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Sociedade

Maus-tratos aos animais

A indústria alimentícia e de cosméticos se tornou uma máquina de torturar bichos. Mas não precisa ser assim. Conheça as inovações tecnológicas que podem reduzir o sofrimento animal.

por Bruno Garattoni e Eduardo Szklarz Atualizado em 18 out 2021, 08h37 - Publicado em 23 out 2018 13h13

Texto originalmente publicado pela Super em 2018

A jaula tem 1 metro de largura por 1,8 de comprimento. É do tamanho de uma geladeira. A porca reprodutora, um enorme animal de 140 kg, mal consegue se mexer ali dentro. Passa a vida inteira deitada, sem andar, com as patas atrofiadas. Ela só sai para parir – em outra jaula. Com menos de um mês, os filhotes são desmamados à força, e a porca é inseminada de novo. Esse processo se repete cinco, seis, sete vezes. Só para quando ela não consegue mais engravidar, e então é descartada como uma máquina velha. Em laboratórios de pesquisa, coelhos são totalmente imobilizados, sem poder sequer piscar, enquanto cientistas pingam substâncias em seus olhos. 

Esses são só três exemplos dos maus-tratos que os bichos sofrem no mundo moderno. Há muitos outros. Ao longo do século 20, as indústrias alimentícia e farmacêutica elevaram a exploração animal a um patamar assustador. Mas não precisa ser assim. Nem sempre é necessário utilizar cobaias em estudos científicos – e, nos casos em que ainda é, isso não precisa ser feito com crueldade e indiferença. 95% da população mundial come, e provavelmente vai continuar comendo, carne. Mas isso não significa que bois, porcos e galinhas precisem ser criados, e abatidos, de forma desumana.

A novidade é que, pressionada pelos consumidores e por novas leis, a indústria parece ter entendido isso. E finalmente, após décadas encarando os animais como objetos, começou a repensar o tratamento deles. Um conjunto de novas tecnologias e procedimentos, que deverão entrar em vigor já nos próximos anos, promete reduzir bastante o sofrimento animal. A seguir, veja quais são eles, entenda o impacto que cada um pode ter – e saiba, também, como fazer a sua parte.

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Do ponto de vista do bem-estar animal, ser vegetariano é a melhor opção. E ponto final. Mas também é preciso reconhecer um fato histórico: foi a carne que nos fez humanos. Se nossos ancestrais tivessem se mantido herbívoros, provavelmente o Homo sapiens nem sequer existiria. Os biólogos evolucionários Katherine Zink e Daniel Lieberman, da Universidade Harvard, calcularam(1) que cada australopiteco tinha que fazer 15 milhões de “ciclos de mastigação” por ano, em média, para sobreviver. Como ele quase só comia plantas, precisava ficar o tempo inteirinho se alimentando: eram nada menos do que 2.500 mastigações por hora, 16 horas por dia, simplesmente para sobreviver.

A carne mudou essa equação. O estudo de Harvard estima que, a cada 30% de carne crua incluída na dieta de um hominídeo primitivo, ele precisava fazer 2 milhões de “ciclos de mastigação” a menos – porque a proteína animal contém mais calorias, ou seja, é possível sobreviver ingerindo uma quantidade menor.

O consumo rotineiro de carne, que se tornou realidade 2,6 milhões de anos atrás, deu a nossos ancestrais tempo livre para fazer outras coisas. E, crucialmente, forneceu a energia necessária para que eles desenvolvessem e alimentassem cérebros cada vez maiores, até chegar ao nosso: a massa cinzenta do Homo sapiens consome 20% de toda a energia do organismo, podendo queimar até 500 calorias por dia. Para conseguir essa quantidade, você precisaria comer indigestos 3 quilos de alface – ou meros 200 gramas de carne bovina. Do ponto de vista evolutivo, o desenvolvimento do cérebro está diretamente ligado ao consumo de proteína animal. Temos uma tendência natural a gostar dela, e buscamos produzi-la na maior quantidade possível. Foi justamente aí, quando industrializamos a criação de bichos, que as coisas começaram a desandar.

1,3 milhão de animais, só no Brasil, são usados em testes científicos a cada ano.

