A facilidade de aplicar o jejum intermitente atrai interessados em perder peso. Mas não é tão simples assim.
Texto: Stefanie Cirne | Edição de Arte: Dois Pontos | Design: Andy Faria
Quem já se propôs a encarar uma dieta sabe que começar é fácil – complicado mesmo é manter-se nela. Em pouco tempo, cortar calorias, observar a composição dos pratos e a frequência das refeições vira um esforço maior do que a vontade de perder peso ou melhorar a saúde. Cumprir o ritual diariamente torna-se um suplício. Mas e se alguém sugerisse que é possível obter os mesmos resultados restringindo a alimentação apenas duas vezes por semana? Ou melhor: que essa pode ser uma maneira mais eficiente de queimar gordura, otimizar o metabolismo e, de quebra, raciocinar com mais clareza e disposição?
Foi essa ideia que, em 2013, catapultou o médico Michael Mosley para a lista de livros mais vendidos no Reino Unido, com o manual The Fast Diet (no trocadilho em inglês, “dieta do jejum” e “dieta rápida”). Treinado pelo Royal Free Hospital de Londres, Mosley é também jornalista e produtor executivo da BBC, onde se envolveu na realização de documentários sobre história e ciência. Um deles foi Eat, Fast And Live Longer (Coma, Jejue e Viva Mais), que atraiu 2,5 milhões de espectadores e está disponível no YouTube.
No filme, Mosley testa vários protocolos de jejum intermitente, uma estratégia nutricional que reduz a ingestão calórica por períodos determinados e permite que a pessoa coma normalmente nos intervalos entre eles. Ao final da experiência, o médico desenvolveu sua própria versão do método, estudado desde 2007 pela comunidade científica.
A receita de Mosley ficou conhecida como dieta 5:2: duas vezes na semana, a dieta prevê parcas 600 calorias para homens e 500 para mulheres – um quarto do consumo diário ideal. Os participantes comem em uma janela de oito horas ou menos, como se fosse um “oásis” energético em meio ao jejum.
Exemplo: o sujeito jantou às 21h de domingo. Acorda às 7h de segunda-feira e come até 15h meia xícara de aveia, meio copo de leite desnatado, uma maçã e uma salada césar, além de água, cafés e chás à vontade (sem açúcar nem adoçantes!). Depois disso, ele só voltaria a comer na manhã de terça-feira. Para que a dieta funcione, Mosley pontua apenas que é importante não exagerar no resto da semana: “comer livremente” equivaleria a privilegiar pratos nutritivos e moderados.
Ou seja: o tal jejum intermitente não é exatamente uma abstinência total de alimentos, mas uma dieta ocasional e hiper-restritiva que incorpora momentos de jejum absoluto. Ainda que o método pareça exótico, muitas pessoas podem já ter empregado esse padrão alimentar de forma involuntária – em uma semana corrida no trabalho, por exemplo, quando saem de casa sem tomar o café da manhã e acabam pulando também o almoço.
Um dos grandes atrativos da dieta é justamente a praticidade que ela agrega à rotina: fazer menos (e menores) refeições durante o dia ajuda a poupar tempo, dinheiro e trabalho. Além de, claro, ajudar a emagrecer.
Entretanto, Mosley e outros promotores da prática, como o guru fitness Brad Pilon, enfatizam que os benefícios vão muito além da questão estética. Em uma entrevista divulgando o lançamento de The Fast Diet no Brasil (publicado como A Dieta dos 2 Dias), o médico britânico relatou ter descoberto o jejum intermitente pesquisando estratégias naturais para reverter seu diagnóstico de diabetes e altos níveis de colesterol.
Impressionado com as promessas a respeito da dieta – entre elas, a diminuição de fatores de risco para diabetes, demência e vários tipos de câncer –, ele se convenceu ao eliminar mais de 6 quilos e 25% da gordura corporal durante a produção de Eat, Fast And Live Longer, normalizando os exames de sangue. Hoje, Mosley defende o método como uma intervenção mais segura do que as dietas tradicionais que, feito no limite, pode transformar a saúde de populações inteiras.
O entusiasmo do médico é compartilhado por muitas pessoas que incorporaram o jejum intermitente aos seus hábitos alimentares. E não só para emagrecer. Há quem sinta os efeitos do jejum na cabeça. O analista de sistemas Hilton Sousa, 39, adotou gradualmente a estratégia quando já seguia a dieta paleolítica, à base de carne e frutas, e, desde então, percebeu seu pensamento mais claro e fluido. “Quando comecei a praticar jejuns mais longos, muitas vezes era difícil pegar no sono – e não era porque eu estava com fome. Mas porque o meu cérebro não parava de funcionar”, diz.
