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Sociedade

GOATs: os maiores esportistas da história

Como um seleto grupo de atletas alcançou níveis quase impossíveis de superar – e levou à criação de um novo termo.

por Guilherme Eler Atualizado em 30 dez 2020, 15h28 - Publicado em
12 set 2020
15h36

“Eu surpreendi o mundo. Eu devo ser o maior de todos”, repetia Muhammad Ali, então com 22 anos, ao final da luta que o sagrou campeão mundial dos pesos-pesados em 1964. “Derrotei Sonny Liston e não tenho um arranhão sequer no rosto. Sou a melhor coisa que já existiu.” Antes do duelo, Liston havia subido ao ringue 39 vezes, e perdido uma única luta. As casas de apostas davam como certa a vitória do veterano, e prometiam multiplicar por sete o dinheiro de quem ousasse apostar contra a lógica. Mas Ali tinha uma carta na manga: a autoconfiança extrema, quase delirante, que exalava por todos os poros do corpo. “Voe como uma borboleta, ferroe como uma abelha. Suas mãos não podem atingir o que os seus olhos não podem ver”, disse à imprensa antes da luta. Por seis assaltos, Ali lutou como nunca se vira antes: ele parecia dançar no ar, evitando os golpes do adversário sem sequer levantar a própria guarda. Era impossível de atingir. Ao final do sexto assalto, Liston jogou a toalha: desistiu do embate, alegando dores no ombro.

Ali era o maior porque tinha certeza de que era mesmo. E vivia repetindo isso, para quem quer que fosse. Rápido nos movimentos e dono de uma condição física invejável, o pugilista arrematou um ouro nos Jogos Olímpicos de 1960 e conseguiu o cinturão dos pesados por três vezes – feito jamais repetido por outro boxeador. Suas lutas mais acirradas, porém, aconteceram fora do ringue.

Ali era bom com as luvas, mas era ainda melhor em provocar. Nascido Cassius Clay, enfrentou ódio ferrenho ao se converter ao islamismo e virar Muhammad. Não bastasse, peitou também o governo: a recusa em servir o Exército americano na Guerra do Vietnã, em 1964, o afastou das lutas por quase quatro anos. Além de muçulmano e desertor, era, também, negro. Tudo isso fez com que suas bravatas incomodassem ainda mais. Com tons de humor e exagero, Ali aparecia na TV discursando de forma aparentemente improvisada. Mas suas frases eram calculadas para repercutir na imprensa e chamar a atenção do público. Não é à toa que GOAT, expressão da moda na internet e acrônimo em inglês para greatest of all time, se confunda com o legado do lutador. “G.O.A.T. Inc” foi o nome escolhido por sua esposa, Lonnie Ali, para batizar a empresa que cuidava da propriedade intelectual da lenda do boxe, fundada em 1992 – e vendida por US$ 50 milhões em 2006. O termo, popularizado por Ali, pegou, e virou até verbete do dicionário Merriam-Webster em 2018. Hoje serve para coroar um pequeno grupo de atletas fora de série, lendas vivas do esporte – como as que veremos a seguir.

Pelé: o viajante no tempo

O GOAT que é GOAT costuma demonstrar brilho prematuro, colecionando conquistas de gente grande enquanto ainda dá seus primeiros passos como profissional. Foi assim com Ali, e também com Pelé: aos 17 anos, o camisa 10 foi peça-chave na primeira Copa do Mundo vencida pelo Brasil, em 1958. Em 1962, quando se tornou bicampeão mundial, já tinha no currículo dois títulos brasileiros e uma Libertadores – foram duas jogando pelo Santos, além de seis campeonatos nacionais.

Por falar em números, a marca de 1.282 gols na carreira não é, nem de longe, alcançável por qualquer outro atleta. É dela, porém, que partem as principais críticas que tentam depreciar o legado do rei do futebol. Pelé contabiliza gols em jogos comemorativos e os que fez jogando pela seleção do Exército. Ok. Ainda que se retirem da conta os jogos contestados, foram 767 bolas na rede em 831 jogos – média de 0,92 por partida. Dos jogadores ainda na ativa, Cristiano Ronaldo é o que mais se aproxima da marca, com 755 – mas, para isso, precisou entrar em campo 1.050 vezes (média de 0,71 gol por jogo). “Pelé só jogava contra o XV de Piracicaba e estufava as redes do Juventus da Mooca”, poderia afirmar outro crítico. Basta, então, olhar para seus gols pelo Santos em jogos contra clubes do exterior: 361 tentos em 353 partidas. Uma média surrealista de 1,02 gol por jogo.