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Testes de cosméticos

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(Dulla/Superinteressante)

Como é hoje

Cientistas imobilizam coelhos e pingam substâncias nos olhos ou na pele deles, dias a fio, para ver se provocam alguma irritação. Depois, os animais são mortos.

Como pode ser

A partir de setembro, os cientistas brasileiros não poderão mais usar animais vivos em testes de irritação ocular (só outros métodos, como um que utiliza córneas de boi). Para avaliar irritação de pele, também já existe uma alternativa: a epiderme reconstituída, que usa células humanas in vitro.

A fuga das galinhas

A pior situação, de longe, é a das aves: a cada ano, o homem cria nada menos do que 19 bilhões de galinhas, segundo dados da FAO (divisão alimentar da ONU). A imensa maioria vive confinada, ocupando espaço menor que o de um caderno. Muitas nunca veem a luz do dia. Estressadas, elas atacam e ferem umas às outras, o que os criadores tentam evitar recorrendo a uma prática medieval: fazem a chamada debicagem, ou seja, cortam a ponta do bico dos animais.

Mas há sinais de melhora – a começar pela própria debicagem. As granjas brasileiras já estão substituindo o processo tradicional, feito com lâmina, por luz infravermelha. No primeiro dia de vida dos pintinhos, com seu bico ainda em formação, a ponta dele (onde não há terminações nervosas) é exposta a uma luz infravermelha, e por isso amolece e cai. O método é indolor e nem se compara à violência da debicagem tradicional, que podia acabar cortando além do necessário e causar sofrimento. “O infravermelho é muito menos prejudicial para a ave, porque garante a precisão”, diz Paola Rueda, da ONG World Animal Protection.

Cada vez mais granjas estão criando as galinhas soltas, com liberdade para ciscar no pasto. Na Inglaterra, 48% de toda produção de ovos já é gerada nesse sistema. No Brasil a JBS e a BRF, as duas maiores empresas de alimentos do País,  se comprometeram a não comprar mais ovos de granjas que deixam as galinhas presas – a partir, respectivamente, de 2020 e 2025. O McDonald’s prometeu fazer o mesmo, nos EUA, no Canadá e em mais 20 países, incluindo o Brasil, até 2025. O Grupo Pão de Açúcar e o Carrefour, as duas maiores redes de supermercados do Brasil, também anunciaram que no futuro pretendem comercializar apenas o “ovo caipira”, que é produzido por galinhas criadas soltas. Mas você já pode se antecipar a isso, e a outras mudanças em prol do bem-estar animal, na hora de fazer suas compras de supermercado.

Além de melhorar a vida das galinhas, o ovo caipira é um bom negócio para o consumidor (porque contém até 30% mais vitamina D, segundo um estudo feito pela Universidade de Reading, na Inglaterra(2)) e para o produtor: como sofrem menos estresse, as galinhas criadas soltas põem ovos por até dois anos, chegando a produzir 400 deles. No sistema convencional, as galinhas só põem ovos durante um ano e meio, e seu rendimento é menor: 300 ovos por animal, em média. A Granja Mantiqueira, que fica em Minas Gerais e é a maior da América do Sul, já cria parte das suas galinhas fora de gaiolas – e produz 450 mil ovos por dia nesse esquema.

A trituração de pintinhos machos, uma das práticas mais cruéis da indústria alimentícia, parece estar com os dias contados: nos EUA, a Associação de Produtores de Ovos se comprometeu a abandoná-la até 2020. A Europa, por sua vez, estuda a adoção de uma técnica que usa laser para determinar, já no terceiro dia após a colocação do ovo, se ele contém um embrião macho ou fêmea. Dessa forma, os ovos que contêm embriões machos poderiam ser imediatamente separados e utilizados em outras atividades (produção de ração animal, por exemplo), evitando que os pintinhos cheguem a se desenvolver e nascer – e acabem descartados por meios cruéis. No Brasil, desde 2016 tramita no Congresso um projeto de lei, de autoria do deputado Rômulo Gouveia (PSD-PB), proibindo o uso de triturador ou o sufocamento dos pintinhos.

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50 litros de leite, por dia: é quanto cada vaca chega a produzir – três vezes mais do que seria normal em condições naturais.

