15 anos de Super
Há 15 anos, numa manhã de setembro de 1987, a Superinteressante chegava às bancas. Conheça os melhores momentos dessa história
Denis Russo Burgierman
E ainda me pagam para isso. Este mês, minha principal incumbência aqui na Super foi ler a Super. Passei semanas enfurnado entre as 180 edições que já publicamos, fuçando o maravilhoso CD-Rom recém-saído do forno com toda a história da revista, vasculhando os arquivos da Editora Abril em busca de pistas. Tudo isso para tentar reconstruir os 15 anos de história da Super.
Essa história começou em 1987, quando a Editora Abril comprou os direitos de publicar no Brasil a revista espanhola Muy Interesante. A idéia era simplesmente traduzir para o português as matérias da Muy, mantendo as páginas exatamente iguais. A revista seria impressa com o fotolito enviado da Espanha – fotolito é a chapa metálica que carimba a tinta no papel. Parecia uma idéia ótima: a Muy era um sucesso, assim como suas irmãs na Alemanha, na França, na Itália. O que poderia sair errado?
Mas ninguém contava com um detalhe técnico. “Quando levamos o fotolito para a gráfica, percebemos que o tamanho era diferente do que usávamos aqui”, diz o jornalista Almyr Gajardoni, o primeiro diretor de redação da Super. Foi só por causa dessa confusão que decidiu-se que a versão brasileira faria suas próprias matérias. Hoje, o fluxo se inverteu: a Super é que fornece material para as irmãs espalhadas pelo mundo.
A estréia foi em grande estilo. Nada menos que 2 milhões de exemplares de uma revistinha de 20 páginas foram impressos e distribuídos gratuitamente, dentro de outras revistas da Abril. A amostra grátis incluía uma discussão densa sobre a inteligência dos robôs, um debate sobre a existência de planetas fora do sistema solar e de seres vivos morando neles, e uma matéria singela sobre a vida amorosa dos animais, além de seções variadas, inclusive aquela que se revelaria a preferida dos leitores – “Perguntas Superintrigantes” (que hoje atende só pelo sobrenome: “Superintrigante”).
Quinze dias depois, no fim de setembro de 1987, chegou às bancas o número 1, com um trem-bala na capa – uma boa imagem para representar a rapidez com que a revista se esgotou. Em poucos dias, já não se encontrava uma para comprar. A Abril reimprimiu o número 1 e ele esgotou outra vez. No primeiro dia da Super nas bancas, 5 000 pessoas já eram assinantes. “Aquela revista inovadora, que prometia me explicar de modo simples como as coisas complexas funcionam, me arrebatou”, diz a socióloga paulistana Ana Maria Tetti, de 55 anos, uma das que fez sua assinatura logo no primeiro dia.
De lá para cá, 15 anos de história da ciência e da tecnologia foram contadas pelas páginas da Super. Em junho de 1988 (uma edição que marcou os leitores por ter sido a primeira revista brasileira a trazer uma holografia na capa: uma imagem tridimensional de um cavalo-marinho), uma matéria sob o título “O livro da vida, edição integral” explicava pela primeira vez o que era o Projeto Genoma, na época ainda uma idéia no papel, em busca de dinheiro. O assunto voltou à Super diversas vezes até a conclusão desse que foi o maior projeto da história da ciência, em fevereiro de 2001.
A busca por extraterrestres é outro grande assunto cuja história a Super acompanhou. Para fazer a matéria de capa de março de 1989, a reportagem da revista foi para Washington documentar os planos para a criação do Seti (sigla inglesa de busca de inteligência extraterrestre), um megaprojeto de rastreamento de ondas de rádio no espaço, que só começaria em 1992. A busca por ETs voltou para as páginas da revista várias vezes depois disso, até a capa de dezembro de 1999, na qual prometíamos que “No século XXI faremos contato” (a reportagem afirma que, se há inteligência extraterrestre – e é bem possível que haja – certamente a encontraremos no século que estava para começar).