Mas, para ser um GOAT, os números nem sempre bastam. E Pelé vai além deles: foi o primeiro jogador realmente completo – ou seja, excelente em tudo. Apesar de não ser especialista em bola parada, ele é o segundo a marcar mais gols de falta na história, com 70. Tinha apenas 1,73 m, mas cabeceava bem. Chegou até a jogar quatro vezes como goleiro do Santos (e não foi vazado!).

Pelé seria Pelé hoje? Vejamos. Atletas como Messi e Cristiano Ronaldo são máquinas de futebol – mais velozes e habilidosos que qualquer jogador da época de Pelé. Se um dos dois voltasse no tempo, talvez repetisse atuações dignas do rei, dado que os adversários eram mais fracos. Só tem uma diferença: não existe máquina do tempo. Pelé esteve lá, e fez o que um Messi ou um Cristiano de hoje fariam se fossem transportados para os anos 1960. Logo, Pelé hoje talvez fosse um jogador como eles. Só que ele jogou há mais de meio século. É algo que desafia as leis da natureza. “Pelé foi o único jogador a desafiar as barreiras da lógica”, disse o holandês Johan Cruyff, um dos maiores do futebol – “um dos” porque, os argentinos que nos perdoem, o cabra mesmo da bola é um só.

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Michael Jordan: a marca global

✭ Pelé (1940 – ) Um atleta moderno no tempo da bola marrom. ✭ Michael Jordan (1963 – ) Estrela maior da NBA. E da Nike.
✭ Pelé (1940 – ) Um atleta moderno no tempo da bola marrom. ✭ Michael Jordan (1963 – ) Estrela maior da NBA. E da Nike. (Estevan Silveira/Superinteressante)

“Finalmente as gerações atuais vão conhecer o Jordan que eu conheci”, escreveu Jackie MacMullan, jornalista da ESPN que acompanhou de perto o Chicago Bulls da década de 1990, ao comentar o lançamento de The Last Dance (2020). A série da Netflix detalha a jornada épica dos seis títulos do camisa 23 em Chicago. Mas vai bem além disso. Serviu também para recuperar a importância cultural de Jordan. E para dar um recado a quem ouse questionar seu status de GOAT – um debate quente como nunca graças à crescente de LeBron James, que em 2019 o ultrapassou em pontos.

Mas, se Jordan está no Olimpo do basquete, não é exclusivamente por acumular estatísticas. O camisa 23 está longe de ser, por exemplo, o mais vencedor. Com seis títulos em seis finais, ele ainda fica bem atrás de Bill Russell, do Boston Celtics, com 11. Jordan foi eleito MVP (melhor jogador) da temporada por cinco vezes, contra seis de Kareem Abdul-Jabbar. Também é “apenas” o quinto maior cestinha da história do basquete americano. As estatísticas em que Jordan está na liderança, no entanto, contribuem para sua aura de herói. MJ é o primeiro da história em pontos por jogo, ostentando uma média incrível: ter o camisa 23 em quadra garantia pelo menos 30,1 pontos por partida. Não à toa, Jordan liderou a pontuação da NBA em 10 das 15 temporadas que disputou.

O fato é que, além do talento incomum e do status de super-herói, Jordan contou com um aliado que outros jogadores talentosos antes dele não chegaram a ter: a mídia. Seu apogeu coincidiu com a expansão da TV a cabo, com canais esportivos 24h que aumentaram drasticamente a exposição dos jogadores. Era preciso preencher todo aquele espaço de programação com alguma coisa – e o que seria melhor do que o melhor jogador de basquete de todos os tempos? Graças a essa hiperexposição, Jordan foi o primeiro atleta a se transformar numa marca, com alcance mundial e cifras bilionárias. Com o modelo Air Jordan 1, usado na temporada de 1984 e vendido pela Nike a partir da temporada seguinte, inaugurou todo um mercado de tênis de basquete. Sua linha segue sendo até hoje uma das mais rentáveis da indústria – mesmo 16 anos após ele ter se aposentado. Modelos de tênis com a assinatura de Jordan renderam à Nike US$ 3,1 bilhões em 2019 – 10% mais do que em 2018.