As vacas sofrem menos do que as galinhas, mas também são maltratadas. Na natureza, elas formam grupos de amigas e passam a maior parte do dia juntas. Mas têm uma vida terrível nas fazendas de criação intensiva. Em muitas delas, a novilha é inseminada aos 15 meses e depois terá uma gestação forçada por ano para produzir 15, 30 ou até 50 litros de leite por dia, durante os nove ou dez meses de lactação. “O esforço exigido de uma vaca, para que ela dê 50 litros diários de leite, é como o de um atleta que corre uma maratona por dia”, diz o veterinário John Webster, da Universidade de Bristol. Tanto que essas vacas são abatidas aos 5 ou 6 anos, quando o normal seria viver 20.

Mas nem sempre é assim. A fazenda Leitíssimo, que fica na Bahia e produz 1,5 milhão de litros de leite por mês, adota uma série de técnicas para melhorar a vida de suas 4 mil vacas. Elas ficam soltas no pasto,  e não são forçadas a produzir leite em excesso (a média é de 13 litros por dia). Além disso, a fazenda emprega a chamada “sexagem do sêmen”. Um processo de laboratório separa os espermatozoides que possuem o cromossomo X (eles têm 4% a mais de DNA, e podem ser diferenciados visualmente). Os demais, que possuem o cromossomo Y, são descartados. Como as vacas são inseminadas apenas com espermatozoides X, elas só têm bezerras fêmeas (que carregam os cromossomos XX). Com isso, o processo não gera bezerros machos (XY), que são indesejados e acabam sendo mortos nas fazendas convencionais. A empresa, que recebeu mais de R$ 100 milhões de investimento, já oferece seu leite nos supermercados de 12 Estados brasileiros.

No caso dos suínos, como a pobre porquinha que ilustra o começo deste texto, a principal melhoria é a gestação coletiva: em vez de ficar numa gaiola, ela pode viver em grupo, e num espaço maior. “Isso permite que o animal caminhe, descanse onde quiser e interaja com outros. Pode também buscar alimento, um comportamento extremamente importante para o suíno”, afirma Rueda, da World Animal Protection. Essa ONG realizou, em 2012, um estudo pioneiro na Granja Miunça (Distrito Federal), demonstrando que a gestação coletiva era economicamente viável.
A prática já está sendo adotada pela indústria. A BRF foi a primeira, em 2014, a anunciar sua adesão ao modelo. “Mais de 100 mil matrizes (porcas reprodutoras) do nosso plantel já seguem o novo sistema”, diz a empresa, que promete colocar todas as suas porcas em gestação coletiva até 2026 – um ano depois da JBS.

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A indústria não está revendo seus métodos unicamente pelo bem-estar dos animais. É que a Europa, grande compradora de carne do Brasil, tem banido várias práticas (a criação de porcas em gaiolas, por exemplo, é proibida por lá desde 2013) e pressionado nossas empresas a fazer o mesmo. Uma análise feita pela World Animal Protection, que comparou as condições de 50 países (3), colocou o Brasil na categoria “C”, junto a França, Itália, Austrália e Índia no quesito bem-estar animal – atrás dos EUA, que entraram na categoria “B”, mas à frente do Canadá (“D”).

As condições dos animais podem melhorar, mas é impossível evitar um fato: eles são criados para virar comida. Logo, em algum momento, terão de ser mortos. O abate é o momento mais traumático, e polêmico, do processo de produção de alimentos. Mas mesmo ele pode ser aperfeiçoado – e já está sendo.   

 

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Produção de leite

Como é hoje

As vacas ficam confinadas em cubículos, em contato com as próprias fezes, e forçadas a produzir leite demais. Vivem apenas 5 a 6 anos, quando o normal seria 20. Os bezerros machos, considerados inúteis, são mortos ao nascer.

Como pode ser

Já existem fazendas que criam as vacas soltas, no pasto, e não as forçam a produzir em excesso (a média é de 13 litros de leite por dia). A técnica de sexagem do esperma, já em uso no Brasil, evita a gestação de bezerros machos.

