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Os mutantes são demais

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h49 - Publicado em 30 set 2004, 22h00

Texto Emerson Gasperin

Ser o maior destaque do movimento tropicalista foi só o começo. Arnaldo, Rita e Serginho queriam abraçar o psicodelismo internacional, o art rock, as raízes mais esquisitas da música brasileira e, por molecagem pura, subverter tudo por dentro. Assim os Mutantes se transformaram na principal banda brasileira de todos os tempos e nossa maior contribuição para o rock mundial. Passadas três décadas, os tripulantes dessa viagem relembram sua história.

Como todos os jovens da década de 60, Arnaldo Baptista, Rita Lee e Sérgio Dias eram fãs dos Beatles. Seria banal assim, se não fosse o fato de eles terem dividido a história da música pop brasileira em antes e depois de sua aparição, em 1966, ao criarem os Mutantes. Donos de uma originalidade e de um senso de humor que se encaixaram com perfeição no que a turma da tropicália procurava, eles foram capazes de colocar rock, sertanejo, clássico, progressivo e o que mais pintasse numa mesma canção. Exímios músicos, estavam sempre em busca de aperfeiçoamento, de algo mais. No estúdio, sentiam-se livres para experimentar qualquer efeito, técnica ou recurso que enriquecesse sua arte e, assim, trilharam a mais original aventura do rock no Brasil.

Quando Gilberto Gil mostrou sua insatisfação com o arranjo de “Domingo no Parque”, classificada para o III Festival da Música Popular Brasileira, em 1967, o maestro Rogério Duprat sugeriu que os Mutantes acompanhassem Gil. “Nenhum dos outros grupos tinha aquela ingenuidade gostosa, agradável, aquelas encenações que eles faziam”, lembra o maestro.

Tão logo terminou sua participação em “Domingo no Parque”, a banda foi convidada por Manoel Barenbein para gravar um disco. Arnaldo, Rita e Serginho já vinham freqüentando o Hotel Danúbio, onde se encontravam com Gil, Caetano, Gal, Beat Boys e Torquato Neto.

Os três chamavam a atenção pela ausência de regras – exatamente o que os baianos procuravam – num tempo em que a simples menção de usar uma guitarra elétrica ouriçava os mais tradicionalistas.

“Os Mutantes me davam subsídios para avançar no terreno das idéias. Minha função era coordenar o caos – e nem era um caos, porque eles sabiam exatamente o que queriam. Não fui eu que fiquei dando aula para eles. Ao contrário, eu é que aprendi com os Mutantes, o Gil, o Caetano: como fazer uma música que pode ser popular e avançada, à frente da dos Beatles”, conta o maestro.

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O que seriam os Mutantes se não tivessem cruzado com Rogério Duprat e os tropicalistas?

Sérgio – Antes de encontrarmos Duprat ou os tropicalistas, já fazíamos nossas músicas, como no compacto do O’Seis. Aquilo é alta vanguarda!

Liminha – Com certeza, a convivência com os tropicalistas ajudou muito. Acho que foi uma sacação deles, pela cabeça aberta que tinham, de romper com os padrões da época. Os Mutantes colaboraram com isso.

Arnaldo – Duprat foi importantíssimo. A gente se encontrava com Gil, Jorge Ben, aquela coisa de violão e vocal. Mas Duprat complementou, abriu nossa cabeça. Comecei a tocar piano, a desenvolver meu lado clássico. Entramos com guitarra e contrabaixo na MPB.

Rita – Sem os tropicalistas, jamais os Mutantes teriam chance de se projetar com a mesma atenção que despertaram. O futuro de grupos daquela época que cantavam em inglês ou faziam covers não era lá tão amplo…

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Como, detestando MPB, deu-se a mistura que teve forte presença de sonoridades nacionais?

Rita – Havia esse rótulo de “antinacionalistas”, mas era puramente por sermos do contra. Nem sabíamos direito contra o quê (risos). Era nossa maneira de esnobar quem nos esnobava, ou seja, a MPB, a jovem guarda… Criamos fama de “estrangeirados” no meio e assim ficaríamos eternamente se um dia não tivéssemos encontrado Gil, que de MPB radical e de jovem guarda não tinha nada. Foi a fome dele com a vontade de comer da gente.

