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A festa do desperdício

Segundo o ecólogo, Mathis Wackernagel, a humanidade gasta 20% a mais do que a capacidade do planeta de renovar seus recursos.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h26 - Publicado em 31 ago 2003, 22h00

Flávio Dieguez

Em muitos países, a vida se passa como se todo dia fosse uma comemoração: há sempre comida, serviços e recursos na quantidade que se desejar. Só que, como em toda festa, chega uma hora em que é preciso saber quem vai pagar a conta desse banquete. Foi o que pesquisou o ecólogo Mathis Wackernagel, da ONG Redefining Progress (“Redefinindo progresso”), com base na Califórnia, Estados Unidos. O resultado foi que estamos fazendo com o planeta o mesmo que os clientes mais desavisados fazem em relação aos bancos: estamos entrando pesado no cheque especial. Segundo seus cálculos, desde a década de 1980, a humanidade consome mais do que a Terra pode produzir. Nesse momento, já estamos no saldo negativo – gastamos 20% a mais do que a capacidade do planeta de renovar seus recursos. Uma solução seria aumentar o planeta, mas, como isso é impossível, restam duas saídas.

Uma delas é a daquele sujeito endividado que, para não diminuir o padrão de consumo, faz hora extra ou arranja um bico no fim de semana. Seria equivalente a colonizar outro planeta. Como isso também não vai ser fácil, é bom pensar na segunda solução, que é a velha e boa receita do corte de despesas e racionalização dos gastos. É o que sugere Wackernagel. Sua pesquisa mostra, contudo, que teríamos que trocar os banquetes por comemorações bem mais frugais. Se dividíssemos toda a área produtiva do planeta igualmente entre nós, cada habitante teria que extrair seu sustento de um espaço menor do que dois quarteirões .

Muitos cientistas já haviam tentando, sem êxito, calcular a produtividade de todo

o planeta. Wackernagel simplesmente compilou os dados disponíveis, fornecidos pelos governos e checados por organismos internacionais, sobre o consumo de centenas de produtos- chaves, como carne, cereais ou madeira. Depois, calculou a área utilizada em cada país para a produção desses itens. Por fim, acrescentou o espaço das cidades e das obras de infraestrutura. Somou tudo, dividiu pela população mundial e verificou que a área total por habitante é 20% maior do que os espaços do planeta capazes de se regenerar.

O críticos da pesquisa argumentam que esses números são pouco precisos e sujeitos a erro. Mas Wackernagel diz que pior do que confiar em seus cálculos é continuarmos na situação atual, sem sabermos o que acontece no planeta. É como se estivéssemos endividados e as cobranças começassem a chegar. “Precisamos ter algum tipo de contabilidade. Hoje estamos basicamente rasgando as contas e dando de ombros, mas isso não faz a dívida sumir.” Sua idéia agora é se tornar um “contador” do planeta, fazendo anualmente o balanço do consumo e da capacidade de regeneração dos recursos naturais.

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A pesquisa de Wackernagel foi comparada aos trabalhos do economista inglês Thomas Malthus, que, em 1789, previu que o aumento da população cedo ou tarde superaria a capacidade da Terra. A idéia tinha sido desmentida pelos sucessivos aumentos de produtividade propiciados pelo progresso tecnológico. Só que os cálculos de Wackernagel mostram que os rendimentos não cresceram o suficiente para suprir o consumo. Com ou sem tecnologia, já estamos passando cheque sem fundo no planeta. Nada garante que a dívida não vá continuar crescendo – “a não ser medidas concretas de racionalização do consumo planetário”, diz o ecólogo. No final, a festa pode estar sendo boa para aqueles que foram convidados. Mas a ressaca vai ser forte.

A nossa fatia

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O espaço produtivo do planeta reservado para cada pessoa

A Terra tem 51 bilhões de hectares (1 hectare é o tamanho de um quarteirão com 100 metros de cada lado). Só podemos usar 22% desse espaço – o resto são áreas não produtivas e oceanos. Há também terrenos não-renováveis, que não devemos explorar sob o risco de torná-los inúteis. O que resta, dividido igualmente por cada pessoa, é o sítio de 1,9 hectare que está aí embaixo. Estamos invadindo áreas de floresta que nos dão mais 0,35 hectares. Resta saber até quando isso vai durar

Mares

A faixa de áreas costeiras, somada aos rios, poderia dar 12 quilos de peixe por ano a cada pessoa da Terra. Isso é só 1,5% das calorias de que precisamos

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Agricultura

A horta de cada um de nós teria comprimento de 150 metros e largura de apenas 16,7 metros. Daí teriam que sair comidas, fibras, óleos e borrachas vegetais

Pecuária

A área de pasto seria um terreno medindo 40 metros de uma lateral à outra. Os animais que coubessem aí seriam nossa única fonte de carne, couro, lã e leite

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Construções

Nessa faixa de 20 metros de largura teríamos que encaixar as fábricas, usinas, estradas, casas, depósitos de lixo, poços e todas as obras de que necessitamos

Madeiras

Uma tira de floresta de 16,7 metros de largura é o lugar de onde retiraríamos madeira e combustíveis vegetais como carvão

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Rios

Cada terráqueo teria um trecho de córrego de um quarto de hectare para extrair água e peixes

Florestas

Essa é a área de 0,35 hectare de recursos naturais não renováveis para onde esticamos a cerca. Podemos até explorá-la, mas pagaremos por isso no futuro

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