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Rap: Apoiados por 500 mil manos

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h50 - Publicado em 31 out 2004, 22h00

Fazia dez anos que os Racionais MC’s acionavam o microfone. Mas os jornais, as revistas, a classe média e a MTV só foram conhecê-los em 1998. Da violenta periferia de São Paulo veio um dos cds mais importantes de seu tempo. DJ Hum lembra Sobrevi-vendo no Inferno e tudo que o disco fez pelo hip hop

Todo o pessoal ligado ao hip hop ficou surpreso quando os Racionais MC’s foram indicados à premiação da MTV, em agosto de 1998. Para se ter uma idéia, apenas dois anos antes, quando o Thaíde e eu íamos às rádios, precisávamos explicar o que era rap. Porque sempre nos perguntavam, ninguém sabia. E isso acontecia no Brasil inteiro. Então, quando o grupo ganhou o prêmio da escolha da audiência, que é considerado o mais importante, a surpresa foi ainda maior – e ainda pesava o fato de Mano Brown, KL Jay, Ice Blue e Edi Rock serem avessos à mídia.

A classe média de São Paulo, que só passava pela periferia quando ia à praia, descobriu naquele ano os Racionais, ficou interessada naquele discurso, naquele tipo de texto. Eles elegeram os representantes do hip hop. Sempre me perguntavam por que o rap nacional não aparecia na TV, enquanto os clipes de artistas americanos já eram conhecidos. Somente os formadores de opinião sabiam que existia essa cultura no país.

Sobrevivendo no Inferno e a premiação da MTV foram importantes para todos nós. Havia outros elementos ao redor disso, como “Senhor Tempo Bom”, que eu e Thaíde lançamos em 1996, e “Us Mano e as Mina”, do Xis, de 1999, além dos shows fora do país do Doctor MC’s. A engrenagem funcionou até os Racionais abrirem definitivamente novos horizontes. Porque, além de protesto, o rap é uma ferramenta de trabalho para a classe menos favorecida. Tem a ver com auto-estima e as pessoas já podiam sonhar em ir mais longe.

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Houve muita resistência antes e durante esse fenômeno. Nos programas de TV, apareciam delegados criticando o rap, dizendo que tinha ligação com o crime, que expressões como “é nóis na fita” eram gírias de marginal. Até que viraram expressões comuns, usadas por todo mundo. O hip hop conseguiu sair do gueto depois disso. E as gravadoras multinacionais começaram a fabricar seus artistas, o que é normal – a concorrência é sempre saudável. Outro fator importante nesse processo foi que a cultura negra se projetou como um todo. Hoje você escuta samba-rock, black, funk nacional em casas badaladas, em festas de gente de classe média alta. Isso não acontecia antes, quando o Gabriel o Pensador surgiu, por exemplo. Ele não somou para o hip hop porque foi adotado como um artista pop e as pessoas continuaram sem saber o que era a cultura. Somente com o MV Bill e o Marcelo D2 o Rio seria bem representado.

O estouro do rap após a premiação teve dois sentidos. Alguns tentaram seguir o estilo dos Racionais e ser ainda mais agressivos. Mas, enquanto o Mano Brown fazia poesia urbana, essa turma falava explicitamente sem o mesmo impacto. Por outro lado, o fato de os Racionais interagirem com as pessoas sem abrir mão de suas convicções criou um clima de que era possível ser ousado e fazer rap diferente, como o freestyle, e ainda conseguir espaço.

O hip hop começou nos Estados Unidos com os DJs tocando nos clubes. Mas no Brasil e na América do Sul em geral, foi o breakdance que chegou primeiro e trouxe todo o conceito do hip hop. Os filmes, como Wild Style (1983) e Beat Street (1984), ajudaram porque você podia ver como eles dançavam. Também foram importantes os clipes Beat It (1982), do Michael Jackson, e Buffalo Gals (1983), do Malcolm McLaren, que exibiam os b-boys. No Grammy de 1984, durante a apresentação de “Rockit” (1983), do Herbie Hancock, é que vimos pela primeira vez um DJ fazendo scratch, usando o toca-discos como um instrumento. Foi tudo muito rápido e intenso.

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O pessoal da velha escola do hip hop brasileiro se conheceu na estação São Bento do metrô, em São Paulo, nessa época. Lá o chão era liso, propício para dançar. Alguns punks, como o Crânio, ainda freqüentavam o local e se aproximavam, diziam que gostavam, tinham referência da cultura black por meio do The Clash. Os punks mostravam fanzines, panfletos e traduziam trechos das letras. Os bares de rock exibiam vídeos – nos bares black não tinha videocassete e o rap ainda era chamado de “funk falado”. Foi num lugar desses, na Rua Augusta, que vi Crash Groove (1984), com LL Cool J, Run DMC e Beastie Boys. Eu chegava sem dinheiro, tomava uma única caipirinha a noite toda, morrendo de vergonha – mas havia essa ligação com o rock. O (jornalista e DJ) Arthur Veríssimo nos convidava para ir ao Cais (casa noturna paulistana) – ele foi o primeiro cara que eu vi tocar Public Enemy.

Na São Bento conheci o pessoal dos Racionais, acho que em 1988. O Thaíde e eu já éramos conhecidos por causa da música “Corpo Fechado” e começamos a ir às rádios. Mas não podíamos tocar a música, nem “Homens da Lei”, por causa da censura. As letras eram consideradas violentas – imagine você se comparassem com as de hoje… O Brasil parece ter ficado parado no tempo durante a ditadura. Foi preciso apenas dez anos para que os Racionais MC’s ganhassem o prêmio do VMB com Diário de um Detento.

DJ Hum é um dos maiores divulgadores da cultura hip hop no Brasil desde sempre. Depoimento a Luciano Marsiglia.

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