A morte feliz

O ano era 2008. O deputado inglês Michael Portillo, opositor da pena de morte, aceitou um convite ousado da emissora BBC: produzir um documentário sobre métodos de execução humana. Além de pesquisar a ciência envolvida em cada método, Michael iria testar um deles: a morte por descompressão. Foi até um laboratório do exército britânico, onde pilotos são treinados para lidar com situações de baixa pressão atmosférica. Michael se sentou dentro de uma câmara selada, e o oxigênio foi sendo gradativamente retirado. Em vez de sufocar ou ficar assustado, ele começou a rir e apresentar sinais de euforia. Se a experiência tivesse continuado, perderia a consciência e morreria em minutos, sem nenhuma dor. “Não percebi que estava perto da morte. Eu me senti muito feliz. Seria uma ótima maneira de morrer”, declarou na época.

Agora, uma década depois, esse método começa a ser utilizado no abate de animais. Na indústria alimentícia, ele é conhecido como Low Atmospheric Pressure Stunning, ou  LAPS (“insensibilização por baixa pressão atmosférica”). Ela já foi aprovada na União Europeia, e nos EUA está sendo testada pela Tyson Foods,
a segunda maior produtora de carne do mundo. Estudos (4) constataram que, como acontece em humanos, os animais não apresentam nenhum sinal de agitação ou desconforto. Após 40 segundos na câmara, eles simplesmente perdem a consciência, o que foi comprovado por meio de exames de eletroencefalograma (EEG). Se o processo de descompressão for mantido, morrem. A LAPS está sendo empregada em aves, mas já se cogita o uso em porcos. É um método mais confíável, e menos agressivo, do que os utilizados atualmente.

2 centímetros: é o tamanho do alvo, na testa do boi, que precisa ser acertado para que ele não sinta dor na hora do abate

Em 2000, o Ministério da Agricultura publicou a Instrução Normativa 3 (IN3), que estabelece regras para o abate. Os frigoríficos são obrigados a usar algum método para fazer o animal perder a consciência, e não sentir dor na hora da morte. Ele pode ser mecânico, elétrico ou gás. No processo mecânico, usado em bois, um funcionário dispara um dardo que penetra no córtex cerebral do bicho. No método elétrico, mais comum em porcos e aves, um choque faz o animal apagar. No terceiro, empregado em aves, os bichos são colocados numa câmara com CO2, onde perdem a consciência. A norma é obrigatória, mas só para frigoríficos fiscalizados pelo Serviço de Inspeção Federal (SIF). Por isso, ao comprar carne, é importante checar se tem o selo do SIF.

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Esses métodos funcionam, mas estão sujeitos a variações que podem comprometer sua eficácia. O dardo que “apaga” o boi, por exemplo, precisa acertar num ponto exato do cérebro do animal. “Se você passar
2 cm, a eficiência já cai para menos de 50%”, diz Rueda. Essa técnica, o choque elétrico e o CO2 têm um problema em comum: exigem que o abate seja feito depressa, pois o animal ainda não está morto e pode acordar se o processo demorar. A descompressão é mais confiável, pois é um processo automático (e que não só incapacita, mas também leva a óbito).

A ciência já encontrou uma forma indolor de abater animais. Mas ainda luta para solucionar outro problema, que diz respeito a ela própria: o uso de cobaias nos testes de laboratório.

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Produção de carne

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(Dulla/Superinteressante)

Como é hoje

A lei exige que bois, frangos e porcos estejam inconscientes antes do abate. Isso é feito disparando um dardo na cabeça, aplicando um eletrochoque ou colocando os animais numa câmara com CO2.

Como pode ser

A tecnologia Low Atmospheric Pressure Stunning, já em testes nos EUA, usa descompressão atmosférica para causar inconsciência. É comprovadamente indolor, menos agressiva e mais fácil de aplicar que os métodos tradicionais.

Pesquisas de remédios

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(Dulla/Superinteressante)

Como é hoje

Antes de começar os testes em humanos, os cientistas dão os novos medicamentos a cobaias, para ver se eles são tóxicos ou letais.

Como pode ser

Novos métodos reduzem em até 90% a quantidade de animais necessários. O human-on-a-chip, com células humanas cultivadas numa placa de silicone, também já substituem alguns tipos de teste.