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Serena Williams: a destruidora da adversárias

No tênis, esporte em que números e conquistas individuais falam mais alto, quem tem mais Grand Slams – torneio mais importante do circuito mundial – é o nome a ser batido. A competição pelo status de GOAT, por isso, nunca foi tão acirrada. Tanto Roger Federer (39 anos) como Novak Djokovic (33 anos) podem acabar com o título no futuro – ainda que Federer ainda esteja à frente, e responda neste momento como o maior da história. Djokovic, com 17 Grand Slams e mais alguns anos de auge, é o único que aparenta ter chances reais de superar os 20 do suíço. Isso no tênis masculino, é claro.

Entre as mulheres, porém, a resposta é mais simples. Serena Williams reina há duas décadas. É a GOAT inconteste das quadras – e não há quem a ameace hoje no posto. Ela acumula 23 títulos individuais de Grand Slams. Quem vem em segundo lugar no ranking histórico é outra lenda, a alemã Steffi Graf, com 22. E ela se aposentou em 1999.

Campeãs 18 vezes, a tcheca Martina Navratilova e a americana Chris Evert – figuras históricas do tênis nos anos 1980 e 1970 – empatam em terceiro. A jogadora ainda em atividade mais próxima da marca de Serena é justamente sua irmã, Venus Williams, com 7.

Além de ostentar um número inalcançável de títulos, Serena divide com Graf o maior período ininterrupto no topo do ranking da WTA (Associação de Tênis Feminino): 186 semanas. Ela é, também, a única atleta da história a ter conquistado um “Golden Slam” tanto no individual como em duplas.  É algo como a “tríplice coroa” do futebol: em 2012, Serena arrematou todos os quatro Grand Slams – jogando sozinha ou com sua irmã, Vênus – e, de quebra, levou dois ouros nos Jogos Olímpicos de Londres.

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Em julho de 2015, a americana acumulou o dobro de pontos da segunda colocada do ranking – um feito inédito. E, mesmo após ser desbancada como top 1, se manteve em alta, vencendo um Grand Slam em 2017. Dez meses após dar à luz sua filha Olympia, quando já tinha 36 anos, disputou uma final em Wimbledon. Hoje, aos 38, ocupa o oitavo lugar – e é a terceira mais velha entre quase 1.300 tenistas ranqueadas.

É natural que tamanho poderio acabasse incomodando os machistas de plantão. “Se ela disputasse entre os homens, seria, tipo, top 700 do mundo”, disse o desbocado ex-tenista John McEnroe, vencedor de sete Grand Slams. Serena rebateu com a grandeza habitual. “Querido John, eu te adoro e respeito, mas, por favor, me deixe fora de suas declarações, que não são baseadas em fatos.” Uma reação mais genuína veio em 2016. Após avançar para as finais do torneio de Wimbledon, foi questionada se estava entre as maiores tenistas femininas de todos os tempos. “Prefiro ‘uma das maiores atletas de todos os tempos’.”

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Michael Phelps: o homem-peixe

✭ Michael Phelps (1985 – ) Programado para nadar. Literalmente. ✭ Serena Williams (1981 – ) Dona da maior dinastia da história do tênis – e contando. ✭ Michael Schumacher (1969 – ) Um gênio no cockpit. E um líder de equipe fora dele.
✭ Michael Phelps (1985 – ) Programado para nadar. Literalmente. ✭ Serena Williams (1981 – ) Dona da maior dinastia da história do tênis – e contando. ✭ Michael Schumacher (1969 – ) Um gênio no cockpit. E um líder de equipe fora dele. (Estevan Silveira/Superinteressante)

Anos de treinos exaustivos e disciplina impecável são essenciais para que um atleta seja chamado de maior da história, é verdade. Mas uma ajudinha extra da genética também faz diferença. Seguindo essa linha, é possível enxergar no GOAT das piscinas traços que o configuram como um homem-peixe.

