Reinvenção da língua e do destino
Mas o esforço vale a pena. Não falemos, por ora, de Grande Sertão: Veredas (1956), talvez o maior romance da língua portuguesa e certamente um dos maiores em todas as línguas.
Eduardo Sterzi
A prosa de ficção brasileira conheceu dois apogeus incontestáveis: as obras de Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908) e João Guimarães Rosa (1908-1967). Machado, com a maleabilidade urbana de sua linguagem, fala, descontado o gênio, como um de nós, seus leitores futuros (na verdade, nós é que tomamos emprestadas suas palavras, suas ironias, suas ambigüidades…). Rosa, por sua vez, parece ter esgotado as fontes da linguagem nas quais bebeu. O modo como ele emprega as palavras, constrói as frases, arma a narrativa, sempre alérgico ao lugar-comum, não é passível de conversão ao linguajar cotidiano. Ler seus contos, suas novelas ou seu único romance pode realmente parecer difícil, porque temos de aprender uma linguagem que não é a nossa, tornarmo-nos poliglotas em nosso próprio idioma.
Mas o esforço vale a pena. Não falemos, por ora, de Grande Sertão: Veredas (1956), talvez o maior romance da língua portuguesa e certamente um dos maiores em todas as línguas. Sagarana (1946), cuja 52ª reimpressão acaba de sair pela Nova Fronteira, já dá a medida da grandeza de Rosa. Pelo menos dois contos merecem estar em qualquer antologia: “O Burrinho Pedrês” e “A Hora e a Vez de Augusto Matraga”. Ambos contam “estórias” de queda e redenção. Rosa é um escritor religioso, o que o torna ainda mais difícil numa época de desencantamento absoluto, mas a transcendência que lhe interessa é a reinvenção humana. E um burrinho, para ele, pode revelar-se mais humano que qualquer um de nós.