Cíntia Cristina da Silva
“Estrangeiro, robusto, procura trabalho, mesmo que muito pesado e sujo, mesmo que paguem pouco.” O anúncio, de 1983, era a senha para um clássico do jornalismo investigativo, dos primeiros a alertar para uma bomba ainda não desativada na Europa: o fosso que separa europeus da massa crescente de imigrantes vindos do leste e da África.
Para escrever sobre a vida dos imigrantes turcos na Alemanha Ocidental, Günter Wallraff se tornou turco. Adotou peruca e lentes de contato pretas e passou a ignorar regras da gramática alemã.
Como Ali, sua nova identidade, recebeu soldos miseráveis. Dois anos depois lançou Cabeça de Turco. Lá está a descrição dos piores trabalhos, alojamentos inóspitos, patrões que se dirigiam aos turcos sempre com insultos. E uma lista de “aforismos” do tipo: “Seja um bom alemão: mate um turco no porão!”
• “Continuo sem saber como um imigrante engole as humilhações e o ódio cotidianos. Sei o que eles têm de suportar e até onde pode chegar o desprezo humano neste país”, escreveu Wallraff.
• Quando consegue um lugar à mesa do bar, Ali é chamado de carroceiro pelos freqüentadores. A garçonete o ignora. Levanta para ir o balcão e ouve: “Dê o fora daqui”.
• Ali trabalhou em sítios, no McDonald’s, na metalúrgica Thyssen e na construção civil. Com a saúde debilitada, recorreu àquilo que muitos imigrantes faziam para ganhar dinheiro quando já não podiam trabalhar: foi testar medicamentos como cobaia humana.
• Cabeça de Turco foi um sucesso provocativo para a Europa. Na França, jornalistas se disfarçaram para denunciar o racismo contra árabes. Na Dinamarca, o Parlamento criou uma comissão para investigar as condições de trabalho dos estrangeiros.
Cabeça de Turco
Günter Wallraff
Globo, 259 páginas, R$ 35