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Colonização da Lua: agora vai?

Agências espaciais e empresas unem esforços para voltar ao satélite – desta vez, para ficar.

Agências espaciais e empresas unem esforços para voltar ao satélite – desta vez, para ficar.

Texto: A.J. Oliveira | Edição: Alexandre Versignassi | Design: Juliana Krauss

Quando um ser humano pisou pela primeira vez na superfície lunar, em 20 de julho de 1969, os olhos do mundo estavam vidrados na TV. A Nasa estima que o pouso da Apollo 11 tenha sido acompanhado por 530 milhões de pessoas. Uma em cada sete no planeta da época.

Era o auge da Guerra Fria, quando Estados Unidos e União Soviética usaram a Lua como palco de exibição de seu poderio tecnológico: entre 1958 e 1976, EUA e URSS despacharam um total de 79 missões para lá. Foram em média quatro por ano.

Projetadas para sobrevoar, orbitar, impactar e pousar, essas expedições proporcionaram uma avalanche de informações sobre nosso satélite natural. E mais importante: presentearam os terráqueos com a chance de contemplar, pela primeira vez, seu próprio planeta de longe.

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Até o final dos anos 1960, os soviéticos lideravam a corrida rumo à Lua. Seus dois principais programas, Luna e Zond, alcançaram feitos como o lançamento da primeira espaçonave a atingir a superfície lunar, a primeira a mandar de volta imagens do lado oculto da Lua, a primeira a realizar um pouso suave lá em cima, a primeira sonda a orbitá-la e, por último, mas não menos importante, a primeira a transportar formas de vida até lá e trazê-las de volta.

Foi em setembro de 1968, quando a União Soviética colocou tartarugas, moscas, larvas, plantas, sementes, bactérias e outros materiais biológicos a bordo da missão Zond 5. As tartarugas emagreceram: 10% de seu peso se foi, mas não perderam o apetite e permaneceram bem de saúde. Parecia estar tudo no jeito para que o primeiro cosmonauta – e ser humano – embarcasse em uma jornada lunar. Mas então os EUA dispararam seu tiro de misericórdia. Apenas três meses depois, lançaram a Apollo 8, primeira missão a levar astronautas à órbita da Lua e trazê-los de volta em segurança. Com as missões Apollo que se seguiram, os americanos roubaram a cena.

Markus Landgraf, analista de exploração humana e robótica da Agência Espacial Europeia (ESA), considera que o impacto científico do programa Apollo é subestimado até hoje. Segundo o analista, ele representou uma revolução na ciência do Sistema Solar, sendo diretamente responsável por boa parte do que sabemos sobre os planetas, o meio interplanetário e o Sol. Isso só foi possível graças aos 378 quilos de rochas e regolito trazidos de volta pelas seis Apollos que pousaram na Lua entre 1969 e 1972. Sondas soviéticas trouxeram apenas 301 gramas.

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Análises dessas amostras nos forneceram um primeiro vislumbre detalhado sobre processos geológicos lunares e sua composição mineral. “O que é irônico, porque o programa Apollo nunca foi pensado para ser científico”, aponta Landgraf.

Desde 1972, com a derradeira Apollo 17, seres humanos nunca mais pisaram na Lua. A vitória americana colocou uma pá de poeira lunar na corrida espacial, e os dias de ouro da exploração lunar chegariam ao fim. E não foi só isso. “Assumiu-se que tudo o que havia para se saber da Lua já estava sabido.” Até entre os cientistas ganhou espaço a visão da Lua como um lugar morto, que pouco tinha a oferecer para o progresso das ciências espaciais.

Essa ideia, no entanto, vem sendo desconstruída. O renascimento da exploração lunar começou no século 21. Os japoneses firmaram seu programa espacial com a missão Selene, de 2007, que produziu o mapa mais detalhado do campo gravitacional lunar até o momento e obteve algumas das imagens mais estonteantes da Lua e da Terra, registradas por uma câmera de alta definição. Logo, outros agentes entrariam de cabeça nesse jogo.

