Texto: Guilherme Eler | Ilustração: Denis Freitas | Design: Juliana Caro | Edição: Ana Carolina Leonardi
A maneira como as pessoas manuseavam seus guarda-chuvas no início do século 19 era, no mínimo, desastrada. Pelo menos, era como via o inglês John Shute Duncan – autor da obra Dicas para os Usuários de Bengalas e Guarda-Chuvas, que pretendia servir como um manual de etiqueta desses objetos. No texto, publicado em 1809, Duncan faz uma análise bem-humorada de alguns personagens que via pelas ruas: o transeunte espaçoso, implacável em tomar o lugar de outros na calçada, ou aquele imprudente, que sem cerimônias carrega seus itens pontudos na altura da vista de pedestres desatentos. Aparece também um terceiro tipo: o que não consegue controlar seu guarda-chuva e acaba vendo o utensílio virar do avesso após qualquer mínima rajada de vento.
Aquilo que Duncan julgava ser uma falta de habilidade dos usuários se provaria, mais tarde, um defeito de projeto. Afinal, atire a primeira pedra quem nunca, em um dia de ventania, acabou travando uma luta para desvirar um guarda-chuva rebelde, que teimava ignorar o pé d’água e desabrochar como uma flor. Há um motivo para essa mesma cena se repetir até hoje: o guarda-chuva como conhecemos permanece praticamente inalterado desde o seu nascimento. E o mesmo vale para os pequenos problemas de design que a versão moderna do produto acumula a partir dos primeiros modelos.
A origem de coberturas para a cabeça em dias chuvosos remonta à China antiga. Estima-se que o conceito de uma camada protetora em formato de arco, de onde sai uma vareta para manuseio, exista há pelo menos três mil anos. No início, os cabos eram de bambu e a cobertura, de papel – que, depois, ganharia um revestimento impermeável com cera.
Seguindo a Rota da Seda, guarda-chuvas ganharam a Europa. E foi por lá que o modelo ficou mais parecido ao que usamos hoje. Em vez de coberturas de papel e hastes de bambu, passaram a ser feitos com materiais como lã e algodão. Para os cabos, madeira – ou, não raramente, ossos de baleia.
As tentativas de melhorar o objeto, porém, só despontaram para valer no começo do século 19. O historiador francês Louis Octave Uzanne, um estudioso da história primitiva dos guarda-chuvas, chega a destacar que “apenas entre 1808 e 1851, é possível contar mais de 103 patentes de invenções e melhorias” relacionadas a esses objetos.
A maior guinada veio no início da década de 1850, graças ao empresário inglês Samuel Fox. Até então, as varetas dos guarda-chuvas eram feitas de madeira, o que dificultava a produção em larga escala – e a um preço acessível para mais pessoas. A estrutura de miniestacas de madeira, que podia fazer o objeto pesar até cinco quilos, foi substituída por varetas de metal e um tecido sintético, bem mais leve.
Guarda-chuvas: é como se ainda usássemos canetas-tinteiro, sem jamais ter descoberto a esferográfica.
A tecnologia atingiria seu ápice em 1928: foi quando o alemão Hans Haupt criou os primeiros modelos compactos da forma como conhecemos. Haupt era veterano de guerra e, por causa de um ferimento, mancava de uma perna. Ter um guarda-chuva que podia ser recolhido e expandido como se fosse uma luneta facilitava a tarefa de carregar o trambolho antichuva numa mão – e a bengala na outra. Em 1969, outro inventor inglês, Bradford E. Phillips, propôs o mecanismo atual de fechamento. Desde então, acumulamos cinco décadas sem uma grande mudança de design incorporada pelos guarda-chuvas. E contando.
“Não se mexe em time que está ganhando”, um leitor mais entusiasta das sombrinhas e derivados poderia argumentar. Afinal, guarda-chuvas são a forma mais simples e barata de permanecer em movimento mantendo-se tão seco quanto possível, sobretudo em pequenas distâncias e chuvas menos intensas. O problema é que guarda-chuvas não satisfazem por completo todas as nossas, sempre altas, expectativas.
Guarda-chuvas têm bom custo-benefício para o que se propõem: tornar sua volta para casa o menos molhada possível. Ainda assim, poderiam ser aprimorados em diversos pontos – como você pode ver no esquema a seguir.
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Defeito 1: Varetas frágeis
A quebra de uma única haste pode comprometer toda a cobertura.
Defeito 2: Mecanismo de abertura sensível
Botões podem emperrar, inviabilizando o uso.
Defeito 3: Baixa resistência a ventanias
Um vendaval intenso o faz virar do avesso.
Defeito 4: Pouca área útil
Os mais compactos não cobrem por completo. Os grandes são um trambolho.
Pelo contrário. Qualquer pessoa, dos usuários assíduos aos mais eventuais, carrega na ponta da língua uma resposta para os dilemas guarda-chuvísticos. Um bom começo seria construir modelos com varetas que não quebrem com facilidade. E que tenham coberturas que não virem ao contrário com qualquer brisa, feitas de um material para molhar o mínimo possível o chão do escritório ou o interior do carro. Que consigam, ainda, nos defender de chuvas que vêm de várias direções, mas não atrapalhem a visão enquanto andamos. E que sejam bonitos e estilosos, é claro.
O problema é que pensar em soluções para algo que precisa ser melhorado, mas não necessariamente reinventado, não é lá das tarefas mais simples. Pequenas inovações no sistema, que incrementem o produto, mas não se desviem do conceito bem consolidado de guarda-chuva, dificilmente vão mudar de forma drástica a experiência de quem usa. O que não significa que, nos últimos anos, não tenham surgido tentativas de dar novas interpretações ao item.