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Rita Lee : O futuro me absolve

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h49 - Publicado em 31 out 2004, 22h00

Texto David Hepner

Com sua roupa brilhante, Rita se dirige ao público: “Qual é a verdadeira música brasileira? A rumba?” “Não!!”, urra a platéia. “O bolero?”, tenta novamente. “Não!” Rita Lee faz cara de pensativa: “Será o samba?” E o público, de novo: “Não!!” Prevendo a próxima resposta, ela indaga: “Então, será que é o rock’n’roll?” E o coro que superlota o anhembi vai à loucura: “Sim!” Estamos em dezembro de 1979 e ninguém contesta: rita é a rainha do rock brasileiro

“Eu na corte, faço papel de bobo, aquele que está ali ouvindo e vendo tudo, mas cuja função é fazer rir, é divertir”, despistou ela à revista Veja em julho de 1978, auge da repressão militar, quando muita gente cobrava posições políticas dos artistas pop. Evidentemente, de boba Rita Lee não tinha nada. Ela conquistou a majestade com o Tutti-Frutti, em meados dos anos 70. Depois, manteve o reinado graças ao seu jeito naturalmente brincalhão e seu pop acessível de letras inteligentes, bem-humoradas e descomplicadas. Com sucessos como “Mania de Você”, “Banho de Espuma”, “Lança Perfume”, entre muitos outros, Rita Lee influenciaria decisivamente a geração do rock dos anos 80, que – diferentemente dos hippies e suas calças jeans surradas e “paz e amor” – preferiu cultuar o corpo, curtir uma praia e andar de patins, sem a mínima intenção de salvar o mundo. O verso “Nada melhor do que não fazer nada/ Só pra deitar e rolar com você”, de “Mania de Você”, representava a alegria de viver e o descompromisso dessa nova juventude que surgia sob a música da cantora.

Mas nem tudo foi alto-astral na carreira dessa paulistana ruiva de 1,70 metro de altura, resplandecente sorriso de dentes alvos e grandes olhos azuis que cresceu numa casa da Vila Mariana, bairro de classe média de São Paulo. Elevada ao panteão de divindades roqueiras com os Mutantes, no final dos anos 60, ela foi convidada a se retirar em 1973, em meio ao flerte da banda com o rock progressivo e a posturas cada vez mais herméticas. “De repente, os Mutantes descobriram Deus, aquela coisa religiosa e entraram numas de egotrip em que eu não estava interessada”, contou ela. “Queria mesmo a avacalhação, cantar com muita roupa colorida.” Muitos se perguntavam se ela teria talento suficiente para se segurar sem os irmãos Baptista, considerados instrumentistas de alto calibre e os grandes responsáveis pelo som do grupo.

Não foi um período fácil. A cada dia, o sucesso parecia mais distante. Rita chegou a trabalhar como manequim antes de formar o Tutti-Frutti, em 1973. “Conhecia a Rita desde a infância”, recorda Luiz Carlini, guitarrista e dínamo musical da banda. “Eu tinha uma banda chamada Lisergia e ela pegou o grupo pronto. Éramos todos amigos. O Tutti-Frutti foi a sua primeira banda de rock’n’roll brasileiro de verdade. Os Mutantes faziam uma linha psicodélica, experimental e de alta criatividade, mas não era rock’n’roll.”

Apesar de sucessos radiofônicos ocasionais como a balada “Ovelha Negra”, Rita afirmou que “pagava para cantar”. O pior ainda estava por vir. Em 1976, grávida de três meses do guitarrista e pianista Roberto de Carvalho – que depois se tornaria seu maior parceiro artístico e seu marido até os dias de hoje –, Rita Lee foi condenada a um ano de prisão domiciliar por porte e uso de maconha. A cantora chegou a passar 15 dias na cadeia. Mas o tiro saiu pela culatra. “A meninada não ligou quando fui presa, em minha própria casa, por drogas e até curtiu meu show depois que saí da cadeia, vestida de presidiária. Quando entrei em cena, jogaram muitos baseados no palco”, declarou ela quatro anos depois. O fato é que na época ela recebeu mais cartas de solidariedade do que em qualquer fase anterior de sua carreira.

