Oito minutos de aflição, pena, surpresa, alívio, revolta. Esse é o melhor jeito de resumir o vídeo que viralizou em 2015 ao mostrar uma equipe de biólogos retirando algo da narina de uma tartaruga, que sangra e guincha de dor. No início da gravação, feita pela bióloga marinha Christine Figgener, na Costa Rica, a cientista e seus colegas suspeitam que há um parasita instalado ali. Mas logo identificam que a causa do sofrimento do bicho é, na verdade, um canudinho de plástico inteiro.
O vídeo, hoje com 35 milhões de visualizações no YouTube, tornou o canudo, de repente, o inimigo número 1, exemplo máximo do uso excessivo e desnecessário de plástico que permeia o nosso dia a dia. Morte aos canudinhos, declararam ONGs e ecologistas. Influenciadores digitais fizeram coro e tornaram cool você ter seu próprio canudo – só que de metal, vidro ou bambu.
Em algumas metrópoles, a administração pública entrou na onda. Seattle, nos Estados Unidos, baniu os canudos em julho de 2018; no mesmo mês, o Rio de Janeiro se tornou a primeira cidade brasileira a proibi-los. Na Europa, o Parlamento Europeu aprovou, em março deste ano, uma lei que barra não só canudos, mas também cotonetes, copos, pratos e talheres de plástico em todos os países da União Europeia. A medida começa a valer em 2021.
Empresas grandes seguiram o hit: a rede Starbucks anunciou que, até 2020, vai parar de oferecer canudos em suas mais de 28 mil lojas ao redor do mundo – plano que pode reduzir em 1 bilhão o número de canudos consumidos ao longo de um ano. As tampas atuais serão substituídas por um tipo que tem uma abertura para encaixar a boca – também feito de plástico.
A intenção do movimento, claro, é nobre – e a preocupação com a poluição de plásticos vem em boa hora. Nada menos do que 8 milhões de toneladas de resíduos plásticos são despejados nos oceanos por ano, segundo um relatório do grupo Ocean Conservancy, feito em parceria com a consultoria McKinsey. O documento estima que, desde 1950, quando o plástico passou a ser produzido e usado em larga escala, os grandes mares do planeta acumularam 150 milhões de toneladas do material. Estudos preveem que, no ritmo atual de produção e descarte, em 2050 haverá mais plástico (em toneladas) do que peixes no mar.
O problema é que o canudo representa pouco – muito pouco – nesse panorama. Pode até parecer que não: ele é o sétimo tipo de lixo mais encontrado nas praias do mundo, ranking do qual as bitucas de cigarro são as campeãs (saiba mais abaixo). Mas isso em número de unidades coletadas, não em toneladas de plástico lançadas no oceano.
Quando falamos no volume total de lixo plástico gerado no mundo, os canudos representam uma porção minúscula. A maior parte do plástico produzido (e descartado), em volume, vem de embalagens, muitas delas de comida. Cientistas ligados à CSIRO, agência de pesquisa australiana, calcularam que o número de canudinhos espalhados pelas áreas costeiras do planeta chega a 8,3 bilhões. Parece uma quantidade enorme. Só que um canudo de plástico pesa, em média, 0,42 grama.
Ou seja: mesmo que todos esses bilhões de canudos fossem lançados ao mar, eles representariam apenas 0,043% das 8 milhões de toneladas despejadas anualmente no oceano.
Os canudos tampouco estão entre as maiores ameaças aos animais marinhos – pelo menos é o que indica a ciência. Os mesmos pesquisadores da CSIRO publicaram, em 2016, um estudo que investigou o impacto do lixo do mar na saúde e na segurança dos bichos que vivem ali. Foram recrutados 247 especialistas, que atuam em áreas como conservação ambiental, biologia marinha e poluição das águas. Eles avaliaram o risco de tartarugas, pássaros e mamíferos marinhos se enroscarem, ingerirem ou se contaminarem com os itens de plástico mais encontrados nas praias mundo afora – entre eles, o canudo.
Os voluntários concordaram que o emaranhamento é, de longe, a situação mais perigosa para os bichos – mas os canudos estavam entre as ameaças de menor risco nesse aspecto. O maior perigo estava concentrado nas redes e linhas de pesca jogadas no mar.
Até aqui, porém, estamos falando só dos danos diretos que o plástico pode oferecer – antes de se decompor. Quando ele começa a se desfazer, o problema passa a ser outro.