Tronco, estigma, vagem: temperos e especiarias são irreconhecíveis na natureza. Conheça a cara desses ingredientes antes de chegarem à sua despensa.
Texto: Ana Carolina Leonardi | Design: Yasmin Ayumi e Andy Faria
Açafrão
Crocus sativus
E
le é o tempero mais caro do mundo – mas, na natureza, provavelmente passaria batido por você. O açafrão vem dos fios vermelhos no centro da flor Crocus sativus. Os fiapinhos têm que ser retirados manualmente – e cada flor só produz três deles na vida. São chamados oficialmente de estigmas e fazem parte do sistema reprodutivo da planta.
Para produzir só 1 quilo de açafrão, é preciso juntar 105 mil estigmas. Em contato com a água, o açafrão vermelho produz uma coloração dourada. Mas a parte amarela da flor não é benquista: não tem gosto de nada. O açafrão de mais alta qualidade é composto só das partes vermelhas. Açafrão em pó, aliás, costuma ser adulterado com cúrcuma e páprica, produtos infinitamente mais baratos. Consumido desidratado, em pó e líquido. Nativo da Ásia Central – Principal exportador: Irã
Canela
Cinnamomum verum
V
ocê come tronco com seu arroz-doce. Na prática, é isso que a canela é: uma camada extremamente aromática de tronco de árvore. Removê-la deixa a planta com o aspecto “pelado” que você vê à direita. Mas não basta raspar a camada exterior do tronco e levá-lo para a cozinha. É preciso despir primeiro a casca da árvore, e depois cavucar um pouco mais para retirar a camada secundária. Ela então é cortada em lascas, que quando secam ao sol se curvam naturalmente para formar os paus de canela que você coloca no chá. Árvores de canela com 2 anos costumam ser cortadas, porque o toco se regenera em um ou mais brotos novos. Esse sistema permite “colher” canela duas vezes por ano. Consumida em pó e em pau. Nativa do Sri lanka (verum) e da china (cassia).
Noz-moscada
Myristica fragrans
uando nasce, a fruta da noz-moscada mais parece uma estranha goiaba. Sua semente escura é revestida por uma membrana muito colorida, chamada de macis. O fruto que nasce na árvore de moscadeira, aliás, não precisa ser cortado: abre-se na metade assim que fica maduro, deixando o interior visível. A semente e o macis, daí, são colocados para secar no sol, até se separarem naturalmente. O macis também é usado na culinária – seco, ele perde a cor e fica castanho-claro. Mas, para chegar à noz-moscada, ainda é preciso quebrar a dura casca da semente, com cuidado para não esmagar a amêndoa interna que vai ser usada como especiaria. A secagem faz toda a diferença: é só quando a noz interna desidrata que ela encolhe e se descola da casca – além de ficar com a aparência enrugada pela qual é famosa. Na Índia, a fruta ainda é usada para fazer suco. Consumida desidratada e em pó. Nativa da Indonésia – Principal exportador: Índia.
Cúrcuma
Curcuma longa
Cúrcuma parece gengibre – porque as espécies são primas. A cúrcuma (ou açafrão-da-terra) é uma raiz que só se desenvolve no calor, entre 20oC e 30oC – e, apesar de ter surgido na região do sul da Ásia (ninguém sabe exatamente onde), ela se deu muito bem no Caribe… e no Brasil. A maior produção mundial de cúrcuma fica na Índia – país que consome boa parte da especiaria que cultiva. A raiz da cúrcuma, cozida ou crua, quando ralada produz um pó amarelo alaranjado, que serve tanto como tempero quanto como corante. No Ocidente, a cúrcuma é peça central de fake news de saúde bastante populares: ela tem fama de “bactericida natural”, mas isso é balela – cúrcuma não é absorvida pelo organismo. O tempero que você come é inteirinho ejetado pelo seu sistema digestivo, sem que o tal componente antibactéria chegue à corrente sanguínea, que é o lugar onde ela poderia, quem sabe, ter o tal efeito. Consumida desidratada, em pó e fresca. Nativa do Sul da Ásia – Principal exportador: Índia.
