.me/5tWOX

THE FIGURINE

super.abril.com.br

A Estatueta (2010) é o Cidade de Deus deles – no sentido de qualidade cinematográfica. Um filmão caprichado, com orçamento de US$ 400 mil – o maior da história.

Veja: migre.me/5tXoC

Para saber mais

Assista a trechos dos filmes:

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https://nigeriafilms.com/

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