Miniórgãos

Quase todo remédio que você compra na farmácia foi testado em animais. São os chamados “ensaios pré-clínicos”. O objetivo deles é dar segurança à fase clínica, que testa a substância em voluntários humanos. E não há nada de novo nisso. No século 2, o médico grego Galeno já dissecava porcos vivos para tentar entender como os órgãos humanos funcionam. A ciência evoluiu graças às cobaias. Ratos foram essenciais para desenvolver transplantes, cães para a angioplastia, cavalos para a vacina do tétano, macacos para a vacina da pólio. 216 cientistas receberam o Prêmio Nobel de Medicina desde que ele foi criado, em 1901. Nada menos do que 180 (83%) realizaram testes em animais.

Os cientistas brasileiros usam 1,3 milhão de cobaias por ano, principalmente camundongos, aves e peixes (a cifra é alta porque também inclui animais usados fora do laboratório, como no desenvolvimento de rações). Mas, nas últimas duas décadas, a ciência vem tentando – e conseguindo – reduzir isso. Os estudos pré-clínicos, por exemplo, já não se apoiam somente em animais. Começam nos testes in silico, feitos em computador. O pesquisador digita a fórmula de uma substância, compara com outras numa base de dados e tenta prever seu efeito. Daí passa para os ensaios in vitro (em células), e só depois decide se vai usar cobaias vivas.

“Onde puder substituir animais, a gente substitui. Onde não puder substituir, a gente procura reduzir. E, mesmo quando usamos animais, procuramos refinar o experimento para dar mais bem-estar a eles”, diz o biólogo Octavio Presgrave, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Ciência em Animais de Laboratório (SBCAL). Hoje, por exemplo, não é preciso usar coelhos para testar irritação de pele. Existe um método in vitro, a epiderme humana reconstituída. Para o teste de irritação ocular, citado no início desta reportagem, já existem três métodos alternativos, todos sem bichos.

7 categorias de testes em animais serão proibidas, no Brasil, já em 2019.

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Os cientistas também já conseguiram reduzir bastante o número de cobaias nos testes de toxicidade. Um deles, o DL-50, era usado para determinar a dose letal de uma substância, e empregava grupos de até 120 animais. Hoje as pesquisas utilizam muito menos cobaias (cerca de dez), e empregam métodos alternativos – que não resultam na morte dos bichinhos. Nos casos em que não dá para abrir mão das cobaias, os cientistas procuram oferecer habitats mais confortáveis, com brinquedos e banheiras. “Isso inibe estresse e comportamentos similares à depressão em ratos de laboratório”, diz Carla Campos, diretora do Instituto de Ciência e Tecnologia em Biomodelos da Fiocruz. E, além de melhorar o bem-estar dos animais, gera resultados mais confiáveis (sem as interferências biológicas causadas por estresse e depressão).

Essas práticas estão contempladas na Lei Arouca, de 2008, que regulamenta o uso de animais em pesquisas. Ela diz que as instituições científicas são obrigadas a formar uma Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA), com membros da academia e da sociedade civil. “Toda pesquisa com animais precisa ser autorizada pelas CEUAs”, diz Monica Andersen, coordenadora do Concea (Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal). O Concea publicou uma resolução proibindo o uso de animais em sete tipos de teste, como irritação ocular e cutânea e toxicidade aguda de substâncias, a partir de setembro de 2019.

A principal esperança para a redução do uso de cobaias é o Human on a Chip. Trata-se de uma placa de silicone onde ficam “organoides” – agrupamentos tridimensionais de células de vários órgãos humanos. Num chip com cardiomiócitos (células cardíacas), por exemplo, as células pulsam como em um coração. O mesmo ocorre com organoides de fígado, intestino e até de cérebro [leia mais na pág. 40]. “O Human on a Chip pode ter várias aplicações, como estudos de toxicidade e de farmacocinética, em que observamos a movimentação de substâncias no organismo”, diz Presgrave. No futuro, poderá ser usado para testar remédios anticâncer – de forma personalizada. Os cientistas vão colher células de uma pessoa, organizá-las na forma de miniórgãos e ver como reagem a diversos tratamentos.