Mesmo com tantos obstáculos, a fase com o Tutti- Frutti foi muito importante para a carreira da cantora. De 1974 a 1978, ela gravou cinco álbuns com o grupo, sendo pelo menos três (Fruto Proibido, Entradas e Bandeiras e Babilônia) verdadeiros marcos do rock brasileiro. “O Brasil vivia muito a influência do rock progressivo. O Yes era a bola da vez e todo mundo estava atrás daquela viagem”, lembra Carlini. “O Tutti-Frutti estava focado nos Rolling Stones. Era um som mais rock’n’roll e dançante do que o progressivo. Era isso o que a Rita queria: circo.”

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Foi na época que antecedeu Babilônia (lançado em março de 1979) que a banda começou a percorrer o Brasil em turnês para grandes públicos, com verdadeiras superproduções de som, luz e cenografia. “Passamos a tocar em ginásios para 15 mil pessoas. Batemos duas vezes o recorde do Gigantinho, em Porto Alegre, com 16 mil pagantes. Éramos uma banda meio glitter, a coisa mais moderna do momento, e todo mundo se admirava”, diverte-se o guitarrista. A escandalosa e bem-humorada presença de palco de Rita Lee e Tutti-Frutti era ideal para músicas como “Esse Tal de Roque Enrow”, “Miss Brasil 2000”, “Jardins da Babilônia” e, o maior hit até então, “Arrombou a Festa”, de 1977, em que gozava os colegas de MPB.

O que parecia ser o início de tempos melhores escondia a ruína de uma parceria. As brigas tornaram-se freqüentes, especialmente depois que o tecladista Roberto de Carvalho entrou para o grupo, em 1977. “Naquele momento, a coisa começou a andar para um outro lado, musicalmente falando. Eu queria fazer um som difererente, então me separei”, conta Carlini.

Rita ainda seguiria a turnê de Babilônia com outra banda, Cães e Gatos, antes de partir definitivamente para a carreira-solo. “O pessoal não se sentia muito bem tendo uma mulher à frente”, declarou a Veja de 12 de setembro de 1979. O fim dos tempos de barra-pesada ajudou a fortalecer a relação de Rita e Roberto de Carvalho. Juntos, produziriam centenas de canções e tiveram três filhos.

Pop debochado

A parceria musical com Roberto inaugurou a fase de maior êxito comercial de Rita Lee. Em 1979 foi lançado Rita Lee, primeiro disco da cantora ao lado do esposo. O disco veio de encomenda para garotas e garotos cansados do engajamento hippie, que agora tinham uma estrela pop-rock que não levava nada a sério. O sucesso subiu tanto quanto a inflação da época. Com músicas como “Chega Mais”, “Doce Vampiro”, “Papai Me Empresta o Carro” e “Mania de Você”, o disco chegou a vender assombrosas 400 mil cópias. A rainha do rock mantinha-se no trono, mas ficou mais perto do povo por meio de soft rocks e baladas. E, para não perder o costume de tirar um sarro, detonou mais uma vez a música popular brasileira em “Arrombou a Festa II”.

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O sucesso seria ampliado ainda mais com o LP de 1980, também chamado Rita Lee, com nova fornada de hits: “Baila Comigo”, “Lança Perfume”, “Orra Meu” e “Nem Luxo Nem Lixo”. A trilogia de álbuns platinados se encerrou somente em 1981, com Saúde, dos sucessos “Banho de Espuma”, “Atlântida” e “Mutante” (regravada recentemente por Daniela Mercury). Rita e seus fãs pareciam incansáveis.

A capacidade pop juntava numa mesma platéia crianças, jovens e idosos; assim, Rita Lee (já com mais de 30 anos) alcançou de vez o estrelato: espetáculos grandiosos, músicas em novelas, especiais para a TV Globo, incrível vendagem de discos e maciça execução de seus hits em rádios de todo o Brasil. Outras canções marcantes viriam depois, como “Flagra”, “Cor de Rosa Choque” e “Desculpe o Auê” e “On the Rocks”, antes de um sumiço providencial em 1983, sob forte estafa.

Claro que a nova fase encontrou reservas em seu antigo público. “Rita acabou virando um lance muito pop”, reclama Luiz Carlini. “Pô, pra mim ela era a rainha do rock brasileiro!” Mas nem mesmo o roqueiro mais radical pode negar a incrível capacidade da rainha de dizer o que as pessoas queriam escutar, além da eficiente combinação de uma postura de palco forte e uma voz suave. “Às vezes, penso que faço música para mim. Como sou parecida com muita gente, fica mais fácil”, afirmou, modesta.