O leitor fiel da Super também ficou sabendo antes que os outros dos planos de construção da Estação Espacial Internacional. Em agosto de 1989, a matéria “Uma casa em órbita” descrevia a estação espacial Freedom, um projeto americano que depois ganharia a adesão da Rússia e de vários outros países e mudaria de nome. A atualíssima polêmica dos transgênicos já estava na Super também em abril de 1989, numa matéria visionária que discutia as implicações éticas e ecológicas de misturar genomas.
Mas o mais divertido é procurar na Super os primórdios da revolução tecnológica pela qual passamos. Quando a número 1 chegou às bancas, o conceito de computador pessoal ainda era novidade no Brasil. Uma promoção da revista oferecia como prêmio um micro Spectrum ED, da Scopus, com tela verde e possibilidade de conexão ao videotexto (o tataravô da internet, um serviço mantido pela companhia telefônica no qual era possível enviar mensagens e ler alguns textos online).
Na segunda edição, de novembro de 1987, uma notinha anunciava que a Universidade da Flórida estava desenvolvendo o supercomputador mais veloz do mundo – uma máquina do tamanho de uma geladeira, capaz de fazer dez bilhões de cálculos por segundo. Parece muito? Pois é só um pouco mais do que um Pentium 4 atual, desses que podemos ter em casa (o supercomputador mais rápido do mundo, hoje, faz 35 trilhões de cálculos por segundo).
Em 1990, a Super anunciava a “faxmania”: “No mundo das comunicações, a mais nova atração é o aparelho que reproduz e transmite papéis pelo telefone”. O fax tinha acabado de ser eleito pela revista americana Discover “a máquina do ano” e invadia os lares de milhões de americanos. A matéria contava até a história de um artista plástico que criava obras de arte com o aparelho (“é a telearte, em que um artista dialoga com outro à distância, rompendo a postura egocêntrica do criador”, dizia ele). Como iríamos imaginar que a revolução da internet tornaria a “faxmania” assunto para historiadores?
Mas quem lia a Super todos os meses certamente não se surpreendeu com a tal revolução. Em setembro de 1988, o leitor foi apresentado a um mundo novo na visionária matéria “Tudo por telefone”, uma preciosidade para quem gosta da história da tecnologia e da nossa relação com ela. O texto narra situações que, na época, pareciam impensáveis: um sujeito liga para a secretária de dentro do seu carro e avisa que vai se atrasar para uma reunião. Depois telefona para a mulher e pede que ela mande digitalmente para o escritório um documento importante que ele deixou em casa. Duas pessoas distantes uma da outra olham para a mesma tela de computador. Fax, celular, internet, a Super estava vendo algo no horizonte.
Em junho de 1993, a matéria “Shopping eletrônico” voltou a mostrar um relance do futuro: “Por telefone, computador ou televisão, pode-se comprar de roupas a eletrodomésticos sem sair de casa”. Naquele mesmo ano, em setembro, a Super ensinava o caminho: “Para quem já tem o micro e o Windows, uma placa que pode custar em torno de 110 dólares é o passaporte para entrar em rede mundial”. Era a primeira vez que a palavra “modem” aparecia na revista. Certamente não a última. Em dezembro, noticiamos que os computadores tinham passado os carros em vendas. No mês seguinte, a revista se tornou a primeira a tratar de um assunto que depois rendeu centenas de matérias: “Paquera no ciberespaço” (um lugar que “só existe na memória do computador”).
Mas, até então, aquela palavrinha que hoje qualquer um de nós pronuncia quase todos os dias jamais tinha sido impressa em nossas páginas: internet. Isso foi acontecer em julho de 1994. A matéria histórica começava assim: “Você já foi à Internet? É o lugar da moda”. Na época, o tal lugar da moda era freqüentado exclusivamente por pesquisadores universitários e funcionários graduados dos governos. Boa parte do mundo estava desconectada (um mapa na matéria mostrava que toda a Europa, com exceção do Reino Unido, da Escandinávia e da Rússia, estava ainda fora da rede). Mas a reportagem antevia suas possibilidades. A matéria trouxe a primeira entrevista por internet da nossa história – um bate-papo com um aluno do MIT.
