O lado cinzento da força
Fomos a Los Angeles para tentar arrancar o maior número possível de detalhes sobre Star Wars: Episódio VII - O Despertar da Força, do diretor J.J. Abrams. Ele, claro, não quis contar nada. Mas deixou escapar algumas coisinhas...
Quando você entrou no projeto, nada sobre o filme havia sido definido: trama, personagens, enredo. Toda essa liberdade não foi intimidadora?
Foi um pouco. Mas também foi uma parte importante da experiência de fazer esse filme. Eu diria que foi como um sabre de luz de dois gumes: de um lado, o potencial e as oportunidades ilimitadas; do outro, o terror dessas mesmas coisas. Recebi uma grande página em branco, mas é assim que tudo começa.
Você afirmou em uma entrevista recente que só considerou assumir Star Wars VII depois que a presidente da LucasFilms, Kathleen Kennedy, o “provocou” com a pergunta: “Quem é Luke Skywalker, afinal?” Por que isso mexeu com você?
Foi algo que me tocou, porque me fez perceber que o que sabemos das trilogias anteriores agora é a História, com H maiúsculo. É algo que os novos personagens já conhecem. E, para essa nova geração, Luke poderia representar diversas coisas: um elemento desconhecido, um mito, um herói, uma “moral da história”, alguém para se temer… Eu cresci numa geração em que Luke é o grande herói, mas, para muitos garotos, Anakin é o grande herói. Então a ideia de “quem é Luke” me tocou, porque eu poderia desenvolver um personagem novo. E, para conhecê-lo – ou conhecê-la – precisamos saber o que tudo que aconteceu antes significa para ele ou ela.
Quanto do filme é sobre os novos personagens e quanto é sobre os antigos?
É definitivamente uma história sobre os novos personagens. Mas os velhos personagens têm uma relevância enorme.
Teremos três novos heróis, então será a chance de ver como cada um deles se desenvolve. Isso foi uma decisão para se diferenciar do Star Wars original, que se concentrava na jornada de Luke?
Não acho que isso seja inteiramente verdade. No primeiro filme, Han Solo se transforma de alguém completamente egoísta para alguém que volta à batalha final e aceita fazer um sacrifício. Princesa Leia vai de alguém que não confia em ninguém para alguém que faz alianças e se torna grata a Han e Luke. É fácil dizer que é a história de Luke porque ele aparece primeiro, mas, se a lógica fosse essa, você se conectaria mais aos droides do que a ele, porque eles aparecem antes. Luke só aparece depois de vários minutos. Então acho que todos esses personagens têm um certo poder. E, no novo filme, há, claro, outros personagens, além de Daisy [Ridley, que interpreta Rey ], Adam [Driver, que interpreta Kylo Ren ] e Oscar [Isaac, que interpreta Poe Dameron ]. Você tem os personagens de Domhnall Gleeson, de Gwendoline Christie, de Lupita Nyong¿o, de Andy Serkis…
Sim, são oito novos personagens. A intenção era repovoar esse universo para trabalhá-los nas continuações?
Obviamente, quando começamos este projeto, sabíamos que era o primeiro de três filmes. Então, depois que [Lawrence] Kasdan [roteirista do filme] e eu definimos o foco da história, a gente começou a criar um grupo que teria uma trajetória e uma direção específica. Quando você vir o filme, vai notar com clareza que muita coisa é organizada de modo a ser um trampolim para as continuações.
Havia algum elemento específico que você gostaria de explorar nesse filme? Um tema, um tipo de personagem, uma cena de ação, uma emoção, um relacionamento?
Para mim, havia muita coisa. Sem revelar demais, quis trazer para a nova história o mesmo espírito que senti quando era pequeno e vi o primeiro filme. Era a história de um “qualquer” (seja um homem ou uma mulher), um “zé ninguém”, que precisava perceber que era alguém, que estava no pé da escada e tinha que escalar essa escada ao longo da história, e que precisa descobrir que ele ou ela é importante. O filme mostrava o incrível mundo de Star Wars pelos olhos de alguém que não é uma elite, um privilegiado – era alguém com quem você podia se identificar. Para mim, esse era o poder de Star Wars. Contava a história de alguém batalhador, desesperado, bem-intencionado, esperançoso, que era uma pequena engrenagem numa enorme máquina, mas que mesmo assim derrotava o inimigo, superava um obstáculo e conseguia o impossível. Isso, para mim, é um sentimento inspirador e maravilhoso. Havia tantas coisas que eu poderia fazer, ideias para sequências de ação que a gente queria fazer – e fez -, ideias de naves, objetos de cena e lugares. Mas, no coração disso estava o espírito do filme.
