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O Mickey entrou em domínio público. E agora?

95 anos após a sua criação, o rato saiu das mãos da Disney – mas nem tanto assim. Veja o que muda nas regras de uso do personagem.

Por Rafael Battaglia
Atualizado em 4 jan 2024, 16h06 - Publicado em 4 jan 2024, 15h47

Em 1927, o produtor Charles Mintz pediu a Walt Disney que desenvolvesse um personagem animado, que seria distribuído pela Universal Pictures. Junto ao desenhista Ub Iwerks, seu amigo e parceiro de outras empreitadas comerciais, Walt criou Oswald, o Coelho Sortudo.

Deu certo, mas não por muito tempo. Em 1928, Walt, que morava em Los Angeles, foi a Nova York renegociar um contrato mais lucrativo com a Universal, que detinha os direitos de Oswald. Então descobriu que o estúdio havia chamado quase todos os animadores da Disney (fundada em 1923, ainda sob o nome Disney Brothers Studios) para produzir os desenhos por conta própria. Walt saiu sem acordo, sem funcionários – e sem o coelho.

Na viagem de volta, ele rascunhou um novo personagem: Mortimer Mouse, um ratinho largamente baseado nas feições de Oswald. Iwerks deu um tapa no visual, e a esposa de Walt, Lilian, sugeriu um nome menos formal: Mickey.

A estreia foi no curta Plane Crazy (1928), em que ele dá um rolê com a Minnie num avião (assista aqui). Mas a consagração viria no desenho seguinte, Steamboat Willie (1928), considerada a primeira animação com som sincronizado da história. Você conhece – é aquele em que o Mickey pilota um navio a vapor:

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Steamboat Willie é um marco do mundo dos desenhos. Além da harmonia entre som e imagem (algo que outros estúdios da época tentavam fazer, sem o mesmo sucesso), o curta apresentou ao público uma versão mais refinada do visual e da personalidade do Mickey, que se tornou o símbolo máximo da Disney – e que, desde 1º de janeiro de 2024, entrou em domínio público nos EUA.

Pois é. As versões do Mickey e da Minnie de Plane Crazy e de Steamboat Willie não são mais propriedade intelectual da Disney. Ou seja: podem ser usado e reproduzidos sem que, para isso, seja preciso pagar royalties à empresa.

Eles não estão sozinhos nessa. O Centro de Estudos sobre Domínio Público, da Universidade Duke (EUA) compila anualmente uma lista de obras cujos direitos autorais caducaram. Em 2024, estão entre os destaques os livros O Mistério do Trem Azul, de Agatha Christie, e o alemão Nada de Novo no Front (adaptado para o cinema duas vezes, em 1930 e 2022); o filme O Homem que Ri (cujo protagonista serviu de inspiração para o visual do Coringa do Batman); e o personagem Tigrão das histórias do Ursinho Pooh. Você pode conferir a lista completa aqui.

As consequências da liberação dos direitos do Mickey já começaram a aparecer. Logo no dia 1º, saiu o trailer do slasher Mickey`s Mouse Trap (“a ratoeira do Mickey” – um bom título, convenhamos), no qual um assassino fantasiado de Mickey aterroriza um grupo de jovens. Algo similar aconteceu no ano passado com o terror Ursinho Pooh: Sangue e Mel (o personagem entrou em domínio público em 2022).

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Também rolaram anúncios de dois games com o Mickey: Infestation: Origins, de terror, e Mouse, um jogo de tiro em primeira pessoa que não menciona o personagem – mas possui toda a estética das animações da Disney dos anos 1920 e 1930 (veja o trailer aqui).

Mas, afinal: a porteira se abriu para todo e qualquer tipo de criação com o ratinho? Não é bem assim. Vamos explicar.

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Disney versus legislação americana

Quando o Mickey nasceu, a lei dos EUA dizia que obras entravam em domínio público 56 anos após a sua criação. Os direitos autorais do Mickey, então, caducariam em 1984. Acontece que, alguns anos antes, em 1978, o Congresso dos EUA alterou a lei e aumentou a proteção para 75 anos. Obras de 1928 passariam a ser de uso livre só em 2004.

Mas, em 1998, o Congresso estendeu novamente o tempo de proteção para 95 anos, o que adiou em duas décadas a entrada do Mickey em domínio público. O Copyright Term Extension Act (“ato de extensão do termo de copyright”) foi apelidado de Mickey Mouse Protection Act (“ato de proteção ao Mickey Mouse”), devido ao lobby da Disney para que a lei fosse alterada.

Minnie Mouse em Steamboat Willie, 1928
(The Walt Disney Studios / YouTube/Reprodução)

“Essas extensões têm sido criticadas por estudiosos como sendo economicamente regressivas e tendo um efeito devastador na nossa capacidade de digitalizar, arquivar e obter acesso ao nosso patrimônio cultural”, escreveu Jennifer Jenkins, diretora do centro de Duke que estuda domínio público. “Bloqueou não apenas obras famosas, mas uma vasta faixa da nossa cultura, incluindo material que não está disponível comercialmente.”

Jenkis também aponta que as medidas protetivas da Disney são uma ironia – uma vez que o estúdio sempre se apoiou em histórias de domínio público para fazer seus filmes: Cinderela, A Pequena Sereia, A Bela e a Fera, Frozen, Pinóquio, Alice no País das Maravilhas… Até O Rei Leão, cujo enredo se baseia em Hamlet, de Shakespeare.

Mickey Mouse: modo de usar

No geral, quando uma obra entra em domínio público, não tem muito com o que quebrar a cabeça. Em 2021, os livros do britânico George Orwell se enquadraram nessa categoria – e choveram versões de 1984 e A Revolução dos Bichos nas livrarias, de diferentes editoras.

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Mas, para personagens correntes como o Mickey, que segue mudando de visual e estrelando novos desenhos, a coisa é mais complicada. E, ao longo das décadas, o time jurídico da Disney (uma empresa avaliada em US$ 165 bilhões) se esforçou para proteger ao máximo a sua propriedade intelectual (até o contorno das orelhas do personagem é uma marca registrada à parte).

Personagens Minney e Mickey Mouse na Disneyland de Paris
(Imagem: PASCAL DELLA ZUANA / Getty Images/Reprodução)

O que a lei permite: usar as versões iniciais do Mickey e da Minnie de Plane Crazy e de Steamboat Willie. Os personagens podem ser usados em campanhas de empresas, ONGs, integrarem outras obras artísticas – e até participarem de um remake dos curtas.

O que a lei não permite: usar outras versões dos personagens, já que cada uma é uma marca registrada específica. Então nada de Mickey com luvas (esse visual surgiu num curta de 1929) ou com chapéu de feiticeiro (do filme Fantasia, de 1940). Não se pode também usar a imagem do Mickey dando a entender que o seu produto ou obra pertença à Disney (essa associação do ratinho com a marca também está sob proteção). É preciso deixar claro que são coisas distintas.

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Ainda é cedo para dizer as proporções jurídicas que esse caso irá tomar. Nos últimos anos, a Disney passou a usar um trecho de Steamboat Willie, com Mickey assobiando dentro do barco, como abertura para algumas de suas produções. É uma forma de reforçar a associação da empresa ao seu produto que, agora, não lhe pertence mais.

Importante: todas essas regras dizem respeito à legislação americana. Se você, brasileiro, está pensando em usar o Mickey de alguma forma, consulte um advogado mais próximo. Você não vai querer enfrentar o time jurídico do castelo da Cinderela.

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