Outra novidade: em setembro, pela primeira vez publicamos um endereço de e-mail na Super: barrwa@puc001. pucsp.ansp.br (naquela época, ainda não tínhamos percebido que os endereços podiam ser um pouco mais simples). O e-mail era de Wagner Barreira, o repórter que assinou a excelente matéria sobre o futuro online. (Wagner recebeu 14 e-mails comentando a matéria! Hoje, cada um de nós aqui na Super recebe umas dez vezes esse número todos os dias.)
Àquela altura, já se sentia o cheiro da revolução. Em novembro, a matéria “Internet S.A.” trazia a novidade de que a rede se prestaria para negócios. Em janeiro de 1995, falamos de “internetiqueta” – já estava nascendo a cultura da rede, quase um ano antes da sua explosão no Brasil. Em abril, ensinávamos como se ligar a ela. Daí em diante, o mundo mudou.
Mas não foi só ele. A Super mudou junto, e muito, nesses anos todos.
Aquela edição que esgotou nas bancas em 1987 se parecia pouco com esta que você tem em mãos, a não ser pela vontade de surpreendê-lo. No começo, a Super, embora fosse radicalmente diferente de todas as outras revistas que existiam, tinha um aspecto meio conservador. Os textos corriam em colunas, as fotos ficavam confinadas nos cantinhos e serviam só para ilustrar – havia muito pouca integração entre texto e arte.
A grande reforma gráfica de novembro de 1994, capitaneada pelo segundo diretor da Super, Eugênio Bucci, chacoalhou tudo isso. A revista ficou mais informal, mais “pop”. Ganhou até um apelido: começamos a chamá-la de Super, em vez do reverente “Superinteressante”. Foi aí que a palavra “infográfico” entrou definitivamente no nosso vocabulário, para designar aquelas ilustrações primorosas acompanhadas de bloquinhos de texto que viraram marca registrada da Super. Luiz Iria, o multipremiado infografista que até hoje faz das suas aqui na Super (dizem que, na casa dele, em Santos, Iria usa troféus de infografia como peso de papel e para segurar as portas, mas não sei se é verdade), chegou pouco depois.
Duas matérias infografadas do Luiz desse período marcaram época na Super: “Golpes de mestres”, de novembro de 1997, sobre artes marciais, e “Montado na fúria”, de agosto de 1998, sobre rodeios. Elas transportavam para as páginas toda a ação desses esportes – mostrando os principais movimentos, segundo a segundo, com muita informação. Ambas faturaram a medalha de ouro do Prêmio Malofiej, da Espanha, como melhor infográfico de esportes do mundo, além de prêmios nacionais, como o Esso e o Abril, e foram traduzidas por dezenas de revistas mundo afora.
Em novembro de 1998, Eugênio Bucci foi dirigir a Quatro Rodas e o redator-chefe André Singer assumiu a revista. Mais uma vez, a mudança de direção veio com uma mudança na cara da Super. André, que, além de jornalista, é cientista político da Universidade de São Paulo, trouxe para a Super o interesse pelas ciências humanas (anos antes, em 1994, quando Fernando Henrique foi eleito presidente pela primeira vez, ele já havia escrito uma matéria de capa sobre os pensadores que formaram a cabeça de FHC). Assuntos de economia começaram a aparecer na revista, ao lado dos tradicionais temas científicos, mas sempre tratados do nosso jeito. Por exemplo, em 1999, a matéria “O Brasil na caçapa” infografava a crise que abalara o real representando-a como uma mesa de sinuca.