Sérgio – Para começar, a MPB que a gente odiava – e continuamos odiando – era qualquer música popular brasileira burra. Mas, naquela época, éramos fãs de Demônios da Garoa, de sertanejo… Por exemplo, “2001”: não é uma citação, aquilo fazia parte de nossa bagagem.

Vocês tinham consciência da profundidade do que estavam fazendo, de seu papel revolucionário?

Arnaldo – O fato de a gente ser mais cosmopolita influenciou bastante. A primeira vez que ouvi Sgt. Pepper foi com Gilberto Gil, na época em que ele namorava Nana Caymmi. Curtíamos muito música estrangeira. E Gil tinha uma coisa romântica, poética, no violão. Mas nunca pensamos que estávamos revolucionando totalmente. Eu sempre achava que faltava algo. Foi isso que fez a gente crescer musicalmente.

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Rita – Agimos sem qualquer consciência da revolução que posteriormente nos creditaram. Rock era nosso estilo predileto e não nos sentíamos peixes fora d’água nesse panorama. Tentar compensar a defasagem tecnológica com a criatividade virou um dos motivos pelos quais os Mutantes sempre estiveram anos-luz à frente de seu tempo.

Sérgio – A gente sabia que era bom e sabia o que estava fazendo. Existia uma busca de excelência, orgulho de tocar bem, ter boas canções, bons vocais, boas letras. Diziam que eu era o melhor guitarrista daqui, por quê? Porque eu ralava 15 horas por dia! Não queria estar abaixo dos meus ídolos: Les Paul, Nokie Edwards (do Ventures)…

Em 1969, tudo começou a acontecer muito rápido com os Mutantes. Gravaram o segundo disco, tocaram na França e, na volta, Arnaldo estava tocando teclados, fator que encorpou o trabalho seguinte, A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado (1970). O baterista Dinho já participava, e o baixo foi ocupado por Liminha, egresso da cena roqueira de São Paulo.

Apesar de serem considerados músicos acompanhantes, os dois integrantes músicos mexeram com os Mutantes. “Logo que entrei, fiz umas três músicas. O hit ‘Top Top’ era meu”, recorda o baixista, referindo-se à canção que abre o quarto LP, Jardim Elétrico, de 1971, cuja capa trazia o desenho de um pé de maconha estilizado, desenhado pelo quadrinista Alain Voss. Não que a droga fosse novidade para os Mutantes: a viajante faixa-título do álbum anterior já dizia tudo.

O envolvimento com substâncias alucinógenas fora intensificado depois da segunda excursão do grupo para a França, em outubro de 1970. Em Paris, foram introduzidos ao LSD pelo artista plástico Antonio Peticov. Ao retornarem, movidos pelo ideário hippie, decidem morar na Serra da Cantareira, nos arredores de São Paulo.

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Qual era o papel criativo de Dinho e Liminha na banda?

Arnaldo – Éramos Peter, Paul & Mary: eu, Serginho e Rita. Ensaiávamos com violão e vozes. Com Dinho e Liminha, os ensaios mudaram, ficou aquela coisa poderosa.

Rita – Nos Mutantes havia uma lei preestabelecida: independentemente de quem escrevesse letras e músicas, os “três patetas” assinariam. Liminha entrou e começou a apresentar composições, mas a lei continuou. Passou-se a creditar a Liminha a co-autoria de músicas e letras que, na verdade, eram só dele, como “Top Top” e “Portugal de Navio”. Dinho quase não participava do processo criativo, mas era uma pessoa muito amiga e tentava resolver os problemas de ego que sempre surgiam.

Sérgio – Dinho foi um dos bateristas mais criativos que conheci. Por mais simples que pareça, ele nunca fez o óbvio. Era a base, o alicerce. Liminha é um dos melhores baixistas do mundo. Era normal dividirmos a autoria das canções, o caso de “Ando Meio Desligado”: a música inteira é minha, a letra é de Rita.