Vegetarianos há 18 anos, o casal Alexandre Oliveira e Cristine Rampi, de Vila Flores, no Rio Grande do Sul, associam sua experiência com a dieta a uma jornada de autodescobrimento. “Jejuar nos mostrou que não somos tão dependentes [de comida]”, afirmam. Os dois dizem se preocupar menos com doenças e ter entendido o jejum como uma necessidade do corpo, uma pausa para manutenção.
Apesar de tudo, a proposta e o marketing da “dieta dos dois dias” deixam qualquer um tentado a pensar em charlatanismo – e a série de informações cruzadas sobre ela na internet ajuda a fomentar essa desconfiança. No meio científico, a novidade do tema acentua a resistência. O jejum intermitente só apareceu na literatura especializada em meados dos anos 2000, a partir de experimentos em que ratos que comiam menos manifestavam alterações fisiológicas positivas em relação aos que se alimentavam o dia inteiro.
Até o momento, são poucos os estudos com humanos – e nenhum de longa duração. De qualquer forma, os cientistas não desconsideram um impacto favorável sobre o organismo. Mesmo que não traga benefícios, a verdade é que o jejum intermitente não é estranho na história da humanidade. Há centenas de anos, religiosos passam períodos muito mais extensos de tempo sem tomar nem água. O que está por trás dessa habilidade é a própria trajetória da espécie humana, marcada pela escassez e incerteza na oferta de alimentos.
“A capacidade de adaptação ao jejum foi fundamental para que o ser humano pudesse sobreviver ao ambiente no qual esteve inserido durante praticamente toda a sua evolução”, diz o nutricionista João Gabriel Marques, mestrando em Nutrição Humana pela Universidade de Brasília e sócio da Genes Consultoria Nutricional.
Menos é mais
Por ora, o jejum intermitente divide especialistas por ir de encontro a princípios fundamentais da nutrição. O principal é a importância da rotina alimentar, pois, quando a frequência das refeições é desregulada, o organismo se desorienta. “Com isso, ele faz um estoque de gordura com aquilo que consegue, porque não sabe quando a comida virá de novo”, explica a nutricionista Karla Vilaça Alexandrino, da Nutrenza Consultoria e Assessoria Nutricional.
A médica e educadora física Silvia Corrêa da Fonseca acrescenta que, para se preservar, o corpo passa a queimar massa magra, o tipo de tecido que mais consome energia. Nisso, a tendência é engordar mais lá na frente, já que a mera ausência de massa magra faz o corpo gastar menos calorias, seja em repouso ou em atividade.
Limitar a ingestão de calorias a um período de oito horas ou menos, procedimento básico entre quem jejua, também contraria a recomendação de comer de três em três horas para, entre outros efeitos, evitar o acúmulo de gordura. Mas até esse conselho, o mais clássico dos nutricionistas, vem sendo desconstruído pela produção científica.
Um estudo coordenado pela pesquisadora Kim S. Stote no Centro de Pesquisas em Nutrição Humana de Beltsville (EUA) mostrou que após oito semanas, mesmo sem restrição calórica, pessoas que fizeram apenas uma refeição ao dia diminuíram seus níveis de gordura corporal em relação ao grupo que se alimentou normalmente, e conservaram o percentual de massa magra.
Revisando o que a ciência observou até o momento, o jejum intermitente também promove maior perda de gordura corporal em comparação às dietas tradicionais – e melhora os níveis de glicose, colesterol e triglicerídeos. Mas se a lógica nutricional prevê o ganho de gordura em jejum, por que isso acontece? “Em jejum, você entra em um estado metabólico diferente de quando está alimentado o tempo todo”, explica o nutricionista João Gabriel Marques. Primeiro, deve-se entender que o corpo captura energia dos carboidratos e das gorduras.
Quando deixamos de comer, o corpo passa a utilizar substratos energéticos próprios em vez daqueles fornecidos pela dieta. Em vez das gorduras e carboidratos das massas, ele recorre à gordura do tecido adiposo e à glicose produzida no fígado, o que faz baixar o nível de açúcar no sangue.
Geralmente, após muito tempo de restrição calórica, o organismo reduz a sua taxa metabólica basal (TMB) como forma de poupar energia. Ela corresponde à quantidade mínima de calorias necessárias ao corpo para manter suas funções vitais em repouso. E é nesse ponto que o jejum intermitente se diferencia dos jejuns prolongados.