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1.
2007
Selene
(satélite lunar/Japão)

O Japão lançou três satélites para a Lua de uma vez: um principal e dois menores. Eles criaram o mais detalhado mapa do campo gravitacional da Lua, e levaram câmeras HD para fazer imagens da Lua e da Terra.


2.
2008
Chandrayaan-1
(satélite lunar/Índia)

Foi o primeiro satélite indiano a deixar a órbita terrestre. Mediu a presença de elementos radioativos na Lua, e levou a primeira antena de rádio indiana para comunicações com o espaço profundo.


3.
2009
Lunar Reconnaissance
Orbiter (lunar/EUA)

Primeira missão da Nasa desenhada para obter imagens de alta resolução de toda a superfície da Lua desde o fim do programa Lunar Orbiter, em 1967. O satélite segue ativo.

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4.
2019
Chang’e 4 (pousadora e rover/ China)

Os chineses já tinham pousado na Lua em 2013, com a missão Chang’e 3. Esta aqui realizou outro feito: foi a primeira nave da Terra a pousar no “lado oculto” da Lua, e ainda levou um jipinho.


5.
2019
Beresheet (Israel)

É uma missão privada construída pela SpaceIL, uma startup sem fins lucrativos. Vai fornecer imagens de alta resolução da superfície, e tornará Israel o quarto país a pousar na Lua.


6.
2022
Luna-25 (Rússia)

Também chamada de pousadora Luna-Glob, a missão foi anunciada em 2014 e enfrenta atrasos por entraves políticos e econômicos. Será a primeira missão lunar russa desde 1976, quando lançaram a Luna-24.

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No mesmo ano de 2007, a China lançou sua primeira missão, a Chang’e 1, cujo objetivo era fazer um reconhecimento inicial da superfície lunar a partir de sua órbita. Desde então, a agência espacial chinesa (CNSA) alcançou várias conquistas. Com a Chang’e 3, de 2013, o país se tornou o terceiro a alunissar, atrás apenas da Rússia e dos EUA, e com a Chang’e 4, deste ano, o primeiro a fazer um pouso suave no lado escuro da Lua. Além do pousador, um rover está rodando, tirando fotos e fazendo experimentos. Mais: os chineses fizeram brotar a primeira planta lá em cima, dentro de uma estufa no jipe robótico.

De todas as agências espaciais, a CNSA é a que tem demonstrado o programa de exploração lunar mais consistente. “Fico empolgada que a China esteja sendo uma espécie de líder em reacender esse interesse”, diz a geóloga Georgiana Kramer, do Instituto Lunar e Planetário, no Texas. Nos próximos anos, eles planejam lançar duas missões para pousar na Lua e trazer pelo menos dois quilos de amostras. Daqui a uma década, querem mandar taikonautas (a nomenclatura chinesa para “astronautas”).

Outra grande exploradora lunar hoje é a Índia. Sua agência espacial, a ISRO, lançou a Chandrayaan-1 em 2008. Além de ser a primeira missão indiana a ir além da órbita terrestre, a sonda cumpriu objetivos científicos, como mapear isótopos radioativos e a composição mineral da superfície da Lua. Este último instrumento de mineralogia era operado pela Nasa. Georgiana Kramer, que esteve envolvida nas pesquisas, conta sobre a descoberta mais importante ali: “Detectamos que toda a superfície da Lua é coberta por uma camada muito fina de água e hidróxido”, diz.

Ao longo do dia lunar, que dura 14 dias terrestres, essas moléculas de H2O e OH evaporam, principalmente na faixa próxima ao Equador, mas permanecem em suspensão graças à fraca gravidade local. Ao cair da noite, que se arrasta pelo mesmo número de dias, elas congelam novamente e voltam para onde vieram. É um processo inusitado. “Foi significativo, especialmente porque indicava abundância de água, recurso precioso que precisamos para explorar o Sistema Solar.”