Quando as drogas apareceram?

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Rita – Até o exílio dos mestres (Caetano e Gil, em 1969), os Mutantes usavam maconha. Uma vez experimentamos ayahuasca e, em outra ocasião, meia pedrinha de mescalina. Quando nos apresentamos no Olympia, de Paris, encontramos com Peticov e aí, sim, é que a festa começou. Apenas Serginho se recusou a experimentar LSD. Ficávamos horas, dias, semanas e semanas tocando. Nada de muito objetivo, mas grandes viagens em grupo. Nessas é que o som da banda começou a tomar os tais rumos progressivos. Não foi da noite para o dia, mas a idéia de ser “uma pessoa só” passou a assombrar Arnaldo, que praticamente obrigou Serginho a tomar uma única pedrinha, senão ele estava fora do grupo (risos).

Arnaldo – Acho que comecei com maconha ainda nos tempos do (colégio) Mackenzie… Mas a expansão mesmo se deu em Paris, quando tomamos LSD pela primeira vez. Não uso o termo “drogas”, chamo de “expansores da musculatura mental”. A gente passou a ter uma visão mais ampla da música, algo tipo: “Está tudo muito bom, vamos adiante”.

Manoel Barenbein aponta Build Up, a estréia-solo de Rita Lee, em 1970, como o primeiro elemento desagregador nos Mutantes. “Tive a impressão de que Arnaldo e Serginho sentiam que o grupo iria se desmembrar”, revela. “Eu e o André (Midani, chefão da gravadora Philips) interviemos, mostramos que Build Up era um projeto da Rhodia, um show que reverteria como um gancho para os próprios Mutantes.” Qualquer clima que pudesse surgir foi ultrapassado pelo convite para uma temporada de shows no prestigioso Olympia, em Paris. O mesmo não dava para dizer do relacionamento entre Arnaldo e Rita. Apesar do casamento em 1971, morar na Serra da Cantareira – onde reinava o amor livre – não ajudou nem um pouco a segurar o romance. Profissionalmente, tudo continuava certo. Em 1972, saía Mutantes e Seus Cometas no País dos Baurets, último resquício do deboche característico da banda. A longa faixa-título denunciava a próxima onda: o rock progressivo.

Era tudo o que Rita não queria, a antítese de seu segundo disco-solo, Hoje É o Primeiro Dia do Resto de Sua Vida. Ironicamente, é como se fosse um trabalho dos Mutantes, num lampejo final de unidade: os cinco participam de todas as faixas e a produção é de Arnaldo. A relação entre o casal termina e, pouco depois, Rita deixa o grupo.

Rita, até que ponto o início de sua carreira-solo incomodou os Mutantes?

Rita – Barenbein me conectou com Nara Leão, que tinha feito uma versão de “Joseph”, de George Moustakis, mas não pretendia gravar e estava procurando alguém com “voz de anjo” para fazê-lo. Isso aconteceu enquanto os Mutantes estavam brigados. “José” foi um sucesso estrondoso e os Mutantes ficaram putos comigo porque o público exigia a porra da música. Acho que a cantei uma única vez e nunca mais. Talvez Barenbein tenha razão, deve ter pintado um ciúme danado depois disso.

Hoje É o Primeiro Dia do Resto de Sua Vida é o segundo disco-solo de Rita Lee ou o último da fase “clássica” da banda?

Rita – Na época, estávamos brigados, então o Midani me convidou para outro projeto-solo. Como os Mutantes “voltaram”, achei conveniente convidá-los para participar. Aliás, passei a vida toda considerando esse trabalho como sendo da banda.

Sérgio – A gente tinha gravado um disco (…País dos Baurets) e havia mais material composto. Como lançar dois álbuns no mesmo ano? Para que um não prejudicasse as vendas do outro, gravamos no solo da Rita.

O fim de seu romance com Arnaldo influiu em sua saída do grupo?

