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O futuro do LED

por Tiago Cordeiro e Bruno Garattoni Atualizado em 29 Maio 2020, 18h51 - Publicado em 21 nov 2019 15h33

Ele é barato, econômico e não queima nunca. Está em todos os lugares. Mas vai ganhar uma nova geração, ainda melhor – que fará você trocar a TV e as lâmpadas da sua casa.

Texto Tiago Cordeiro Ilustração Otavio Silveira Design Estúdio Nono Edição Bruno Garattoni

Oleg Losev nasceu na época errada. Sua família fazia parte da nobreza da Rússia, e o pai era capitão no exército imperial do czar. Quando Losev terminou o ensino médio, em 1920, a revolução comunista já tinha feito dele um pária – não era aceitável que um filho da antiga aristocracia galgasse postos elevados. Por isso, ele não pôde cursar faculdade. Conseguiu emprego como técnico do primeiro laboratório de rádio do governo soviético, instalado em Nizhny Novgorod, 400 quilômetros a leste de Moscou. Foi obrigado a se mudar para São Petersburgo em 1937; e morreu de fome (literalmente) durante o cerco alemão à cidade, em 1942, durante a 2a Guerra. Tinha 38 anos e ao longo de uma vida discreta de pesquisas havia inventado, sozinho, uma tecnologia que transformaria o planeta: o LED.

Autodidata, Losev escreveu uma série de artigos sobre um tal “diodo emissor de luz”. O primeiro deles, publicado em 1927 pelo jornal Telegrafiya i Telefoniya bez Provodov (russo para “Telegrafia e Telefonia sem Fio”), descrevia uma descoberta intrigante: se você jogasse uma corrente elétrica em diodos de óxido de zinco e carbeto de silício, peças usadas nos aparelhos de rádio da época, os componentes emitiam luz. Os diodos são componentes eletrônicos extremamente simples, que têm apenas uma função: só deixam passar eletricidade em uma direção. Losev não entendia como eles podiam emitir luz.

Ele recorreu às teorias de Albert Einstein para tentar explicar o fenômeno – chegou a escrever para o físico alemão pedindo orientação, mas não recebeu resposta. Alguns textos de Losev até chegaram a ser publicados na Alemanha e na Inglaterra, mas acabaram esquecidos no caos da 2a Guerra Mundial. Seria necessário esperar mais duas décadas até que o misterioso diodo emissor de luz fosse redescoberto. E outras três até que ele começasse a dominar o planeta.

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Do vermelho ao azul

Hoje o LED está em todo lugar: até onde você não vê, como nas fibras ópticas usadas para transmitir os dados de internet entre os continentes. Segundo a empresa de pesquisas Allied Market Research, o mercado mundial de LED deve crescer 15,9% ao ano, em média, até alcançar US$ 96,7 bilhões anuais, em 2024. Mas, em que pesem os esforços de Oleg Losev, o LED só decolou mesmo graças aos americanos. Essa história começa em 1961, quando os engenheiros elétricos James Biard e Gary Pittman, da Texas Instruments, criaram um circuito de arsenieto de gálio: um material que, estimulado por corrente elétrica, produz luz infravermelha.

No ano seguinte, também nos EUA, quatro times de pesquisadores inventaram circuitos semelhantes. O chefe de um desses times ficou com a fama de pai do LED: Nick Holonyak Jr., engenheiro e pesquisador da General Electric. Seu grande avanço foi criar um LED que emitia luz visível (a infravermelha é invisível a olho nu). Mas havia um problema: a única cor que esse LED emitia era… vermelho. Ainda não servia para fazer lâmpadas – no começo, os LEDs só eram usados nos painéis de aparelhos eletrônicos.

Dez anos depois, um ex-aluno de Holonyak, chamado M. George Craford, criou o primeiro LED amarelo. Conseguiu isso mudando os ingredientes do LED. “O verde, por exemplo, é gerado a partir da combinação de gálio, índio e nitrogênio, enquanto o fósforo é essencial para o amarelo”, explica Fernando Dalmolin, engenheiro da fabricante de lâmpadas Taschibra. Os materiais podem variar, mas o princípio básico envolvido é sempre o mesmo: a eletroluminescência. Os elétrons do material são excitados, e liberam energia na forma de fótons, ou seja, partículas de luz.

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(Otávio Silveira/Superinteressante)

Uma corrente elétrica entra no circuito.
Ela chega até o chip, que pode ser feito de gálio, índio ou fósforo, entre outros materiais.
3 Os elétrons do chip são excitados e liberam energia na forma de fótons: partículas de luz.

Em 1972, na Universidade Stanford, surgiu o primeiro LED azul, feito com nitreto de gálio. E o que pode parecer só mais uma cor foi o salto definitivo – que permitiria, muito tempo depois, construir as lâmpadas que você tem em casa hoje. Nos anos 1980, os cientistas japoneses Isamu Akasaki, Hiroshi Amano e Shuji Nakamura desenvolveram uma versão mais estável dos cristais de nitreto de gálio. E foi isso que tornou possível, finalmente, desenvolver as primeiras lâmpadas de LED com luz branca – é que o verde e o amarelo já estavam bem desenvolvidos, mas o azul continuava sendo um problema. E ele era necessário para combinar com as outras duas cores e, assim, gerar o branco. A invenção rendeu aos três o Prêmio Nobel de Física de 2014. As lâmpadas LED para uso doméstico geralmente são brancas, mas também existe outra versão, mais amarelada, que imita o tom das antigas lâmpadas incandescentes. Ela deixa qualquer casa mais aconchegante, mas é bem mais difícil de encontrar nas lojas. Não existe nenhum motivo tecnológico para isso: é uma demanda de mercado mesmo. “O brasileiro não se interessa pelas lâmpadas amarelas, e os lojistas preferem apostar no branco”, diz Dalmolin.

