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Uma viagem pelo Canal de Suez

Atualizado em 3 Maio 2023, 10h58 - Publicado em
18 jun 2021
11h24

O encalhe do navio Ever Given, em 2021, reforçou a importância do elo entre o Mar Vermelho e o Mediterrâneo, por onde transita 12% do comércio marítimo mundial. Conheça sua turbulenta história – e navegue por suas águas.

Texto Rafael Battaglia | Ilustração Rodrigo Damati | Design Juliana Krauss | Edição Alexandre Versignassi e Bruno Vaiano 

Texto originalmente publicado em junho de 2021.

“A baía de Porto Said estava triunfante”, escreveu Eça de Queiroz em 17 de novembro de 1869. Antes de se dedicar a livros que caem no vestibular (como A Cidade e as Serras e A Relíquia), o escritor português foi enviado pelo jornal Diário de Notícias para acompanhar a inauguração do Canal de Suez.

Da cidade de Alexandria, no Egito, Queiroz pegou um navio até Porto Said, cidade construída do zero às margens do Mar Mediterrâneo para ser uma das entradas do canal. Nas suas palavras, “era uma cidade improvisada no deserto, de indústrias e operários”. Na época, ela contava com 12 mil habitantes.

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A infraestrutura precária contrastava com a cerimônia de inauguração. Havia gente de todo o mundo ali: nobres, príncipes, imperadores. Na baía, navios sediavam bailes e jantares de gala; fogos de artifício iluminavam o céu à noite.

No dia seguinte, um cortejo de embarcações entrou no canal para navegar até a outra extremidade: a cidade de Suez, a 162 km dali, no litoral do Mar Vermelho. Mas não sem antes parar no meio do caminho em Ismaília, que até hoje é a “capital” do canal – o centro de comando e, naqueles dias, o centro da festa. “As ruas estavam cheias de viajantes, equilibrados sobre as excêntricas selas dos camelos e dos dromedários. Havia por toda a parte tocadores, cantadores, mágicos e devoradores de serpentes”, narra Queiroz. O canal não estava 100% nos trinques. Ainda havia trechos com risco de encalhe – foi o que aconteceu com o Latife, um pequeno barco a vapor, no dia da inauguração. 

151 anos depois, em março de 2021, outro encalhe fez as atenções se voltarem, novamente, para o Canal de Suez. O navio Ever Given, um dos maiores porta-contêineres do mundo, com 400 m de comprimento, ficou entalado pouco depois de entrar no canal – e bloqueou a passagem por seis dias.

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O episódio rendeu memes e um prejuízo nababesco. É que o canal é a rota mais rápida entre a Ásia e a Europa, vital para o transporte de petróleo, gás natural e quase qualquer objeto made in China que você possa comprar. Por ano, mais de 18 mil navios trafegam por lá – 12% de todo o comércio marítimo mundial. Sem ele, a rota alternativa é contornar o Cabo da Boa Esperança, no sul da África, que adiciona mais dias à viagem – e a deixa mais cara. O trajeto entre Suez e o porto de Roterdã, na Holanda (o maior da Europa), costuma levar 11 dias. Pelo cabo, são mais de 26 dias, a um custo extra de US$ 800 mil.

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(Ilustração: Rodrigo Damati | Design: Juliana Krauss/Superinteressante)

Essa não foi a primeira vez que o Canal de Suez ficou temporariamente fechado. Tampouco a mais longa: em meados do século 20, por exemplo, ele permaneceu oito anos sem ver navios. Hora de embarcar na história desse pequeno milagre da engenharia.

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A construção

Os faraós foram os primeiros a ligar o Mediterrâneo ao Mar Vermelho. Eles não cavaram um canal do zero – aproveitaram o Nilo como parte do trajeto. Estreito, ele só era navegável em tempos de cheia – mas servia para as canoas da época.

No século 15, as Grandes Navegações estabeleceram uma rota comercial com a Ásia contornando a África. No finalzinho do século 18, uma expedição de Napoleão ao Egito analisou os vestígios do antigo canal dos faraós. Foi aí que a ideia de construir uma rota mais curta e eficaz com o Oriente, via Suez, começou a tomar forma. Em 1854, após décadas de estudo, o empresário e diplomata francês Ferdinand de Lesseps recebeu a autorização do Império Otomano – que na época controlava o Egito – para começar a empreitada. Com início em 1859, a obra levou dez anos (o plano inicial era de seis) e saiu o dobro do orçamento previsto. 