“Como você restringe as calorias em apenas alguns dias da semana, o efeito é de aumento da TMB, com perda de gordura mesmo nos dias em que se come normalmente”, diz Flávia Ribeiro Funes, endocrinologista na Clínica Nuclehum, de São José do Rio Preto (SP).
Ou seja: como a quebra de gordura passa a exigir mais do corpo e ocorre em uma margem tolerável de tempo, esse jejum otimiza o metabolismo celular para acelerar o processo. Quando o corpo começa a considerar a ideia de se proteger diminuindo a TMB, você já voltou a comer normalmente.
O corte no consumo de energia durante os períodos de jejum também aumenta a sensibilidade do organismo à insulina, que regula a taxa de glicose no sangue transformando o excedente em gordura. Como o volume de comida diminui e o intervalo entre as refeições se amplia, uma vez que o jejum se encerra, o corpo tende a aproveitar o máximo de glicose possível, processando os alimentos de forma mais inteligente.
Essa é uma boa notícia para pessoas portadoras de diabetes tipo 2: em 2014, o médico Frank Q. Nuttal e pesquisadores da Universidade de Minnesota (EUA) já constataram uma queda “dramática” na concentração de glicose em pacientes que praticaram jejum de curta duração.
Os defensores do jejum citam o professor Valter Longo, da Universidade do Sul da Califórnia, para afirmar outra suposta vantagem da dieta: promover o envelhecimento saudável. Jejuns curtos reduziriam os níveis da proteína Fator de Crescimento do Tipo Insulina 1 no organismo, induzindo um fenômeno chamado autofagia nas células do sistema nervoso central.
Nele, ocorre a regeneração de organelas e moléculas no interior da célula, que, em períodos de alto consumo energético, queima calorias muito depressa e não consegue reparar todos os danos do processo. A autofagia seria uma espécie de “faxina” que melhora o funcionamento das células nervosas.
A verdade é que o jejum ainda é pouco estudado. Se ainda não há consenso da ciência sobre os benefícios da prática, há estudos que indicam o lado ruim de jejuar. Antes de bancar o faquir, pense que ainda precisamos de uns bons anos de pesquisa para entender como o jejum funciona.
Os limites da fome
O jejum não é para todo mundo. Confira em que casos é preciso tomar cuidado redobrado.
É importante lembrar que os corpos não respondem todos da mesma maneira ao jejum. A maior parte dos estudos feitos até o momento se prestou a analisar a eficiência da dieta na queima de gordura e trabalhou com pacientes obesos e com sobrepeso. Assim, não é comprovado que os efeitos sejam os mesmos em pessoas cujo Índice de Massa Corporal (IMC) esteja dentro do limite recomendado – e pessoas abaixo do peso certamente não devem se arriscar.
O conselho vale também para crianças, adolescentes e idosos: enquanto uns estão em fase de crescimento, os outros já possuem funções fisiológicas mais lentas, podendo perder massa magra. As mulheres também precisam de acompanhamento: o ciclo menstrual pode se desregular.
Quem não se encaixa nos grupos de risco e se interessa em experimentar o método ainda deve atentar ao próprio organismo, pois, se mesmo a dieta 5:2 se mostrar um jejum severo, o corpo apresentará sintomas rapidamente. Funciona assim: você não come, ou seja, para de enviar glicose para dentro do corpo. Quando isso acontece, o organismo precisa se virar. Assim, o fígado entra em estado de cetose, ou seja, converte a gordura que está lá disponível em corpos cetônicos, que funcionam como fonte alternativa de energia.
Só que alguns organismos podem ser menos eficientes do que outros nessa tarefa. Nesses casos, pode haver vertigens, sonolência e outros efeitos neurológicos negativos. “A falta de combustível pode atrapalhar a concentração e o raciocínio, pois não há energia para que o cérebro trabalhe corretamente”, alerta a nutricionista Karla Vilaça Alexandrino.
Os riscos ao funcionamento cerebral colocam outro problema: como garantir que as pessoas comerão adequadamente nos dias em que não estão jejuando? O acompanhamento de nutricionistas é fundamental para que o jejum intermitente não se associe a uma alimentação pobre em nutrientes ou que contenha menos calorias do que a pessoa necessita.
É preciso levar em consideração que o jejum intermitente não é uma dieta comum, mas sim hiper-restritiva. Portanto, o acompanhamento precisa ser feito muito de perto, sob pena de trazer problemas de saúde graves.