“Nunca vi outro nadador com a composição física de Michael”, disse uma vez ao New York Times Bob Bowman, técnico que acompanhou Phelps desde 1997. “Você percebe isso assim que vê seu corpo. Aos 11, ele tinha tudo o que tem hoje – só que em tamanho menor.” A envergadura – distância entre os braços abertos – nem é absurda. A de Phelps é de 2,03 m (menos que os 2,08 m de Cesar Cielo, por exemplo). Mas o americano leva vantagem na fisiologia. E não estamos falando, aqui, apenas da famosa dieta de 12 mil calorias diárias que o nadador mantinha. Phelps produz muito menos ácido láctico (que degrada a performance dos músculos) que outros atletas. Um teste feito após ele estabelecer o recorde mundial nos 100 metros borboleta, em 2003, apontou que o nadador tinha 5,6 milimol de ácido láctico por litro de sangue. Menos da metade do que outros nadadores de elite.

Ser programado para nadar rendeu a Phelps uma carreira extremamente prolífica. O nadador americano se aposentou com 28 medalhas em cinco edições de Jogos Olímpicos – sendo 23 delas de ouro. Foram, também, ao menos cinco ouros em cada um dos cinco mundiais de natação que disputou. Isso faz com que Phelps seja, disparado, o maior colecionador de pódios da modalidade. E só será superado por alguém que, além de treinar como um tubarão, também tenha tido a sorte de nascer com os atributos que podem tornar uma pessoa imbatível na água.

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Michael Schumacher: o chefe de equipe

Para muita gente, Ayrton Senna é o GOAT do automobilismo. Duas pessoas em especial concordam com isso: Lewis Hamilton e Michael Schumacher, os dois maiores recordistas em títulos, vitórias e pole-positions da Fórmula 1. Porém, numa análise mais fria, é difícil que o título de GOAT do esporte a motor não fique mesmo nas mãos do alemão.

Ele pode não ter sido espetacular como o brasileiro, e provavelmente terá todos os seus recordes batidos por Lewis Hamilton. Mas Schumacher tem um diferencial que ninguém tira dele: o alemão não ganhou sete títulos mundiais de Fórmula 1 “só” porque era ótimo piloto. Mas também porque trabalhou como uma espécie de executivo, redesenhando as equipes pelas quais correu.

O impacto de Schumacher na F-1, falando só na parte piloto do sujeito, foi instantâneo. Na estreia, pela Jordan, em 1991, largou na sétima posição, colocando 0,7s (uma eternidade) no companheiro de equipe, Andrea De Cesaris, que só conseguiu a 11ª posição. Schumacher não teve como mostrar serviço na corrida (o câmbio quebrou na largada), mas o desempenho na classificação bastou para que ele fosse contratado pela italiana Benetton. Na equipe, então de porte médio, ganhou seus dois primeiros campeonatos.

Outra troca aconteceria em 1996 – desta vez, para a Ferrari. Afundada em disputas internas e altamente vulnerável às pressões da imprensa esportiva italiana, a equipe era uma bagunça. Tanto que não ganhava um título desde 1979. Schumi topou ir para lá, mas não foi sozinho: em 1997, levou os principais colegas da Benetton: o diretor técnico Ross Brawn, o projetista Rory Byrne e suas respectivas equipes. Mas a coisa não deu certo logo de cara: o alemão só conseguiu ser campeão pela Ferrari no ano 2000. E isso exigiu uma quantidade incalculável de trabalho fora das pistas.

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“Tarde da noite, enquanto outros pilotos estavam em restaurantes ou socializando, Michael podia ser encontrado na fábrica [da Ferrari]”, escreveu o ex-piloto americano David Coulthard, contemporâneo de Schumi, em seu livro A Fórmula Vencedora. “Há histórias de que ele aparecia nas instalações da Ferrari em Maranello, nos finais de semana sem corrida, só para ver quem estava no escritório – e motivar a equipe para trabalhar mais duro.”

Em suma, além de piloto, era um gestor de primeira linha. Foram 57 vitórias da equipe em 85 corridas entre os anos de 2000 e 2004. O piloto alemão detém o recorde de mais vitórias na carreira: foram 91, em 308 corridas – número que o hexa – campeão Lewis Hamilton, com 89 vitórias até o fechamento desta edição, deve superar em breve. Porém, a trajetória de Hamilton na Mercedes é diferente: o inglês pegou um carro imbatível já na segunda temporada. Lá, ele sempre foi um elemento fundamental num time vencedor. Schumi desenvolveu seu time vencedor. Soube criar as condições que precisava para vencer. Disso, também, é feito o legado das maiores lendas do esporte.

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