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Sentidos bem treinados

Ninguém precisa ser enólogo ou sommelier para tomar vinho, mas uma dose de conhecimento ajuda a aproveitar o máximo de cada gole.

Texto: Mariana Weber | Edição de Arte: FazFazFaz Design | Design: Andy Faria

Não se preocupe se não achar em uma taça de vinho as características únicas que separam os vinhedos da vinícola X das terras vizinhas e menos valorizadas da vinícola Y. Algumas sutilezas são só para especialistas, e mesmo eles às vezes trocam as bolas. Um bom tanto da capacidade de perceber as qualidades de diferentes rótulos é treino – do tipo que pode ser feito em casa ou em um restaurante, entre amigos e com um copo na mão.

Você pode simplesmente beber o seu vinho. Colocar o líquido na boca e engolir como faz com água (espera-se que não na mesma quantidade). Talvez esteja envolvido em uma conversa, e a taça vá da mão à boca em gestos quase automáticos. Mas um pouco de atenção incorpora outras dimensões à experiência, além de ajudar a entender os fatores que influenciam – ou embaralham – os sentidos. Os passos de uma degustação técnica levam em conta visão, olfato e paladar. Nessa ordem. Primeiro se observam aspectos como a cor, que nos tintos se torna mais pálida e amarronzada com a idade; brilho e delicadeza nas gradações são sinais de qualidade.

Em segundo lugar vêm os aromas, percebidos com mais clareza ao cheirar a taça perto do nariz, dar uma giradinha no vinho para liberar e inalar novamente; vale prestar atenção em como esses aromas mudam com o passar dos minutos. Por último, vem o gole, e não qualquer gole, mas um demorado, que espalha o líquido pelas papilas gustativas na língua e nas bochechas, para uma análise de açúcar, acidez, taninos (equilibrados ou que “amarram” a boca), álcool e duração dos sabores.

Para analisar, é preciso ter repertório, ou milhagem, para cruzar sensações e lembranças. “A abrangência de referências disponíveis é a grande diferença entre um degustador experiente e um iniciante”, escrevem Hugh Johnson e Jancis Robinson no Atlas Mundial do Vinho. Um degustador experiente vasculha a memória para associá-las com algo que já tenha bebido, comido ou cheirado – e consegue classificar aromas e sabores (em termos como frutas tropicais, couro ou mesmo diesel).

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Uma porção de condições externas também está envolvida no processo. Na verdade, o julgamento começa antes mesmo da abertura da garrafa. Um rótulo bem desenhado conta pontos, assim como o preço e a origem da bebida. Em um experimento na Universidade Cornell, nos Estados Unidos, o mesmo cabernet sauvignon barato foi servido como sendo da Califórnia (famosa por suas vinícolas) ou da Dakota do Norte (sem tradição): quem recebeu o “californiano” avaliou melhor não só a bebida como a comida que a acompanhava, além de beber e comer volumes maiores.

Indicações de um amigo bem considerado ou de um crítico também nos induzem a gostar de um vinho (e topar pagar mais por ele). Talvez por isso tenha provocado rebuliço o questionamento do estatístico e dono de vinícola Robert Hodgson às pontuações dadas a bebidas em concursos nos Estados Unidos. Em artigos publicados no Journal of Wine Economics, Hodgson demonstra como, em degustações às cegas, os mesmos jurados dão notas diferentes a um vinho quando este é servido mais de uma vez durante um evento.

Infográfico: o vocabulário do vinho

SI_Vinho_Sentidos_Info

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Mas nem tudo é sugestão

A temperatura, por exemplo, pode de fato alterar aroma e sabor. Os tintos são, de modo geral, menos voláteis que os brancos e precisam estar mais aquecidos para evaporar elementos aromáticos. Além disso, os taninos ficam mais evidentes no frio – o calor suaviza vinhos jovens tânicos. Porém a recomendação de servir tintos em temperatura ambiente não vale para o verão tropical: 18 ºC são indicados para os mais encorpados, enquanto os leves ficam bem entre 9 ºC e 14 ºC.

Para os brancos secos, o ideal está entre 6 ºC e 10 ºC, e um pouco abaixo, a partir de 4 ºC, para acentuar a acidez de brancos doces e espumantes. Na dúvida, melhor servir o vinho mais frio e deixar esquentar à mesa. E, de preferência, em uma boa taça: com haste longa e borda mais estreita que a base para direcionar os aromas de tintos e brancos, ou estreita e alta para manter as borbulhas dos espumantes.

A ordem dos vinhos também altera o resultado. Se mais de uma garrafa for aberta na mesma ocasião, a regra básica é não sobrepujar o que vem em seguida: caminha-se do mais leve para o mais encorpado, dos secos para os doces, dos piores para os melhores. Azar de quem não ficar até o final.

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