Texto: Bruno Garattoni e Tiago Cordeiro | Ilustração: Felipe Del Rio | Design: Carlos Eduardo Hara
Texto originalmente publicado pela Super em setembro de 2020
Se você entrar na floresta de Bardufoss, na Noruega, encontrará algo bem estranho: uma rede de 960 canos finos e rentes ao chão, que correm por entre as árvores numa área de 1,5 km2 e parecem grandes teias de aranha. Eles formam uma rede de medição infrassônica, que detecta sons de frequência inferior a 20 hertz – inaudíveis ao ouvido humano. No dia 8 de agosto de 2019, às 9h da manhã no horário local, o sistema registrou uma onda de choque atípica. Exatamente ao mesmo tempo, a estação meteorológica de Severodinsk, na Rússia, detectou níveis de radioatividade 16 vezes acima do normal.
Os dois eventos, como viria a ser revelado depois, tinham a mesma causa: a explosão de um míssil 9M730 Burevestnik, que os russos estavam testando numa base militar em Nyonoska, no noroeste do país. Cinco pessoas morreram, três ficaram feridas e a população da cidade correu para comprar iodo (que, tomado de forma preventiva, evita o envenenamento radioativo da tireoide). É que o Burevestnik não era um míssil qualquer. Além de carregar ogivas nucleares, ele possui o próprio reator nuclear, que gera energia para mantê-lo no ar.
Os níveis de radiação voltaram ao normal em algumas horas (o reator do míssil é pequeno, com muito menos combustível nuclear do que uma usina), mas o cenário geopolítico não. O mundo constatou que os russos estavam testando um novo tipo de arma: capaz de ficar no ar por anos, driblar todos os sistemas antimísseis – e atacar de surpresa qualquer ponto do planeta.
No dia 25 de março deste ano de 2020, os militares americanos fizeram uma manobra profunda. Literalmente: anunciaram que os oficiais da Norad e da Northcom, as divisões que controlam seu arsenal nuclear, iriam se mudar para o Cheyenne Mountain Complex: o maior bunker militar do mundo, escavado sob 610 metros de rocha dentro da montanha Cheyenne, no Colorado.
Ele foi construído nos anos 1960, é formado por 15 prédios subterrâneos de três andares, com capacidade para abrigar 2 mil pessoas por até dois anos, e foi projetado para suportar uma explosão nuclear de até 30 megatons (2 mil vezes a potência da bomba de Hiroshima). Foi sendo desocupado após o fim da Guerra Fria e estava praticamente abandonado, com 70% de capacidade ociosa.
Não mais. Os americanos também anunciaram que, pela primeira vez desde os anos 1980, vão desenvolver uma nova ogiva: a W93. Praticamente todos os detalhes a respeito são confidenciais – exceto que ela fará parte de um programa de US$ 1 trilhão para renovar o arsenal nuclear dos EUA.
Em maio, um grupo de cem países assinou uma resolução, na OMS, propondo “uma avaliação imparcial, independente e completa” da resposta inicial à Covid-19. A China entendeu isso como um ataque – e, logo em seguida, sofreu outro. A Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte, aliança militar capitaneada pelos EUA, que reúne a maioria dos países europeus) acusou a China de praticar “bullying e coerção” contra outros países, e afirmou que seus membros deveriam adotar “uma abordagem global mais ampla”.
Duas ameaças meio veladas – às quais os chineses responderam de forma direta e brutal. Seu presidente, Xi Jinping, afirmou que o país iria aumentar sua prontidão militar. E um editorial do Global Times, o jornal do Partido Comunista Chinês, detalhou a principal medida: triplicar o arsenal nuclear do país, alcançando mil ogivas, “num prazo relativamente curto”.
A tensão entre as superpotências é a maior em décadas. Mas como chegamos a esse ponto? E o que vai acontecer daqui para a frente? Para entender, é preciso voltar a uma época em que a pandemia era só coisa de ficção científica: o dia 1o de março de 2018.