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Questão de terra: quais fatores influenciam o sabor do vinho?

Texto: Mariana Weber | Edição de Arte: FazFazFaz Design | Design: Andy Faria | Ilustrações: André Valente

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a margem esquerda do rio Garonne, em Bordeaux, o solo de cascalho favorece a uva cabernet sauvignon. Na margem direita, rica em calcário, argila e areia, reina a merlot. E ambos os lados têm subdivisões. Só em Saint-Émilion, no direito, são identificadas seis zonas que imprimem características próprias à bebida. Sem contar as diferenças de um château para o château vizinho.

É como uma pizza marguerita que você corta em fatias cada vez menores e, ao provar, descobre que nenhuma tem o mesmo gosto. Cada uma dessas porções de terra é o que os franceses chamam de terroir. Em um sentido restrito, a palavra designa o solo de uma área usada na agricultura, mas, na acepção mais comum, trata da combinação deste com outros fatores, como o clima e a topografia.

Faz diferença se o vinhedo está à beira-mar ou no meio do continente. Se ele fica exposto ao vento ou se há obstáculos que o protejam – naturais, como uma colina, ou artificiais, como uma fileira de árvores plantadas pelo homem. Se recebe o sol da manhã ou da tarde. Se é inclinado ou plano. Se está no sopé ou no alto da montanha. Se é vizinho de um lago ou de uma floresta. Se recebeu bons tratos de vinicultores por anos a fio ou se foi explorado de forma descuidada.

Quer dizer, essa é a visão europeia, que levou a sistemas de classificação dos vinhos baseados na importância do terroir. Um conceito de definição ampla e de replicação difícil. Alguém pode ter uma fazenda com clima, relevo e tipo de solo parecidos com os de um vinhedo premiado, copiar as variedades de uvas e adotar práticas de vinicultura similares, mas nunca vai ser a mesma coisa.

Há quem enxergue na relevância do terroir um tanto de estratégia comercial do Velho Mundo para se colocar acima dos vinhedos mais jovens, que ainda não tiveram a chance de passar por gerações de produtores. Por mais esforço que se faça, faltaria um je-ne-sais-quoi. Mas Novo e Velho Mundos têm usado tecnologia, como mapeamento por meio de análise eletromagnética do solo, para desbravar novos bons territórios para cultivo.

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<strong>A tecnologia tem desbravado novos bons territórios para cultivo.</strong>
A tecnologia tem desbravado novos bons territórios para cultivo. (Charles O'Rear/Getty Images)

Mesmo em Bordeaux, região francesa com tradição vinícola que remonta aos antigos romanos. Um exemplo é o Château Olivier. Produtora de vinhos desde a Idade Média e classificada como Grand Cru Classé desde os anos 1950, a propriedade passou por inspeções geológicas no início dos anos 2000, com poços de 2 a 3 metros escavados em mais de 200 pontos.

A partir daí, classificou 11 terroirs, entre eles um lote especialmente promissor de cascalho compactado (pedregulhos em uma matriz de argila arenosa), com boa drenagem de água. Essa área, que de acordo com mapas do século 18 já abrigou parreiras mas naquele momento exibia apenas pinheiros, carvalhos e morangos, teve seus vinhedos reconstituídos, com o uso de cabernet sauvignon.

Com base no estudo, o enólogo da propriedade também mudou variedades de lugar, transferindo-as aos solos mais adequados: a merlot foi para os ricos em argila, enquanto as uvas brancas foram movidas para os calcários.

Selecionar a uva certa para o local certo faz parte do trabalho do especialista em terroir Pedro Parra, que conta ter passado os últimos anos cavando poços, observando raízes de videiras e experimentando vinhos no Chile e pelo mundo.

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Com o lema “Deixe o terroir falar”, o chileno que estudou na França diz ajudar vinicultores a entender suas terras com o propósito de trabalhar do modo menos interventivo possível – em oposição a tratar da mesma maneira vastas extensões de vinhedos, misturar produção de diversas regiões e deixar para acertar o estilo na hora de vinificar (com a adição de aromas amadeirados, por exemplo).

Aplicado na vinícola Altos Las Hormigas, em Mendoza, Argentina, o método usado por Parra divide o terreno em microunidades que, mapeadas, são tratadas de forma independente, do campo à vinícola, para expressar peculiaridades.

Na vinificação, a busca pela intervenção mínima inclui o uso de leveduras encontradas naturalmente no ambiente (em vez da adição de micro-organismos selecionados) e barris de carvalho antigos (mais neutros que os novos). Na descrição de vinhos como o Altos Las Hormigas Malbec Appellation Altamira 2013, a vínicola explicita o terroir, descrevendo o solo calcário em que o vinho é produzido. Mesmo a indicação geográfica no rótulo é um sinal dos tempos – ou do Novo Mundo adquirindo características do Velho, onde é mais comum escolher um vinho pela região do que pela variedade da uva.

No Chile, depois de fazer o mapeamento de um vinhedo no nordeste do Vale de Colchagua, a Casa Silva selecionou alguns setores do terreno para produzir o carmenère Microterroir Los Lingues. No sopé da Cordilheira dos Andes, a propriedade é especialmente atraente para estudos de microterroir pela variedade da acidentes geográficos.

Conta também com oscilações de temperatura entre dia e noite favoráveis ao amadurecimento das uvas, uma boa brisa, pouca chuva e solo composto por uma mistura de areia fina, argila e pedras de granito, com boa drenagem e fertilidade entre mediana e baixa.