Nos próximos meses, a ISRO deve lançar a sucessora Chandrayaan-2, que irá pousar na Lua e conduzir análises em amostras de solo, além de transportar um rover. A Nasa não ficou de fora dessa nova onda: lançou em 2009 a Lunar Reconnaissance Orbiter, sonda que continua em operação e realizou um mapeamento detalhado de praticamente toda a superfície lunar.

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Um táxi pra estação lunar

O principal projeto da Nasa para estimular missões robóticas e tripuladas para a Lua na próxima década é o Gateway: uma estação espacial semelhante à ISS, mas que, ficará na órbita lunar. “Gateway” significa “porta de entrada”. E é isso que a estação pretende ser: um entreposto para missões à Lua e, principalmente, para além da Lua. A Nasa planeja lançar o primeiro módulo da estrutura em 2020. A ideia é a seguinte: quase todo o combustível dos foguetes que lançamos é gasto para escapar do poço gravitacional da Terra.

Um entreposto na Lua poderia abastecer espaçonaves de passagem para Marte, com propelente produzido a partir de matéria-prima lunar – como o oxigênio preso às rochas do satélite. O Gateway também serviria de apoio para a futura construção de instalações na própria Lua.

Mas por que fazer primeiro uma estação orbital e só depois construir algo na superfície lunar? Bom, porque a Nasa já sabe muito bem como fazer estações orbitais. E, para um entreposto, faz pouca diferença se ele fica no chão ou na órbita baixa do satélite.

O projeto, de qualquer forma, não chega a ser unanimidade. Alguns especialistas acham que há uma certa preguiça da Nasa aí. A agência espacial teria simplesmente optado por permanecer na zona de conforto, fazendo algo familiar, em vez de tentar um passo além, como instalar diretamente uma base na superfície, ou partir direto para Marte.

Mas o fato é que a maior parte da comunidade espacial vê o projeto com bons olhos. E, de acordo com Landgraf, sua construção é praticamente certa. Em março, o primeiro-ministro Justin Trudeau oficializou a participação do Canadá no consórcio, comprometendo-se a contribuir com US$ 1,4 bilhão. É o primeiro país a entrar no barco americano.

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Landgraf diz que está otimista de que uma aprovação dos Estados-membros da agência espacial europeia também ocorra até o fim do ano. Até agora, a ESA ainda não lançou nenhuma missão lunar de grande porte, mas aposta todas as suas fichas nesse tipo de exploração para a próxima década. Para o longo prazo, a ideia é propor contribuições para um programa internacional de missões tripuladas coordenado pela Nasa, previstas para partir do Gateway rumo à superfície da Lua
em 2028.

Para a metade dos anos 2020, a ESA está desenvolvendo em parceria com os canadenses e os japoneses a missão Héracles, sonda lunar de médio porte projetada para alunissar. Para o curto prazo, os europeus planejam incluir uma carga na Luna 27, da Roscosmos. Sim: os russos o reativaram seu programa lunar, e devem lançar em 2021 a Luna 25, cujo objetivo é pousar no polo sul da Lua.

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1. Quitinete espacial
Astronautas de vários países passarão até três meses a bordo do Gateway. Seu interior é comparável a uma quitinete (enquanto a ISS vale por uma casa de seis quartos). Seu grande diferencial será poder mudar de órbita sempre que os controladores quiserem, permitindo explorar diferentes partes da Lua. A construção começa em 2022.

2. Multiplataforma
Vários sistemas de transporte poderão levar e trazer cargas e pessoas da Terra para o Gateway, e vice-versa. Futuros veículos como o gigante BFR, que a SpaceX está construindo para colonizar Marte, também poderão aportar na estação – eventualmente, com turistas a bordo.

3. Minha Lua, minha vida
A Nasa trabalha com o ano de 2028 para começar a lançar missões tripuladas para a superfície da Lua a partir do Gateway. Elas podem ser o pontapé inicial para a construção de uma base na superfície – desejo de outra agência espacial, a europeia. Se tudo der certo, a Lua pode abrigar de escavações científicas a projetos de mineração.