Em agosto de 2000, mais uma mudança. Adriano Silva chegou com a proposta de informalizar ainda mais a revista – diminuindo a distância com o leitor, conversando com ele. A idéia era manter o rigor e a seriedade que já eram esperados da Super, mas acrescentar temas polêmicos, como drogas, eutanásia, aborto. A inquietude espiritual do começo do milênio e os conflitos religiosos que se tornaram mais e mais comuns impuseram à revista um maior peso para as grandes discussões. A fórmula fez sucesso. A revista nunca vendeu tanto: em 2001, foram comprados 111 000 exemplares – em bancas e supermercados –, em média, por mês (no ano anterior, a média ti-nha sido de 93 000; dois anos antes fora de 80 000; dez anos antes, 40 000).
Manteve-se a tradição de fazer grandes reportagens, verdadeiros dossiês. Foi o caso da edição de outubro de 2001, lançada logo após o atentado a Nova York. A Super tentou entregar ao leitor tudo o que não estava em nenhum outro lugar da imprensa: o funcionamento da mente de um terrorista, a história do terror, uma discussão sobre o que é terrorismo, várias matérias sobre o Islã.
Essa tradição de grandes reportagens teve sua origem na edição de junho de 1991, com a série de matérias “Como se alimenta o brasileiro”, que valeu ao redator-chefe Luiz Weiss o Prêmio Esso de Jornalismo. Para fazer essa reportagem, a Super encomendou uma pesquisa no Brasil todo sobre os hábitos alimentares nacionais. A matéria trouxe muita informação nunca antes publicada e a constatação surpreendente de que o prato preferido da nação não é a feijoada. É a lasanha.
Outras grandes reportagens da Super foram as que redescobriram personagens importantes da nossa história. Em novembro de 1995, fomos para Alagoas procurar Zumbi e entregamos ao leitor uma reconstituição inédita do quilombo de Palmares e da batalha que o destruiu. Se essa matéria reabilitou um herói que estava esquecido, a reportagem de capa de junho de 1997 fez o contrário: questionou um herói que todos admiravam. A lindamente diagramada “O bandido mais amado do Brasil” (toda impressa sobre um fundo de couro) contava tudo sobre Lampião e teorizava sobre por que um bandido que seqüestrou, estuprou e matou gente inocente era tão popular.
Em fevereiro de 2000, foi a vez de Antônio Conselheiro. A matéria, feita nos confins do sertão baiano, contava que o líder de Canudos não foi um monarquista revolucionário nem um fanático religioso. Foi um pregador comum, que fundou uma cidadezinha comum e teve o azar de trombar com o clima político tenso de uma época em que não estava claro se a República tinha vindo para ficar.
Em janeiro de 1996, para celebrar a edição número 100, elegemos 100 motivos para se orgulhar da ciência brasileira. Em setembro de 1998, comemorando os 11 anos, convocamos uma seleção de 11 grandes cientistas do país. Ainda mais complexa foi a tarefa de abril de 2002, quando entrevistamos 118 pessoas para escolher as 18 pessoas mais capacitadas para serem os ministros da nação. Ainda na linha cívica, em junho deste ano, entregamos o Prêmio Super Ecologia para os melhores projetos ambientais do Brasil. O prêmio máximo ficou para o Programa 1 Milhão de Cisternas Rurais, um projeto de erradicar a sede do sertão nordestino.
E, já que estamos falando em prêmios, a Super também ganhou alguns. Este ano, o Prêmio Malofiej nos deu o título de revista que melhor usa infográficos no mundo. Em 2001, o Prêmio Abril escolheu a Super como a Revista do Ano, título que defenderemos em outubro, no Prêmio Abril 2002. Dez anos antes, já tínhamos ganho o Prêmio José Reis de Divulgação Científica, dado ao órgão de imprensa ou instituição que mais se destacou no país. Fora algumas dezenas de prêmios por matérias específicas.
Resumindo, foi isso que aconteceu nesses anos todos. Que venham os próximos 15.