Rita – Fui a primeira namorada dele e ele, meu primeiro namorado. Quando entrei para Comunicações na USP, já não estávamos assim tão apaixonados. Mas a banda já estava metida com os tropicalistas e a coisa profissional começou a ficar séria, teríamos bastante viagens pela frente. Minha mãe descobriu que dividíamos o mesmo quarto nos hotéis e ficou horrorizada. Praticamente nos obrigou a casar no papel, sem saber que nosso namorico nem existia mais. Durante o casamento, morávamos numa mesma casa na Cantareira. O amor acabou, mas surgiu uma amizade e cumplicidade muito legais entre a gente. Ninguém entendia como estávamos casados e cada um tinha liberdade para fazer o que bem entendesse. Arnaldo era bastante mulherengo e eu aceitava na boa, também tinha meus namoradinhos. Assim, não posso aceitar que o fim do nosso romance tenha sido o pivô da separação do grupo. Isso é coisa de quem ficou chupando o dedo.

Afinal, por que você saiu da banda?

Rita – Eles estavam pretendendo fazer música progressiva, portanto não haveria mais espaço para o deboche musical que coroou a existência do grupo até então. Como fui contra essa estratégia furreca, escolheram me despachar na marra. Levei um bom tempo para curar a mágoa. Hoje, percebo que minha retirada foi fundamental para fazer os gols que fiz no Tutti-Frutti.

O que os Mutantes perderam com a saída de Rita?

Arnaldo – Perdemos o lado circense, pop. Mas a gente podia buscar um outro lado mais circense no estilo “globo da morte”, mais pesado. Tentei e não consegui. Não foi nem bom nem ruim para os Mutantes. Foi evolutivo.

Liminha – Perdemos muito em humor. Rita contribuía em tudo. As composições da banda pioraram, os temas começaram a ficar muito bicho-grilo, esotéricos, uma coisa meio apocalíptica – e chata.

Você continuou acompanhando os Mutantes?

Rita – Quando deixei os Mutantes, fechei a porteira, passei muito tempo não querendo papo com eles e até desejando do fundo do coração que se fodessem. Fiquei profundamente magoada, meus amigos do peito me deram uma facada nas costas para matar… Acontece que aquele som explicitamente clonado foi, para mim, um exemplo de decadência criativa. Eu gostava de Yes e Emerson, Lake & Palmer, mas daí a copiar os caras era uma grande falta de imaginação. Hoje, quando os gringos mencionam Mutantes, referem-se exatamente à fase do meu tempo, o som “progressivo” passou batido.

Então explica como é que você, odiando os moços, foi abrir um show para os Mutantes em 1973 e, mais tarde, acabou cantando no disco-solo de Arnaldo?

Rita – Ué… Fiquei semanas sem falar com os bofes. Para quem convivia todos os dias, isso é um tempão, não é? Nessas semanas em que fiquei exilada, compus “Mamãe Natureza” e ensaiei com Lúcia Turnbull umas gracinhas musicais, formando a dupla Cilibrinas do Éden. O empresário dos Mutantes soube disso e foi gentil me convidando para abrir um show deles no Phono 73 (festival organizado pela Phonogram com artistas de seu elenco). No caso do Lóki?, naqueles tempos eu já estava mais segura de que havia sido muito bom para mim ter saído dos Mutantes e, como sempre gostei das loucuras do Arnaldo, fui, na boa. Aliás, o material gravado no Lóki? continha umas reminiscências da minha época, então ele achou justo me convidar para cantar.

O primeiro trabalho após a saída de Rita, O A e O Z, era totalmente entregue ao rock progressivo. A Philips, alegando que o álbum não tinha apelo comercial, não apenas recusou o disco como dispensou a banda de seu elenco. Arnaldo sai dos Mutantes e, a partir daí, o grupo nunca mais se fixaria numa mesma formação. Dos integrantes originais, apenas Serginho restaria para gravar Tudo Foi Feito pelo Sol, de 1974. Em 1976, fazem sua última apresentação, em Ribeirão Preto, interior de São Paulo.

Por que os Mutantes adotaram o som progressivo?