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Os Terroirs

Cada terreno tem propriedades únicas: altitude e solo são cruciais, mas até lagos artificiais e cercas vivas influem nas condições para o plantio.

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1A distância em relação ao oceano influencia a umidade e a amplitude térmica. Na costa geralmente a quantidade de chuva é maior e as temperaturas variam menos, moderadas pelo mar, que esquenta e esfria mais lentamente que o solo. Se o frio não for extremo, uma diferença significativa de temperatura entre noite e dia beneficia o amadurecimento das uvas.

2Ventos refrescam e retiram o excesso de umidade, que pode levar ao apodrecimento das raízes. Mas, se fortes demais, interrompem a fotossíntese e atrasam o desenvolvimento das uvas – fileiras de árvores podem barrá-los.

3 • Videira bem nutrida não faz vinho bom. Quando o solo é muito fértil e bem irrigado por um lençol freático, a folhagem cresce rapidamente, sombreia as frutas e atrapalha o amadurecimento. Sai daí um vinho com gosto de verduras e folhas. O oposto, falta de nutrientes e água, também prejudica a bebida, pois reduz a formação de compostos de sabor.

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4 • Com maior variação térmica entre dia e noite, as áreas continentais sofrem mais com a geada. O problema é amenizado em terrenos acidentados, com maior circulação do ar (o quente sobe e o frio desce as encostas).

5Altitudes elevadas reduzem as temperaturas médias (o que pode ser positivo, em zonas mais próximas ao Equador, ou negativo, nas frias).

6 • A inclinação facilita a drenagem da água no solo.

7Face sul ou face norte? Faz diferença. No Hemisfério Sul, as encostas voltadas para o Norte são mais ensolaradas e quentes – um benefício em regiões muito frias. No Norte, ocorre o contrário.

8Rios e lagos ajudam a moderar a temperatura, diminuindo o risco de congelamento das parreiras em áreas de clima extremo, e são fontes para irrigação em regiões com pouca chuva.

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9 • Quando o solo é rico em argila, a drenagem pode ser beneficiada pela presença de matéria orgânica. Pedregulhos também auxiliam na passagem da água.

Vida difícil

A combinação de variáveis torna cada vinhedo único, mas os princípios fundamentais de um bom terroir dizem respeito a disponibilidade de água e nutrientes, além de um verão seco e quente o bastante para as uvas desenvolverem o açúcar que, na vinificação, vira álcool. Basicamente, videira de vida boa dá vinho ruim. Mas videira de vida terrível também. Se plantada em um solo fértil e fartamente irrigado, ela fica com muitas folhas que roubam recursos das frutas e fazem sombra nos cachos, atrapalhando o amadurecimento.

Chuva forte pouco antes da colheita, então, incha as uvas e dilui açúcares, ácidos e sabores. Por outro lado, se recebem pouca água, as frutas ficam menores, com casca mais grossa: a produtividade cai enquanto a concentração de cor e sabor cresce. Porém, se a secura for extrema, pode levar a um estresse hídrico e ao consumo da energia que deveria ser usada no amadurecimento. O ideal para o vinho é um vigor moderado, gerado por um acesso limitado a minerais, como nitrogênio, e um abastecimento restrito de água.

Esses aspectos são regulados em grande parte pela capacidade de drenagem do solo. Em Bordeaux, estudos mostraram que os melhores solos do Médoc deixavam a água passar rápida e profundamente, forçando raízes a escarafunchar até 7 metros abaixo da superfície para matar a sede. Onde o fluxo da água é mais restrito, as raízes não vão tão longe. Elas param em 1,3 metro nos terrenos argilosos de Pomerol, onde o escoamento só ocorre adequadamente devido à presença de matéria orgânica.

<strong>Basicamente, videira de vida boa dá vinho ruim. Mas videira de vida terrível também.</strong>
Basicamente, videira de vida boa dá vinho ruim. Mas videira de vida terrível também. (Siegfried Layda/Getty Images)

Nenhum lugar é tão exemplar quanto a Borgonha para a complexidade do conceito de terroir. Nessa região francesa dividida em pequenas propriedades, algumas do tamanho de um campo de futebol, vinhedos Grand Cru (classificação mais alta) se avizinham a outros bem menos cotados. Seus vinhos superiores vêm principalmente do meio da Côte d’Or, onde a combinação de marga, lodo e calcário provê a distribuição certa de água.

O fato de lotes próximos, com práticas semelhantes, produzirem bebidas distintas pode ser explicado em parte pelo passado geológico da área, localizada uma falha na qual materiais de diversas épocas foram expostos e misturados em proporções diferentes, de acordo com graus variados de inclinação. Mas não é só isso. Somam-se à qualidade do terreno fatores como temperatura, direção do vento, insolação e métodos de cultivo (que nem sempre são iguais, como poda e uso de fertilizantes).

Na França, no Chile ou no Brasil, técnicas podem alterar ou driblar determinadas características do terroir. Sistemas de condução de crescimento das videiras, como o de espaldeira, que prende a planta a varas e cordões para regular a exposição das frutas ao sol, melhora a qualidade do vinho em áreas muito úmidas ou férteis.

Por outro lado, a irrigação leva a possibilidade de fazer bons vinhos a regiões onde o verão é muito seco, além de diminuir os riscos para quem produz em áreas perto desse limite. Mas está para aparecer um jeito de copiar tintim por tintim o vinho do vizinho. Diante dessa impossibilidade, muitos produtores buscam o oposto: a singularidade. Ainda bem.

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