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4. Pergunta lá no Gateway
De volta ao Gateway. Outro papel dele seria servir como posto de combustível, com propelente fabricado a partir de minerais da Lua. Só a possibilidade de reabastecer na órbita lunar permitiria que uma missão para Marte fosse lançada com 68% menos peso. E quanto mais leve a carga, mais barato o lançamento.

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Uma mãozinha do mercado

E tem a iniciativa privada. A Nasa anunciou recentemente uma parceria com nove companhias americanas para transportar suas cargas até a Lua. Uma delas, naturalmente, é a SpaceX. A cápsula Crew Dragon, desenvolvida pela empresa de Elon Musk para transportar astronautas, já começou seus voos de teste. A Boeing também desenvolve sua cápsula para humanos, a CST-100 Starliner. Ambas podem ser úteis em viagens para a Lua no futuro próximo.

No lado europeu não é diferente: a ESA firmou recentemente um contrato com a ArianeGroup, braço espacial da Airbus, para desenvolver as naves de seu programa lunar. A Ariane, por sua vez, contrata serviços de empresas menores –  caso da alemã PTScientists, encarregada de projetar uma pousadora (ou “lander”, para os mais anglófonos –  o módulo que efetivamente pousa).

Tudo isso está fazendo nascer uma nova economia. Atividades científicas e comerciais devem se tornar frequentes na Lua, com um tráfego cada vez mais intenso de cargas e de pessoas. Nesses novos tempos, torna-se cada vez menos estranha a ideia de uma sonda de Israel (a Beresheet, projetada por uma startup do país), ter sido lançada em fevereiro por um foguete de uma empresa americana (o Falcon 9, da SpaceX), cujo objetivo é colonizar Marte. Israel , diga-se será a quarta nação a pousar na Lua.

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E o Brasil?

Também temos uma missão lunar em desenvolvimento: a Garatéa-L, dirigida pelo engenheiro espacial Lucas Fonseca e sua startup, a Airvantis. Seu foco é mandar amostras biológicas para a órbita lunar e entender os efeitos que a radiação e outras adversidades espaciais causam nos seres vivos. A iniciativa, orçada em US$ 15 milhões, é fruto de um consórcio de algumas das maiores instituições de pesquisa brasileiras, e o lançamento está previsto para 2022, a bordo do foguete indiano PSLV-C11.

“Fazer-nos presentes na baixa órbita da Lua já seria algo estratégico”, diz Lucas. Principal porta-voz do empreendedorismo espacial no Brasil, ele diz que a Nasa pecou em não ter dado continuidade à narrativa de que a humanidade é capaz de fazer coisas fantásticas. Ele acredita que as missões espaciais nunca devem perder de vista a necessidade de capturar a imaginação do público, envolvê-lo de forma que não pareça algo inalcançável.

Em 2018, testemunhamos a maior demonstração nesse sentido desde a Apollo 11: o lançamento do foguete Falcon Heavy, da SpaceX, que arremessou Sistema Solar adentro um carro da Tesla. 2,3 milhões de pessoas assistiram à transmissão ao vivo do voo no YouTube. “Quando o Elon Musk coloca um boneco dentro de um carro indo para Marte, traz o imaginário da pessoa comum para o espaço”, afirma Lucas Fonseca.

Georgiana Kramer defende que a exploração exclusivamente robótica do espaço profundo já não é mais o suficiente para o século 21 e o terceiro milênio. “Está claro que agora são os seres humanos que devem fazer o progresso nessa frente”, diz. A razão, de certa forma, dialoga com o pensamento de Lucas. Tem a ver com empatia. “Muita gente quer ir ao espaço, mas é muito mais fácil projetar-se em outro ser humano do que num robô em Marte, por mais fascinante que ele seja.” 

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