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11 de setembro: o que veio depois

O ataque terrorista contra os EUA chocou o mundo e deu origem às guerras do Afeganistão e do Iraque. Mas também ajudou muita gente a comprar casa própria, mudou a programação dos cinemas e fez a alegria de banqueiros, nudistas e até de fabricantes de talheres. Veja quais são os efeitos menos conhecidos - e mais surpreendentes - dos atentados de 11 de Setembro.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h23 - Publicado em 15 nov 2011, 22h00

Tiago Cordeiro e Bruno Garattoni

Entre as 8h46 e as 10h28 do dia 11 de setembro de 2001, dois aviões atingiram o World Trade Center, em Nova York. Um terceiro foi jogado contra o Pentágono, nos arredores de Washington, e o último caiu em um campo na Pensilvânia. Morreram 2 993 pessoas e mais de 6 200 ficaram feridas. O maior ataque terrorista da história resultou na invasão do Afeganistão, na segunda Guerra do Iraque e no que alguns especialistas consideram o início de uma nova era para a humanidade, marcada pelo confronto entre o Ocidente cristão e o Islã. Tudo isso já está nos livros de história. Mas o que não está – e que só agora, com os atentados completando 10 anos, começa a ficar claro – são as consequências do 11 de Setembro para o dia a dia da maioria das pessoas, de quem só viu tudo de longe, pela TV. Sim, a queda das Torres Gêmeas provavelmente mudou sua vida para sempre. Veja como.

Os ataques de 11 de Setembro provocaram um baque econômico gigantesco. A Bolsa de Nova York fechou, o que não acontecia desde a Segunda Guerra Mundial, e só nos 3 dias seguintes aos atentados o governo dos EUA injetou US$ 300 bilhões no mercado financeiro para tentar evitar uma crise. Nos meses seguintes, Nova York ganhou US$ 20 bilhões para obras de reconstrução, e os militares viram seu orçamento anual crescer 25% e chegar a avassaladores US$ 500 bilhões (5 vezes o que o governo federal brasileiro gasta com saúde e educação). Mas a economia continuava paralisada – com medo de novos ataques, ninguém queria investir em nada.

Quando isso acontece, só existe uma maneira de forçá-la a andar: dar dinheiro para que as pessoas consumam. E a Casa Branca decidiu ajudá-las a comprar o bem mais valioso de qualquer família, a casa própria. “Havia uma demanda muito grande por imóveis nos EUA. Era um mercado estrangulado”, explica o economista britânico Richard Youngs, da Universidade de Warwick. Então o governo abaixou os juros, e os bancos começaram a emprestar cada vez mais dinheiro para financiamentos imobiliários. Funcionou: contrariando as piores previsões, os EUA nem chegaram a entrar em recessão.

Só que mesmo quem já tinha casa ou não tinha dinheiro recebia crédito, até que o pior acabou acontecendo. As pessoas pararam de pagar. E, como os bancos tinham o hábito de revender os financiamentos uns para os outros (prática que tinham inventado para ganhar mais), isso gerou uma reação em cadeia que fez vários deles quebrarem e provocou a crise financeira global que abalou o mundo inteiro em 2008 e 2009. Aí, o governo deu dinheiro para salvar os bancos – e sua dívida explodiu, o que quase fez os EUA darem calote em agosto.

Ou seja: sem saber, Osama acabou ajudando milhões de americanos, provocou uma crise econômica mundial e quase levou os EUA à bancarrota. “A crise imobiliária só surgiu porque havia crédito em excesso e um espírito de reconstrução dos EUA. Fazia todo sentido responder à barbárie terrorista com uma era de crescimento”, diz o economista Simão Davi Silber, da Universidade de São Paulo (USP).

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Determinados a combater o terrorismo a qualquer preço, os EUA tomaram medidas radicais. O governo passou a grampear secretamente e-mails e telefonemas da população. Criou cadeias à margem da lei (como a de Guantánamo, que não obedece às regras jurídicas do país) e usou tortura contra suspeitos de terrorismo – que podem ser presos por tempo indeterminado, mesmo sem provas ou sequer uma acusação concreta. Por tudo isso, há quem diga que os EUA se tornaram um Estado policial. Mas, enquanto isso, sua polícia ia para o brejo.

