Menos competição, no mercado de trabalho
Diante de tantas e tamanhas necessidades que os brasileiros vivenciam, sobretudo os jovens, a preparação para o trabalho e a capacitação para a competitividade do mercado e da vida parecem um sonho difícil de se realizar.
Celso Miranda
Diante de tantas e tamanhas necessidades que os brasileiros vivenciam, sobretudo os jovens, a preparação para o trabalho e a capacitação para a competitividade do mercado e da vida parecem um sonho difícil de se realizar. E a educação profissionalizante nos parece a ideal, algo desejável e bom. Afinal, preparar crianças e adolescentes para o futuro, inseri-los no mercado de trabalho, dar-lhes uma carreira, uma oportunidade de “um futuro melhor” costumam bastar como argumentos a favor dessa prática. Mas será isso suficiente? Será que é isso que queremos no futuro: cidadãos capazes de competir e vencer? Essa seleção não me parece nada natural. Algo me diz que estamos exagerando.
Afinal, o que são, senão exagero, mensagens como a que li em um cartaz de uma escola de um bairro nobre de São Paulo, que dizia: “Cursos de inglês para crianças a partir de 2 anos”? Com 4 anos essas crianças estarão fazendo cursos de informática. Aos 6, prestarão vestibulinho para serem aceitas na pré-escola. Sim, há vestibular para pré-escola. Desse jeito, meninas e meninos com 9 anos estarão freqüentando academias de ginástica. Ah, eles já estão. Essa cultura da competição desmedida, da superação de limites cada vez mais difíceis, está nos roubando bons momentos ao lado de nossos filhos. Isso não é saudável. E, além de tudo, é o que nos trouxe até aqui. A essa sociedade de pessoas ansiosas, insatisfeitas e, não raro, frustradas aos 13 anos de idade.
O trabalho é, sem dúvida, uma forma de inclusão social eficiente. Mas não é a única. Pessoas com dinheiro suficiente para viajar pelo mundo muitas vezes não se satisfazem em não fazer nada. Em curtir a vida. Em ler, assistir a bons filmes, fazer amigos, tomar bons vinhos e encontrar uma boa companhia, ter filhos, educá-los e morrer. Não. Eles precisam vencer. Mais ainda: precisam competir.
Quando falamos de pobres e crianças carentes, o assunto ganha contornos ainda mais críticos. A maioria dos projetos de inclusão social, patrocinados pelo governo ou por fundações e ONGs cheias de boas intenções, volta-se para a capacitação para o trabalho, para a profissionalização. Como se, para o pobre, ter uma profissão já estivesse muito bom – quem sabe assim eles largam de ser vagabundos e param de assaltar a gente. Isso é preconceito e exclusão social. Recentemente li sobre um projeto que apóia crianças carentes (ou em “situação de risco”, como se diz) e lhes ensina uma profissão. Nesse caso, elas aprendiam como afinar pianos e violinos. Meu Deus. Ensinem essas crianças a compor canções, a tocar o instrumento. Não apenas a afiná-lo.
Sem dúvida, a educação para o trabalho é uma responsabilidade a ser assumida pelos gestores desses projetos. Proporcionar condições para a inclusão social por meio do trabalho é uma obrigação das sociedades democráticas e um passo decisivo para a conquista da cidadania. Mas, repito, não é o único. Mesmo porque, não há hoje e não haverá, no futuro, emprego e trabalho para todos. Cada vez menos gente precisará trabalhar para garantir os níveis de produção necessários para o bem-estar geral. Precisamos, portanto, de alternativas de ocupação. Para o sociólogo italiano Domenico de Masi, a saída é reduzir o tempo de trabalho dos indivíduos. Só assim a sociedade poderia almejar integrar os cidadãos. Deveríamos gastar mais tempo viajando, diz ele. Indo a bibliotecas e parques, freqüentando igrejas e fazendo amor. E deveríamos ser pagos para isso. Os ganhos que isso traria para a sociedade em qualidade de vida, saúde e segurança já valeriam a pena.
Seja como for, a educação deve ter suas metas reformuladas, para formar pessoas socialmente integradas, úteis e responsáveis por si mesmas. O trabalho pode fazer parte disso tudo. Ou não. Quero um mundo de pessoas que possam, se preferirem, não competir.
O importante é não perder a dimensão do sonho. Devemos garantir, principalmente aos jovens, a possibilidade de sonhar. De enxergar as cores e a música que se escondem sob a realidade. Garantir a eles a possibilidade de serem sensíveis, porque a sensibilidade é a massa conjuntiva de nossa plenitude. E só cidadãos completos podem realmente exercer seus direitos. O direito, inclusive, de não competir, de não vencer, de nada conquistar. E de ser feliz. Precisamos de cidadãos assim, que mudem o mundo, que transformem nossa sociedade, que se imponham a gentileza. Se formarmos apenas novos (e bons) competidores, estaremos perpetuando a realidade de deformação social com a qual convivemos.
* Jornalista, editor da revista Aventuras na História
Deveríamos educar as pessoas para aproveitar a vida, não para o trabalho