O que você pode nos contar a respeito de Kylo Ren [que deve assumir o papel de vilão]? Seu visual, sua espada com manopla transversal… O que mais você pode nos contar?
Não posso dizer mais do que já foi dito… Eu terei de ser um mau entrevistado neste caso. Se a pergunta for diretamente “o que mais você pode dizer do personagem”, não posso ir adiante, a não ser adiantar que ele é uma figura essencial na trama.
Então deixe-me refazer a pergunta. Como você enxerga a relação, dentro ou fora do filme, entre ele e Darth Vader, que é um dos vilões mais icônicos da história do cinema?
Foi intimidador. Não há quem vá preencher o espaço de Darth Vader. Você não pode criar um personagem para ser “o próximo Vader”. O que George Lucas fez com aquele personagem foi poderoso demais. O aspecto maravilhoso da nossa história é que Kylo Ren está ciente do que veio antes. O reconhecimento de quem foi Vader, neste filme, neste mundo, é algo que permite que Ren se torne um tipo diferente de personagem. O que não poderíamos fazer – e não queríamos – era criar outro vilão que soasse como Vader. Que soasse vazio ou repetitivo. Tentamos criar um personagem que tivesse uma abordagem, uma atitude e uma história bem diferente.
Todo mundo sabe que George Lucas teve várias influências ao criar o visual dos primeiros filmes (como filmes de samurai, por exemplo). Quais foram as suas influências, na história e no aspecto visual de Star Wars VII?
Acho que há certas referências já reveladas no material que se tornou público do filme. Quando você olha para a Primeira Ordem, ela se parece muito com coisas que você via em O Triunfo da Vontade, ou seja, grandes desfiles militares, que parecem quase exagerados, surreais, mas que na verdade já aconteceram e estão acontecendo nos dias de hoje. Uma das nossas maiores influências visuais foi o trabalho do grande Ralph McQuarrie [chefe do departamento de arte e concepção visual na trilogia original], que foi um designer essencial para George. O trabalho que ele fez foi usado como referência em detalhes, locações, estruturas e objetos de cena. Claro, também há cineastas que admiro, e embora você tente nunca imitar deliberadamente alguém, não dá para evitar certas referências. Quando você vê uma ampla paisagem, não dá para não lembrar de John Ford, ou close-ups que Spielberg teria feito. Quando você reassiste Star Wars, é quase um milagre o tanto de coisas que George fez e acertou na mosca naquele filme. Em termos de humor, de design, de tecnologia. Ele estava fazendo malabarismos com dúzias de bolas igualmente essenciais, e conseguiu mantê-las todas no ar e não derrubar nenhuma. É glorioso.
Aproveitando a menção ao visual dos filmes originais, quais outros elementos ou pontos da trama original você recomendaria que o fã preste atenção para entender e curtir melhor Star Wars VII?
Há certas coisas que são menções óbvias ao que foi feito. Mas quando você pensa num filme que terá bem versus mal, mesmo no nível mais simples, o mal provavelmente vai ser agressivo e vai ter meios de mostrar seu poder. O bom será mais fraco e terá de lutar contra isso em algum nível. São pontos de história fundamentais.
Os filmes originais giram em torno do bem contra o mal, o Lado Sombrio X o Lado Luminoso. Mas o mundo hoje é bem mais complexo do que era há 40 anos, e Star Wars ainda é preto no branco. Você acha que um dia veremos o “Lado Cinzento” da Força? Algo no meio, ambíguo?