Cravo
Syzygium aromaticum
árvore que produz o cravo-da-índia (ele, na verdade, surgiu na Indonésia) pode chegar a 15 m de altura e é capaz de viver por séculos. Mas é no momento em que a ávore vai se reproduzir que o cravo aparece: ele é o botão da flor de craveiro, que é avermelhada e extremamente colorida. Para virar especiaria, porém, o cravo precisa ser colhido antes que ela possa desabrochar. Um dia de colheita manual pode render até 40 kg de cravo rosado (e esses 40 kg viram 6,5 kg de cravo seco).
A Indonésia é a maior produtora de cravo do mundo – produz oito vezes mais que o segundo colocado, Madagascar. O país asiático também consome 90% do cravo que produz – a maior parte é usada em cigarros aromatizados com a especiaria. Consumida em pó e seca. Nativa da Indonésia – Principal produtor: Indonésia.
Gergelim
Sesamum indicum
Ogergelim é a semente que a humanidade cultiva há mais tempo para a produção de óleo. A maior parte das espécies do gênero Sesamum surgiu na África Subsaariana, mas a que foi domesticada e se espalhou pelas zonas tropicais do mundo todo nasceu na Índia.
Antes de chegar ao topo do seu hambúrguer, o gergelim se desenvolve dentro de pequenas “vagens”, que abrigam mais de 50 sementes cada uma. Essas cápsulas protetoras se abrem assim que as sementes amadurecem (abre-te, Sésamo). Elas são retiradas e precisam secar – mas não adianta colocar o gergelim no sol, nem em máquinas desecagem por ventilação: ele é leve demais e sai voando. A solução é armazenar as sementes em ambientes com umidade abaixo de 6%. Consumido seco, torrado, em óleo e pasta. Nativa da África/Índia – Principal produtor: Tanzânia.
Pimenta-do-reino
Piper nigrum
Uma mesma planta dá origem a três diferentes tipos de tempero: a pimenta-do-reino preta, a branca e a verde. A branca é produzida depois que o fruto na foto acima amadurece. Ele, então, é desidratado e descascado. Já a pimenta-preta é colhida antes de amadurecer, cozida e só então desidratada. Por último, a pimenta-verde também é colhida…verde. Ela pode ser tanto desidratada quanto conservada em água com sal – nesse caso, sua aparência fica parecida com a da alcaparra.
A pimenta-rosa é a única que vem de uma planta totalmente diferentedas demais. É o fruto de uma árvore nativa da América do Sul e muito comum no Brasil, a Schinus terebinthifolia, conhecida como aroeira mansa – que é da família do caju. Consumida seca crua e seca cozida. Nativa da Índia – Principal produtor: Vietnã.
Mostarda
Sinapis alba
Amostarda amarela – também chamada de branca, por isso o alba no nome da espécie – é feita a partir das sementes da planta ao lado. Os filetes que você vê saindo do caule amadurecem e formam vagens compridas, que abrigam as sementes redondas e amareladas. Tradicionalmente, essas sementes secam, são raladas (para formar a mostarda em pó, às vezes chamada de farinha de mostarda) e misturadas a algum tipo de líquido para formar o condimento em pasta que você come no cachorro-quente. Esse preparo não é invenção moderna: o próprio nome “mostarda” vem da mistura da semente moída com o mosto de uva – uma espécie de suco integral, com casca, semente e tudo. Fermentado, ele vira vinho. Mas era misturado fresco no pó da Sinapis para criar a mostarda original, consumida assim pelos romanos antigos. Hoje, água, vinagre, suco de limão e até cerveja podem substituir a uva. Em média, mil sementes rendem 250 g de mostarda pronta. Consumida seca, torrada, em pasta e em pó. Nativa do Mediterrâneo – Principais produtores: Nepal e Canadá.
Cardamomo
Elettaria cardamomum
Outra planta da ásia que fez sucesso no calor da América Latina, a Elettaria também vem da família do gengibre. É uma planta baixinha, sem tronco, com flores de um lilás pálido. O cardamomo, como o gergelim, é feito das sementes secas dessa planta. Elas se desenvolvem dentro de pequenas vagens, contendo entre 15 e 20 carocinhos cada uma. Essas cápsulas são colhidas antes que as sementes amadureçam completamente. As vagens são lavadas e colocadas para secar, inteiras.
Podem ser vendidas e consumidas assim mesmo: a vagem ajuda a dar o gosto do cardamomo sem que as sementes se espalhem na receita – a textura delas não é muito agradável. Sem a vagem, os carocinhos são usados secos, tostados ou em pó. Nativa do Sri Lanka/Índia – Principal produtor: Guatemala.