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A humanidade usa “literalmente” errado há 300 anos (pelo menos)

Você é daqueles que passa raiva quando alguém literalmente - quer dizer, figurativamente - enche a boca para falar coisas nada literais?

Por Ana Carolina Leonardi Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 8 fev 2018, 15h48 - Publicado em 7 fev 2018, 14h52

Todo mundo já usou “literalmente” errado, pelo menos uma vez na vida. Pode ter sido um deslize, num papo descontraído, que te persegue até hoje. Pode ter sido no Twitter, para comentar o BBB18 (para os preocupados, Jaqueline está literalmente viva e passa bem, só foi eliminada mesmo).

Ou então você, como o dicionário americano Webster’s, já aceitou que “literalmente” é tão usado de forma incorreta que vale mais a pena só aceitar que ele se tornou um sinônimo bem enfático de “figurativamente”.

Mas as pessoas não estão nada dispostas a levantar essa bandeira de paz: culpam os millenials, a educação de má qualidade, as Kardashians. Além de tudo, o ódio ao mau uso de “literalmente” já rendeu belas piadas em séries, de Friends ao cartoon Archer, passando por este belo discurso da Jane Fonda em Newsroom:

“Quando eu digo que vou literalmente incendiar esse prédio com vocês dentro antes de entregar as chaves dele, vocês não conseguem saber se minha intenção é literal ou figurativa”.


Mas a verdade é que esse não é um fenômeno recente. Pelo contrário: vem de mais de 400 anos. Já em 2005, a revista Slate estava investigando as origens desse vexame linguístico, que começa no século 17.

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Antes disso, existia o significado tido como original de literalmente: traduzido ou transmitido palavra por palavra, sem alterações. Podia simbolizar a precisão de uma tradução de uma língua para outra: “traduzido literalmente do francês” dá a entender que vai ser mais próximo do original do que “adaptado do francês”, né?

A mesma coisa vale para atribuir autoridade: mesmo que um zé ninguém venha te repassar uma ordem do chefe, se ele diz que aquilo é literalmente, palavra por palavra, o que o chefe te pediu, você sabe que é melhor não duvidar.

E aí é que tá: aos poucos, o literalmente ganhou a função de “intensificador da veracidade”, segundo o editor do dicionário de Oxford contou à Slate. Foi aí que ele começou a ser usado para enfeitar hipérboles. Daí, foi um pulo para alguém começar a hiperbolizar frases cheias de figuras de linguagem. E assim, literalmente ganhou inversão completa de sentido.

Duvida? Então toma aqui um exemplo de 252 anos de idade, encontrado pelo Language Log, um blog do Instituto de Ciência Cognitiva da Universidade da Pensilvânia:

Eu considero, Madame, ser uma das circunstâncias mais sortudas de minha vida, a de ter esse momento de honra de receber seus comandos, e a satisfação de confirmar com minha língua o que meus olhos talvez expressão muito fracamente – que eu sou, literalmente, o mais humilde de seus servos.

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(The Clandestine Marriage, 1776, de George Colman e David Garrick)

O livro de onde esse trecho foi extraído é sobre uma mulher rica e um homem pobre que se casam escondido. Mas o diálogo acima não é entre eles! A fala é de um lorde, homem que, por mais apaixonado que estivesse, não era, literalmente, servo de ninguém (e muito menos humilde).

Existem exemplos em livros mais recentes, e mais famosos, que também passam batidos: Mark Twain descreve Tom Sawyer como alguém “literalmente rolando em riqueza”, ainda que a intenção não fosse nada parecido com esta cena de Breaking Bad:

O uso invertido de literalmente, portanto, é muito mais antigo que as críticas a ele, que começam a aparecer só no século 20. Os dicionários que decidiram aceitá-lo, aliás, não fizeram isso para passar a mão na cabeça de quem fala “errado”, e sim por considerarem que qualquer língua evolui e pode mudar em um piscar (figurativamente) de olhos.

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