Desde o início, o objetivo era aproveitar lagos da região e construir canais artificiais para conectá-los. Pulando de lago em lago, é mais fácil percorrer o deserto. Inicialmente, a escavação foi feita à mão, com pás e picaretas. Dragas a vapor vieram depois. O trabalho era mal pago e degradante. Para matar a sede no deserto, foi preciso construir um córrego artificial que trouxesse água doce do Nilo até o local das obras. De 1,5 milhão de operários, 120 mil morreram, sobretudo de cólera.

O canal foi aberto em 1869 com 8 m de profundidade – que exigiram a remoção de um volume de terra equivalente a 13,6 mil piscinas olímpicas. Trechos tortuosos encalharam 3 mil embarcações até 1884, o que motivou diversas expansões nos anos seguintes. Hoje, o canal tem 24 m de profundidade e 225 m de largura.

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(Ilustração: Rodrigo Damati | Design: Juliana Krauss/Superinteressante)
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A Crise de Suez

Até 1956, o canal era controlado por França e Reino Unido (os britânicos ocuparam o território egípcio de 1882 a 1952). Isso mudou quando o líder do Egito recém-independente, general Abdel Nasser, anunciou a nacionalização do canal. Em resposta, os europeus uniram forças com Israel e declararam guerra ao Egito. Os israelenses tomaram a Península do Sinai, franceses e ingleses atacaram com bombardeios e paraquedistas em Porto Said e Porto Fuad.

Quem separou a briga foram os EUA. Não por camaradagem: eles temiam que a URSS ajudasse o Egito e, com isso, ganhasse mais um aliado (os egípcios já importavam armamento soviético). A crise terminou em novembro de 1956 com a chegada de Forças de Paz da ONU, que incluíam tropas brasileiras, e deixou um saldo de 3,2 mil mortos – 90% deles egípcios.

Em 1967, a ONU saiu e a tensão entre judeus e árabes aumentou. Na Guerra dos Seis Dias, Israel destroçou a força aérea egípcia ainda no solo em um ataque surpresa e conquistou a Península do Sinai. Os árabes deram o troco no feriado judeu do Yom Kippur, em 1973 – mas só conseguiram a península de volta diplomaticamente, em 1982. De 1967 a 1975, o canal ficou interditado e se tornou epicentro dos conflitos.

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(Juliana Krauss/Superinteressante)

Catorze cargueiros não conseguiram sair de Suez em 1967, antes que as entradas fechassem. Eram navios de diversos países, como Inglaterra, Alemanha, Suécia e Polônia. Juntos, ficaram conhecidos como a Tropa Amarela – em referência à areia que se acumulava nos barcos. Passaram oito anos detidos. 

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Sem ter para onde ir, os tripulantes uniram forças e passaram a dividir funções, comida e cerveja – muita cerveja. De vez em quando, era preciso navegar em círculos pelo Grande Lago Amargo, para manter os motores em ordem. Organizaram jogos de futebol, festas de Natal e até um arremedo de Olimpíada. 

O canal foi reaberto e limpo em 1975. A partir daí, passou por obras de expansão. A última delas rolou em 2015. Ao custo de US$ 8,5 bilhões, duplicou alguns trechos da rota. Hoje, o Egito fatura US$ 5,6 bilhões por ano com Suez – 2% do PIB do país. E está cobrando US$ 550 milhões em indenização da empresa que opera o Ever Given.

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(Juliana Krauss/Superinteressante)
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Infográfico: navegue por Suez

Nas imagens abaixo, explicamos todo o funcionamento do canal: a chegada dos navios, a formação dos comboios, as leis de trânsito que regem Suez, o cálculo das taxas… Para conferir tudo isso, basta clicar em cada uma das ilustrações para visualizar os infográficos.

Parte 1 – Suez e Porto Tawfik

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(Ilustração: Rodrigo Damati | Design: Juliana Krauss/Superinteressante)

Parte 2 – Grande Lago Amargo e Ismaília

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(Ilustração: Rodrigo Damati | Design: Juliana Krauss/Superinteressante)

Parte 3 – Porto Said e Porto Fuad

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(Ilustração: Rodrigo Damati | Design: Juliana Krauss/Superinteressante)
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