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Produtores nos EUA e no Japão já estão cultivando hortaliças em ambientes fechados, iluminados por LEDs dessa tonalidade curiosa. É que as plantas não precisam de todas as cores para crescer. A clorofila absorve principalmente o azul e o vermelho, cuja mistura gera o rosa. Usando lâmpadas dessa cor, é  possível cultivar verduras gastando menos eletricidade (e com todas as vantagens do cultivo indoor, como irrigação controlada e imunidade a pragas).

Mas nem todos os seres vivos se beneficiam da onipresença dos LEDs. Entre 2012 e 2016, a emissão de luz a partir da superfície do planeta aumentou a um ritmo de 2,2% ao ano. E isso está nos afetando. “A luz não atinge só a visão. Ela também causa reações nas células fotossensitivas da retina, relacionadas à regulação do sono e do ritmo do organismo ao longo do dia”, diz o neurocientista Stuart Peirson, professor da Universidade de Oxford. Essas células contêm uma proteína chamada melanopsina, que é mais sensível à luz fria – como a emitida pelas telas dos smartphones e pela maioria das lâmpadas de LED. Quando você se expõe a esse tipo de luz durante a noite, o seu corpo “acha” que é hora de ficar acordado – pois a temperatura (tonalidade) dessa luz, 6.500 graus kelvin, é a mesma que o Sol emite ao meio-dia. Aí o organismo responde freando a produção do hormônio melatonina – e você não consegue dormir.

Os LEDs estão entre os principais responsáveis pelo aumento da insônia no mundo. Mas ninguém pretende se livrar deles. Pelo contrário: no futuro, vamos até comprar mais.

Perovski e a luz

Você já deve ter visto aqueles painéis gigantescos, e extremamente brilhantes, que iluminam o centro de cidades como  Tóquio e Nova York. Eles parecem televisões enormes, mas são diferentes da TV que você tem em casa. Nela, a imagem é formada por “janelinhas” de cristal líquido, que abrem ou fecham para liberar ou barrar a luz, e com isso acender ou apagar os pontinhos da tela [veja infográfico abaixo]. A TV tem poucos LEDs, e eles atuam apenas como iluminadores do cristal líquido.

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(Cristina Nakashima/Superinteressante)

LCD, OLED E MICRO LED
Como as três tecnologias fazem a mesma coisa, gerar luz, de formas totalmente diferentes.

  1. LED-LCD
    Vantagem Barata, brilhante e durável.
    Desvantagem Tem cores meio desbotadas e menos contraste.
  2. OLED
    Vantagem Produz cores bem saturadas.
    Desvantagem Emite menos luz que a LED-LCD, e pode ser manchada por imagens estáticas.
  3. LED direto
    Vantagem Combina o brilho da LED-LCD com o contraste da OLED.
    Desvantagem Ainda é difícil de fabricar.

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Os painéis gigantes funcionam de outra maneira. Neles, a imagem é formada pelos próprios LEDs, sem a camada de cristal líquido. Essa tecnologia gera imagens mais brilhantes, com cores e contraste bem mais fortes. O sistema de “LED direto” também já chegou aos cinemas de 11 países, incluindo o Brasil (é uma sala construída pela Samsung no Shopping JK, em São Paulo, com 455 polegadas e resolução 4K). Como essas telas são gigantes e observadas de longe (pois ficam no alto dos prédios, ou na parede da sala de cinema), os LEDs também podem ser relativamente grandes, do tamanho de lâmpadas. Por isso, nunca foi possível adaptar a tecnologia de LED direto para as televisões – pois seria necessário desenvolver LEDs muito menores.

No ano passado, Sony e Samsung apresentaram uma tecnologia que promete resolver isso: as telas de Micro LED. Elas são as primeiras com LEDs pequenos o suficiente para uso doméstico. Os LEDs microscópicos são um sonho antigo da indústria, e estão se tornando viáveis graças a avanços técnicos. Mas a tecnologia Micro LED ainda exige telas enormes: a menor já construída tem consideráveis 75 polegadas. É que ninguém ainda conseguiu embutir 24 milhões de LEDs, a quantidade necessária para gerar uma imagem 4K, numa tela menor. Mas isso provavelmente acontecerá nos próximos anos – e aí todo mundo vai querer comprar uma televisão nova.

Isso também pode acontecer com as lâmpadas. Tudo por causa de um minério pouco conhecido: a perovskita. Ele foi descoberto em 1839 pelo russo Lev von Perovski e existe em várias formas, como o titanato de cálcio (CaTiO3) e o titanato de bário (BaTiO3). A perovskita é abundante (compõe 38% da massa da Terra), e também pode ser sintetizada. Seus átomos são dispostos de forma densa e simétrica, numa estrutura cristalina, o que torna esse material um excelente condutor de eletricidade.  Ele promete substituir o silício em painéis solares, computadores e LEDs – que consumirão bem menos energia que os atuais. A perovskita ainda está na fase de laboratório, e deve demorar pelo menos cinco a dez anos para chegar ao mercado. Mas ela significa que a ciência já persegue coisa melhor do que aquelas lâmpadas que você comprou pensando em usar para o resto da vida – pois vem aí um LED ainda melhor. Se estivesse vivo, Oleg Losev ficaria feliz.

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