O final da década de 80 e o início dos anos 90 já não foram tão férteis para Rita Lee. Mesmo assim, ela alternou projetos relevantes e sucessos, sempre com alto grau de dignidade. Seja como for, entre o experimentalismo dos Mutantes e o pop acessível de “Mania de Você” (com Sérgio Dias, aliás, ao violão), passando pelo rock’n’roll certeiro da era Tutti-Frutti –, Rita nunca deixou de lado suas principais características: o deboche e a simpatia. “Sou mesmo uma debochada. Acho que essa é uma característica do brasileiro e eu sou bem assim. Acho sadio, sabe? Em ‘Arrombou a Festa’ todos levaram muito a sério o verso ‘esse sério me parece brincadeira’. Pode?”

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1978

JANEIRO

• Luta contra a ditadura: começa o movimento pela formação do Comitê Brasileiro de Anistia (CBA) e a divulgação do slogan “Anistia ampla, geral e irrestrita”.

• O vocalista John Lydon deixa o Sex Pistols ao final de sua primeira turnê pelos Estados Unidos.

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JUNHO

• Última apresentação dos Mutantes, em Ribeirão Preto, interior de São Paulo.

JULHO

• Após três anos silenciado pelo governo, o partido MDB, de oposição, fala na TV.

SETEMBRO

• Liberado no Brasil o filme Laranja Mecânica, mas com cenas de nudez censuradas.

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• Começa o primeiro Festival Internacional de Jazz de São Paulo, com atrações nacionais e estrangeiras.

• Morre o baterista do The Who, Keith Moon.

OUTUBRO

• Revogação do AI-5 e de outros atos institucionais.

1979

JANEIRO

• Sai o primeiro número da revista musical Somtrês.

FEVEREIRO

• Morre de overdose o baixista do Sex Pistols, Sid Vicious, aos 21 anos.

MARÇO

• Posse do último presidente brasileiro militar, João Baptista Figueiredo.

ABRIL

• O aiatolá Khomeini proclama a República Islâmica do Irã.

JULHO

• Sai Rita Lee, disco da cantora com “Mania de Você”.

AGOSTO

• Estréia nos Estados Unidos o filme Apocalypse Now.

• Depois de dois anos afastado dos palcos, o Led Zeppelin se apresenta no festival inglês de Knebworth, com enorme sucesso. Seria a última apresentação da banda no país.

• O presidente Figueiredo sanciona a Lei da Anistia.

SETEMBRO

• O grupo irlandês U2 lança seu primeiro single, U2-3, com três faixas.

1980

MARÇO

• O presidente Jimmy Carter anuncia o boicote dos Estados Unidos aos Jogos Olímpicos de Moscou.

ABRIL

• Morre o cineasta Alfred Hitchcock.

MAIO

• O vocalista do Joy Division, Ian Curtis, se mata.

• A TV Tupi encerra suas transmissões.

SETEMBRO

• Tem início a guerra Irã-Iraque.

• Morre John Bonham, baterista do Led Zeppelin, de overdose alcoólica. A banda anuncia seu fim.

NOVEMBRO

• O ator Ronald Reagan é eleito presidente dos Estados Unidos.

DEZEMBRO

• O ex-beatle John Lennon é assassinado por um fã, na porta de sua casa, em Nova York.

1981

JANEIRO

• Os remanescentes do Joy Division lançam o single Ceremony sob o nome de New Order.

FEVEREIRO

• Sai Singin’ Alone, segundo disco-solo de Arnaldo Baptista e primeiro lançamento do selo Baratos Afins.

MARÇO

• O Queen se apresenta em São Paulo.

MAIO

• Bob Marley morre de câncer, aos 36 anos.

• O Papa João Paulo II é baleado em Roma.

JUNHO

• A publicação médica Morbidity & Mortality fala sobre uma doença que depois seria conhecida como Aids.

• Steven Spielberg lança o filme Os Caçadores da Arca Perdida.

JULHO

• O grupo Gang 90 & as Absurdettes toca “Perdidos na Selva” no festival MPB-Shell.

• Lançamento da MTV, na América do Norte.

DEZEMBRO

• O videogame Pac-Man é lançado nos Estados Unidos.

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