Arnaldo – O marco foi o Yes Album. Nos Beatles, havia a hora em que George improvisava, que Ringo improvisava. Ali, não: parecia que os caras estavam improvisando direto. Tudo o que a gente quis fazer fez: rock, sertanejo, psicodélico, tropicalismo. Aí quisemos ser progressivos. Foi a última viagem dos Mutantes.

Sérgio – Criaram uma burrice em torno do nome “progresso”, que significa ir para a frente. Virou sinônimo de velho. Ridículo: o progresso é velho. Não foram os Mutantes que viraram progressivos, o mundo é que estava progressivo na época.

Arnaldo, o que você pretendia ao deixar o grupo?

Arnaldo – Queria fazer a música que tinha em mente: com continuidade, sem final. Fiquei meio perdido, mas a música continuou meu sonho.

Como vocês reagiram à saída dele?

Sérgio – Foi um puta caos para mim, uma merda. De repente, o Arnaldo, a Rita e o Liminha não eram mais mutantes. Como vou deixar de ser quem eu sou? Continuei fazendo o que sentia, até perceber que não era mais correspondido pelos outros membros da banda.

Liminha – Para mim, acabou a magia. Lembro que a gente fez um show que foi o máximo. Quando terminou, fui ao camarim e o Arnaldo estava chorando, deitado no chão, chamando pela Rita e não sei o quê. Depois ele saiu. O negócio é que o Arnaldo não era só músico. Ele atuava no conceito da banda, nas idéias. Ele é um cara muito inteligente e espirituoso.

1969

Janeiro

• Richard Nixon assume a Presidência dos Estados Unidos.

• O King Crimson lança In the Court of the Crimson King, disco que serviu de referência para a criação do rock progressivo.

• O show dos Beatles na cobertura da Apple Records é interrompido pela polícia.

Fevereiro

• Yasser Arafat é escolhido líder do povo palestino.

Março

• Jim Morrison, dos Doors, é preso em Miami por comportamento obsceno durante um show.

Abril

• O The Who apresenta a ópera rock Tommy na íntegra na Inglaterra.

• O Stooges lança seu primeiro álbum, uma das sementes do punk rock.

Junho

• A batalha de Stonewall se torna um marco na defesa dos direitos civis dos gays.

Julho

• A internet é criada para fins militares.

• Morre Brian Jones, fundador e ex-guitarrista dos Rolling Stones

• Caetano e Gil deixam o Brasil em direção ao exílio em Londres.

Agosto

• O festival de Woodstock reúne 20 mil pessoas e celebra a geração hippie.

• Seguidores de Charles Manson matam cinco pessoas, incluindo a atriz Sharon Tate, que estava grávida.

Setembro

• O embaixador norte-americano Charles Elbrick é seqüestrado no Rio de Janeiro. Em troca de sua libertação, 15 presos políticos são soltos.

Outubro

• Durante a apresentação dos Rolling Stones em um festival em Altamont, um fã é morto a facadas por membros da gangue de motoqueiros Hell’s Angels.

• Emílio Garrastazu Médici assume a Presidência da República.

• Morre o escritor americano Jack Kerouac.

Novembro

• Depois de sete anos fazendo filmes, Elvis Presley volta ao número 1 com “Suspicious Minds”.

O Planeta dos Mutantes

1970

De passagem por Paris, o grupo é convidado pela Polygram britânica a produzir um álbum para o mercado externo, Tecnicolor, que acabou engavetado e só veria a luz do dia no ano 2000.

1972

Aos 6 anos, Bill Bartell recebe uma garotinha brasileira em sua casa, em um programa de intercâmbio de estudantes. Ao partir, a menina esquece o LP Mutantes (1969). O “presente” torna-se o disco favorito do petiz californiano. Muitos anos depois, Bartell abriu uma loja de discos chamada Gasatanka, em Los Angeles, e passou a divulgar o trio brasileiro para os clientes – Steve McDonald (do Redd Kross), Ken Springfellow (Posies) e Kurt Cobain, entre eles.