No primeiro semestre de 2002, 500 agentes do FBI foram transferidos do combate ao crime para as ações antiterrorismo e foi criado o Homeland Security, um gabinete de segurança nacional com US$ 38 bilhões de orçamento. Enquanto isso, os crimes nas ruas dos EUA simplesmente dispararam: pularam de 800 mil casos em 2000 para 1,28 milhão em 2003 e 1,43 milhão em 2006. “Nós abandonamos os programas de combate ao crime”, diz o ex-policial e consultor de segurança americano William Bratton. “Muitas delegacias sofreram cortes bruscos no orçamento, e o número de policiais nas ruas caiu”, diz. O nível de roubos e furtos nos EUA só parou de crescer em 2007 e continua muito acima dos índices de 2000.

Enquanto perseguiam duramente seus inimigos no exterior, os americanos foram surpreendidos pelo crime doméstico – simplesmente porque descuidaram dele. Até a cidade de Nova York, onde todos os tipos de crime caíram durante a última década, parece sofrer um reflexo dessa onda de violência urbana: em 2010, o número de homicídios na cidade cresceu 16%.

Garfos, facas e nudez

A queda das Torres Gêmeas deixou uma montanha inacreditável de entulho, com centenas de milhares de toneladas. Mas, dentro dela, havia um material valioso: aço, que formava boa parte da estrutura das torres. Aproximadamente 185 milhões de quilos desse metal foram extraídos das ruínas. A maior parte acabou no lixo, mas 60 milhões de quilos tiveram um destino incrível. Foram vendidos para siderurgias da China e da Índia, que compraram o metal para reciclar e utilizar em vários produtos, entre eles talheres e utensílios de cozinha. Talvez você tenha um pedaço do World Trade Center em casa e nem saiba.

Mas os americanos também tinham consciência da importância histórica e espiritual dos destroços. Vários pedaços foram guardados como registro histórico, e aproximadamente 170 quilos do entulho foram recolhidos pelo exército dos EUA, que o distribuiu entre os soldados enviados para a Guerra do Afeganistão. O objetivo era lembrá-los do motivo pelo qual estavam lutando.

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Quem não foi à guerra sentiu o clima bélico nos aeroportos, onde muita coisa mudou. Para impedir que alguém voltasse a sequestrar ou explodir aviões, os EUA criaram a Transportation Security Authority (TSA), uma agência com 55 mil funcionários (5 vezes o número de todos os funcionários da Infraero, que administra os aeroportos brasileiros) só para cuidar da segurança aérea nos EUA. Deu certo. Desde 2001, os americanos não sofreram mais nenhum grande atentado. Só que, além de barrar os terroristas, isso também teve um lado ruim: transformou o ato de viajar num inferno. Leva-se em média 3 horas para fazer o check-in e passar por todas as verificações de segurança exigidas pela TSA, que podem incluir até nudez (mais sobre isso daqui a pouco). Tudo em meio a placas com um aviso intimidante: “Fazer piadas durante a revista pode resultar em penalidades civis e criminais”. Em 2004, dois brasileiros ficaram um mês presos e tiveram de pagar US$ 15 mil por brincar com um agente do Aeroporto de Miami: “Já encontrou a bomba na nossa mala?”

Já houve prisão até entre os próprios empregados da TSA. Rolando Negrin, de 44 anos, é um típico funcionário da agência. Trabalha muito, ganha pouco e é despreparado – conclusões do próprio governo americano. Durante um treinamento, Negrin teve de passar por um novo tipo de escâner: o backscatter (escâner corporal), um raio X de alta tecnologia que gera imagens da pessoa nua. Fora o rosto, dá para ver absolutamente tudo – é como ficar pelado na frente dos seguranças. Um deles riu do pênis de Negrin, que partiu para a agressão.