Acho que um único filme não consegue fazer tudo. No caminho que estamos trilhando nessa saga, as coisas chegam a um ponto mais parecido com essa linha que você está mencionando [moralmente ambíguo]. Acho que ninguém quer fazer algo que é muito simples ou só um remake. O que é interessante nesse mundo é que, embora haja uma simplicidade do Lado Sombrio e do Lado Luminoso, é na intersecção dos dois que temos algo realmente interessante.
Sabemos que você preferiu efeitos reais, filmados diante das câmeras, em vez de CGI [Computer-Generated Imagery – imagens geradas por computador]. Quão difícil foi isso? Houve algum momento em que você pensou “meu Deus, eu deveria ter feito isso em computação gráfica”?
Bom, quando aquela porta fechou em cima do Harrison Ford [lesão que manteve o ator de molho e atrasou as filmagens], eu pensei, “hum, que bom seria se essa porta tivesse sido feita em CGI”. Mas, olha, isso é Star Wars, então haverá milhares de cenas com CGI neste filme. Não quero que ninguém deixe de saber que a ILM [Industrial Light Magic, empresa de efeitos especiais criada por George Lucas] está fazendo um trabalho incrível. Mas eu também sabia que haveria centenas, senão milhares de oportunidades em que materiais de CGI não precisavam ser CGI. Desde criaturas até locações, objetos de cena, movimentações de luz.
Para mim, CGI, quando usado do jeito necessário, é a melhor coisa do mundo, mas é um pouco parecido com quando você tem uma banda gravando e o produtor diz “ah, a gente resolve isso na mixagem”. Você não quer resolver na mixagem. Você quer gravar como é realmente. Acertar a performance vocal como você sempre quis. Acertar o solo de guitarra como você planejou. Assim, você não vai precisar consertar na mixagem.
Hoje, muita coisa é resolvida com CGI na pós-produção. A mentalidade é consertar mais tarde, resolver mais tarde. Assim, atores (e personagens) não existem mais em lugares reais. Então nós tentamos – fosse nas florestas do País de Gales, nas montanhas na Irlanda, nas paisagens congeladas da Islândia, em que realmente filmamos – que nosso público visse a realidade do que estava acontecendo. Mesmo no making of que mostramos, em que Daisy [Ridley] está no cockpit da [Millenium] Falcon, ela foi mostrada numa traquitana que se mexe como o cockpit. Queríamos que desse para ver a luz do Sol de verdade nela. É uma coisa pequena, que talvez não importe tanto, mas você não consegue recriar isso tão bem. Não é um desmerecimento do CGI, é só a vontade de usar a verdadeira luz do Sol.
Cheio de significados
Os nomes dos perso-nagens não são à toa. Finn e Rey, os protagonistas, não têm sobrenome para que ninguém saiba de que família vieram. É spoiler? Já o robozinho BB-8 leva esse nome porque se parece com um B e um 8. E o piloto Poe Dameron é uma homenagem ao assistente do diretor, Morgan Dameron, e ao ursinho de pelúcia de sua filha, Poe (que vem de “urso poe-lar”).
Luke corrompido
O que J.J. quis dizer com isso? É difícil não pensar no universo expandido de Star Wars, criado depois da trilogia original, no qual Luke se converte para o Lado Sombrio da Força para se unir ao recém-ressuscitado Imperador Palpatine. Os produtores do novo filme já falaram que não copiaram nada de nenhum produto não oficial. Mas vai saber.
A jornada da heroína?
Aqui, J.J. fez questão de ressaltar que o herói da nova trilogia pode ser uma mulher (no inglês, “qualquer” é uma palavra neutra – ele não precisava acrescentar que podia ser homem ou mulher). Pelo destaque que Rey anda tendo nos pôsteres do filme, bem que faz sentido.
O triunfo da vontade
O documentário de 1935, dirigido por Leni Riefenstahl, sobre a ascensão do partido nazista na Alemanha, é até hoje o maior exemplo de propaganda política que existe. As tomadas das marchas militares, dos batalhões alinhados e do povo em júbilo foram copiadas à exaustão.
Melhor do que computador
A moda analógica foi total: em vez de recriar Chewbacca no computador, resolveram usar as tradicionais fantasias para reviver o wookie.
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