1988

Bartell e diversos músicos do underground americano gravam sob o nome de Tater Totz um álbum chamado Alien Steestacks from Brazil, incluindo duas bizarras versões de “Bat Macumba”.

1993

Durante a passagem do Nirvana pelo Brasil, Kurt Cobain escreveu um bilhete para Arnaldo Baptista: “Cuidado com o sistema, eles te engolem e te cospem”. O mutante respondeu: “Eu já fui engolido, cuspido e estou começando tudo de novo”.

1998

Beck batiza seu novo álbum de Mutations. A faixa de trabalho é “Tropicalia”.

1998

Os Wondermints (grupo de apoio do beach boy Brian Wilson) lança o álbum Bali, contendo a música “Arnaldo Said”, uma homenagem a Arnaldo Baptista.

1999

O grupo tem seu primeiro lançamento internacional na forma de uma compilação publicada pelo selo Luaka Bop (de David Byrne, ex-Talking Heads), Everything Is Possible: The Best of os Mutantes. Seus três primeiros álbuns também são publicados nos Estados Unidos pela gravadora independente Omplatten, sob recepção calorosa da imprensa.

O produtor: Manoel Barenbein

Caetano o descreveu como “um judeu paulista narigudíssimo (…) que comprara nossa briga com carinho e determinação”. Na verdade, Manoel Barenbein é paranaense e começou a carreira na música como office-boy da RGE. Estreou como produtor ao se aproximar de Toquinho em 1965, donde chegou a Chico Buarque, de quem produziu o clássico “A Banda”. Dois anos depois, quando foi convidado a produzir os artistas paulistas da Philips, já era um produtor requisitado. Era bem o ano da explosão tropicalista e Manoel Barenbein estava disposto a experimentar. Tornou-se célebre um LP que produziu para Ronnie Von, ainda em 1967, com participação dos Mutantes e arranjos de Rogério Duprat: em uma faixa, “Meu Mundo Azul”, Barenbein distorceu a voz do cantor em um amplificador de guitarra. As fãs do Pequeno Príncipe devolveram o disco nas lojas por causa do “defeito de som”. Era a ponte para o desbunde tropicalista. Barenbein produziu “Alegria, Alegria” e “Domingo no Parque”, o que o autorizou a trabalhar no disco coletivo Tropicália ou Panis et Circensis. Ali, ele deitou e rolou: Barenbein acabou produzindo todos os álbuns dos discos tropicalistas do período inicial, repleto de efeitos, barulhos, manipulação de teipes, guitarras estridentes, cordas derramadas, e de um espírito anarquista difícil de ser compreendido pelos “caretas”.

O homem por trás do som

Seguindo um acordo interno, algumas composições dos Mutantes “escondiam” seus verdadeiros autores sob assinaturas coletivas. Mas se há um sujeito realmente oculto na trajetória do grupo, esse é Cláudio César Dias Baptista, irmão mais velho de Sérgio e Arnaldo. Criador de instrumentos e efeitos utilizados pela banda, preferiu agir nos bastidores a encarar o show biz. Também colaborou com o rock instrumental fabricando instrumentos para os Jet Black’s e o The Rebels, entre outros. Contudo, foi mesmo a serviço dos Mutantes que ele desenvolveu a aptidão de luthier ao máximo. Sua mais famosa criação foi a guitarra Régulus, cuja tecnologia era bem avançada para a época. Além de adaptar o corpo do instrumento para as mãos de Sérgio Dias, Cláudio confeccionou um sistema interno que possibilita diversas combinações de timbres, indo do som da Stratocaster ao da Les Paul, dois parâmetros da guitarra elétrica mundial. Também disponibilizou seis tipos de distorção (um para cada corda), além de um geral. Ainda projetou e construiu os pedais de efeitos usados em “A Minha Menina” e “Bat Macumba”, um deles capaz de inverter o sinal do tradicional wah-wah, popularizado por Jimi Hendrix. A qualidade e potência sonoras superiores às das bandas da época vinha de um sistema de palco criado por Cláudio a partir de informações da empresa JBL. Ele ainda foge dos holofotes, vivendo em um sítio sem telefone.

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