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Ainda há áreas em que os cientistas não conseguem dispensar o uso de cobaias, como os testes de teratogenicidade (ver se uma substância causa malformação em embriões) ou os ensaios de aplicação repetida, em que um remédio é administrado muitas vezes para checar o efeito cumulativo. Os estudos de dor – que colocam os bichos sobre chapas quentes para desenvolver analgésicos, por exemplo –, de próteses, transplantes e tratamentos anticâncer também não têm alternativas à vista. Mas pode ser apenas questão de tempo. “Se você parar para pensar, no início da década de 1980 a gente usava animal para tudo”, diz Presgrave.

Os testes em animais só poderão ser abandonados por completo quando a ciência for capaz de produzir órgaos de verdade em laboratório. E isso talvez não demore tanto quanto se imagina. Em dezembro de 2017, a FDA (agência do governo americano que regula os mercados de alimentos e remédios) autorizou o desenvolvimento de um tecido hepático artificial, criado pela empresa Organovo.

O objetivo é que, em 2020, esse produto (um pedacinho de fígado, feito com células humanas) seja testado em pacientes com tirosinemia, doença rara que causa danos hepáticos graves. Ainda há um longo caminho até que a empresa consiga produzir órgãos inteiros, se é que um dia isso será possível. Mas sua tecnologia, que consiste em cultivar células humanas num biorreator (tonel contendo as células, glicose e aminoácidos) e depois depositá-las em camadas usando uma espécie de impressora 3D, é promissora: a Organovo já conseguiu produzir vasos sanguíneos, tecido cardíaco, pulmonar, muscular e ósseo.

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Uma versão mais simples da mesma técnica está sendo usada, pela empresa americana Memphis Meat, para produzir carne de boi, frango e pato em laboratório, sem matar um animal sequer.
Sua produção custa uma fortuna, US$ 18 mil o quilo. Mas a tendência é que, um dia, a proteína de laboratório sejá até mais acessível do que a carne comum: afinal, cultivar tonéis de células é um processo inerentemente mais simples do que criar, abrigar, alimentar, matar e destrinchar bilhões de seres vivos. Mais simples, mais barato – e, acima de tudo, mais humano.

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O que você pode fazer

As suas decisões de compra podem reduzir o sofrimento animal. Veja como.

1 – Coma menos carne. Cada brasileiro consome 14,8 kg de porco, 33,5 kg de boi e 45,2 kg de frango por ano, segundo dados da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). Se o País ficasse um dia por semana sem comer carne, isso pouparia a vida de 4,6 milhões de porcos, 4,8 milhões de bois e 640 milhões de frangos a cada ano.

2 – Quando você for comprar carne, veja se ela tem o Selo de Inspeção Federal (SIF). Isso significa que foi produzida seguindo as normas do Ministério da Agricultura, que exigem um determinado procedimento de abate (com os animais totalmente inconscientes, sem sentir dor).

3 – Prefira alimentos com o selo da Certified Humane, ONG internacional que fiscaliza as condições dos animais. A lista de produtos, e os supermercados que os comercializam, pode ser consultada no site certifiedhumanebrasil.org (ou no aplicativo
Certifiedhumane, para Android e iOS).

4 – Ao comprar ovos, escolha os do tipo “caipira”, pois nesse caso as galinhas são criadas soltas, com mais espaço e acesso ao ambiente externo. São exigências da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), que no final de 2016 estabeleceu condições para a produção desse tipo de ovo.

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5 – Vai comprar leite? Veja se foi produzido com vacas “criadas a pasto”, ou seja, soltas. Esse tipo de leite pode ser encontrado em muitos supermercados – e, a exemplo dos ovos caipiras, não é tão mais caro do que o convencional. Algumas marcas de leite “a pasto” têm outra vantagem: suas vacas não recebem antibióticos.

6 – Prefira boi e porco. Para produzir 1 tonelada de carne bovina, é preciso matar 5 bois. Para gerar a mesma quantidade de carne suína, são 11 a 12 porcos. Já para produzir 1 tonelada de frango, vão nada menos do que 500 aves. A carne de frango é a mais saudável – mas é, de longe, a que mais tira vidas animais.

7 – Use cosméticos cujos fabricantes não realizam testes em animais. Consulte as listas disponíveis em https://www.pea.org.br/crueldade/testes/naotestam.htm (com dezenas de marcas brasileiras) e features.peta.org/cruelty-free-company-search/index.aspx (com 3.500 marcas internacionais).

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