O escâner nudista, que já está presente em 78 aeroportos dos EUA, é considerado por alguns a maior invasão de privacidade de todos os tempos: nunca, nem durante a Segunda Guerra Mundial, um governo exigiu a nudez pública de milhões de pessoas. Mas os passageiros podem se recusar a passar pela máquina. Nesse caso, a pessoa é encaminhada para um apalpamento. É uma resposta ao caso de Umar Abdulmutallab, que em 2009 tentou explodir um avião da Northwest Airlines com explosivos na cueca. O problema é que a revista é bastante, digamos, intensa – o agente aperta e toca demoradamente as partes íntimas da pessoa. Isso gerou múltiplas acusações de abuso sexual e até de pedofilia contra os agentes da TSA, que já protagonizaram absurdos como apalpar uma criança de 3 anos e exigir que uma velhinha de 95 anos tirasse a fralda geriátrica.

A paranoia é tão intensa que às vezes chega a ser engraçada. Como no caso de Tammy Banovac. Loira, 52 anos de idade e ex-coelhinha da Playboy, ela foi até o Aeroporto de Oklahoma com uma passagem de avião para Phoenix. Vestindo uma capa de chuva, se recusou a passar pelo escâner e logo tirou a capa, mostrando que usava apenas calcinha e sutiã. Foi interrogada e perdeu o voo. O escâner corporal também foi aplaudido pela Associação Americana de Nudismo, que viu nele um apoio à sua causa.

Inimigos patetas

“Petróleo é dinheiro. E gera uma onda de corrupção que vai de Houston até o Oriente Médio, engolfando empresários, príncipes, espiões, operários e terroristas.” Parece a sinopse de um filme que ganharia o Oscar? Syriana (2005) tem um roteiro denso e complexo, que junta fundamentalismo, multinacionais e ações clandestinas da CIA. É cabeça – mas ganhou, sim, um Oscar (dado a George Clooney, que faz o papel de agente do governo). “É o tipo de obra que, antes de 2001, não seria nem indicada”, diz Richard Jackson, professor da Universidade de Aberystwyth e autor de um estudo sobre terrorismo no cinema. Depois do 11 de Setembro, o número de filmes que tratavam do assunto disparou. E a abordagem mudou.

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Fora dos EUA, os terroristas são tratados como amea­ça. Um bom exemplo é Guerra ao Terror, de 2008, que se passa no Iraque. Mas, quando o filme se passa em solo americano, tudo muda – e eles viram um bando de incompetentes cujos ataques nunca dão certo.

“Os americanos não veem nenhum problema em mostrar a Casa Branca destruída por ETs. É porque não acreditam que isso possa acontecer. Por outro lado, nunca mais houve algo como Nova York Sitiada [filme de 1998 em que a cidade sofre atentados], pois esse medo existe de verdade”, explica o crítico inglês Alec Charles, professor da Universidade de Belfordshire. Até o polêmico diretor Oliver Stone, que no passado ousou retratar a morte de John Kennedy como uma conspiração, foi cauteloso com o 11 de Setembro. Em As Torres Gêmeas, de 2005, só conta a história de dois sobreviventes (não mostra nem o choque dos aviões). Ou seja: ao mesmo tempo que abraçou o terrorismo como assunto, Hollywood descaracterizou os terroristas.

Uma das cenas divulgadas pelos EUA após a morte de Osama bin Laden mostra o terrorista observando a si próprio numa pequena TV. Mas ele jamais poderia prever qual seria sua real influência nas telas.

Duas pilhas e um segredo

Dívida do governo americano

ANO 2000: US$ 4 trilhões

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2011: US$ 14,5 trilhões

Fonte Departamento do Tesouro Americano

A Al Qaeda mora ao lado

Número de crimes cometidos nas cidades dos EUA, em milhões

2000 – 0,89

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2009 – 1,32

Fonte FBI Uniform Crime Report

Oscar Bin Laden

Número de filmes de hollywood com temática terrorista

Década de 1970: 39 filmes

Anos 2000: 79 filmes

Fontes Richard Jackson, professor de política internacional da Universidade de Aberystwyth, e Martin Barker, professor de estudos de teatro, filmes e cinema da Universidade de Aberystwyth

 

Para saber mais
Behind the Backlash: Muslim Americans After 9/11
Lori Peek, Temple University Press, 2011

Guerra Irregular
Alessandro Visacro, Contexto, 2009

 

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