A mente insaciável do intelectual que não ligava de ser rei – mas quis que o Brasil fosse uma potência científica.
Texto: Bruno Vaiano | Design: Juliana Krauss | Edição: Alexandre Versignassi | Ilustração: Lasca Studio
Em 1784, o camponês Bernardino da Mota Botelho corria atrás de uma vaca fugida às margens do riacho do Bendegó, na zona rural do município de Monte Santo, no sertão da Bahia. Lá, encontrou um pedaço de ferro maciço de 1,5 m de largura e 0,7 m de altura; só um pouco menor que a vaca. Estava apoiado em 22 cm de ferrugem. O rapaz não sabia, mas a coisa de 5.300 kg tinha caído do céu. Era um meteorito – na época, o segundo maior do mundo (hoje, é o 16º, e o maior é um de 60 toneladas, na Namíbia).
O governador baiano, Rodrigo José de Menezes, achou que era história de pescador – não havia registro de uma única jazida de ferro naquela região –, e ordenou a extração imediata do tal “aborto da natureza” para examiná-lo e remeter o minério a Portugal. Faltou combinar com o aborto: puxado por uma dúzia de bois, o meteorito subiu só 180 metros antes de rolar de volta para o leito do riacho. Lá ficou. E põe ficou nisso. O meteorito do Bendegó só voltaria aos holofotes em 1810, pelas mãos de um químico inglês, Aristides Franklin Mornay. Ele era uma das únicas pessoas no Brasil colonial que sabiam que meteoritos existiam (e que eles de fato caíam do céu). Graças a Mornay, a notícia correu.
O Bendegó já era razoavelmente famoso na Europa em 1887, quando D. Pedro II visitou a Academia Francesa de Ciências, do qual foi membro, e alguém lhe perguntou: “E o tal meteorito? Quando vocês vão tirar de lá?”
Um obelisco com o nome de Pedro II foi instalado em Monte Santo. Ele foi destruído pelos sertanejos após uma seca – que eles consideraram punição dos céus pelo imperador ter retirado o meteorito de lá.
O imperador, que foi o primeiro astrônomo do Brasil (ele até descobriu uma estrela em seu observatório particular), ordenou a remoção imediata do Bendegó – o que exigiu a construção de um carrinho off road, capaz de rodar tanto em solo quanto em trilhos. Ele foi arrastado por 119 quilômetros e 126 dias até a ferrovia mais próxima, e então rebocado de trem ao porto de Salvador, onde embarcou no vapor Arlindo para o Rio de Janeiro.
Foi assim que Bendegó foi parar na recepção do Museu Nacional. Mas ele não foi a única contribuição de Pedro II à instituição. Na verdade, o Paço de São Cristóvão – prédio em que ficava o museu até o incêndio em setembro de 2018 destruir 92,5% do acervo de 20 milhões de itens – foi a casa e o gabinete de Pedro II até a Proclamação da República, em 1889.
Durante os 49 anos de reinado, o museu, fundado em 1818, naturalmente operou em outro prédio. A transferência só aconteceu depois que Pedro II morreu, por uma questão prática: o imperador doou ao museu toda sua coleção de ciências naturais, que continha minerais, plantas, aves empalhadas, insetos, peles, crânios… (também houve doações para o IHGB e a Biblioteca Nacional). Era tanta coisa que o diretor Ladislau Neto achou mais fácil mudar o museu para a casa dele do que a casa dele para o museu.
Em 1890, o jornal O Paíz publicou um inventário: “Relíquias de Herculano e Pompeia (as cidades que o Vesúvio soterrou). Estatuetas, hermas, caçarolas ou panelas, vasos, trabalhos de cerâmica, de ferro e de bronze. Armas modernas e antigas da Ásia e da África, iatagãs [isto é, facões] recurvados dos ferozes guerreiros sírios e árabes, espadas e punhais de aço legítimo de Damasco, escudos e elmos. A antropologia indígena tem objetos de estudo nas múmias e nas igaçabas [potes de cerâmica], nos corpos e nas cabeças mumificadas ou pelo tempo ou pela arte”.
Seu lado acumulador foi só uma parte do pacote nerd. Pedro II era desengonçado, tinha voz e pernas finas (as panturrilhas eram engrossadas nos retratos). Evitava os jantares da corte; debochava sem dó dos bailes e recepções diplomáticas. Foi um burguês vitoriano entusiasmado com os gadgets de sua época, e que se sentia estranho no papel de monarca. Em 1862, escreveu: “Nasci para consagrar-me às letras e às ciências, e, a ocupar posição política, preferiria a de presidente da República à de imperador”.
Visitei o arquivo do Museu Imperial em Petrópolis, no Rio de Janeiro, e, com uma ajudinha da historiadora Alessandra Fraguas, vi a correspondência, os diários e os bilhetes do imperador e de sua família – um acervo de dezenas de armários com0 os quais Alessandra trabalhou entre 2008 e 2015. Hoje, ela dá os toques finais em seu mestrado, em que defende que Pedro II foi um autêntico cientista, crítico literário e intelectual – e não só um entusiasta que saía nos retratos segurando um livro para cultivar sua imagem. Conheça os melhores momentos do imperador nerd.
Numa época em que mulheres eram criadas para ser donas de casa, Pedro II fez questão de educar Leopoldina e Isabel, suas filhas. Ele mesmo se encarregava de dar aulas de química e de corrigir a lição de casa das meninas.