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A rebelião dos gigantes contra Zeus

Símbolos da arrogância, da violência e dos desastres naturais, os gigantes, filhos da Terra, ousaram desafiar o domínio de Zeus.

Por José Francisco Botelho
Atualizado em 13 mar 2020, 15h06 - Publicado em 10 mar 2020, 13h00

Mais um dia vinha nascendo sobre o bem ordenado mundo onde os olímpicos governavam. Lá no alto do monte sagrado, Zeus contemplava Eos, a Aurora, pintando o horizonte com seus dedos rosados. Em seguida veio Hélios, o Sol, dissipando os tons róseos de sua irmã com raios fortes. Mas antes que a manhã terminasse, o sossego do Olimpo foi destroçado. Um urro de guerra retumbou por toda a Grécia. Incrédulo, Zeus viu enormes projéteis de pedra cruzando o céu.

O alvo era o próprio Olimpo. Estava começando a Rebelião dos Gigantes – um estrondoso desafio contra a soberania suprema de Zeus. “O ar superior do Olimpo se tornaria tão conturbado e sem paz quanto a terra lá embaixo. Pois os gigantes aspiravam ao trono dos céus e construíram um caminho até as estrelas, empilhando montanha sobre montanha”, escreveu o romano Ovídio em As Metamorfoses, do século 1 a.C.

Os gigantes eram as temíveis criaturas nascidas quando o sangue de Urano salpicou a Terra. Seres de força imensa e tamanho colossal, pareciam humanos até a cintura. Mas, no lugar de pernas, tinham enormes serpentes enrodilhadas e sibilantes. Seus cabelos eram compridos e ásperos como pelos de animais selvagens.

Ao se levantarem da poça de sangue divino, já estavam cobertos por grossas armaduras brilhantes e empunhavam lanças grandes como árvores. Na Trácia, onde haviam nascido, os gigantes ergueram um reino cruel. Escravizaram os humanos das redondezas e passaram a viver como reis, desprezando todos os deuses. O ataque dos gigantes contra o Olimpo foi instigado por Gaia.

Ex-aliada de Zeus na guerra contra Cronos, ela mudou de lado ao ver os titãs, seus filhos, aprisionados no Tártaro. Vezes seguidas, ela havia suplicado ao senhor do Olimpo que os libertasse. Mas Zeus não lhe deu ouvidos: suas decisões eram supremas. Enfurecida, Gaia invocou Alcioneu, o rei dos gigantes. “Destrua os olímpicos e traga os titãs de volta!”, exclamou a Mãe Terra enfurecida.

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Olimpo sitiado

Por isso, naquela manhã, o rei do mundo ouviu os estrondos da rebelião explodindo à sua porta. Os gigantes haviam arrancado do solo grandes montanhas e rochedos. Empilhando-os, fizeram uma escada improvisada. Lá do alto, passaram a alvejar o Olimpo por todos os lados, lançando penhascos inteiros e enormes árvores em chamas.

Zeus reuniu os olímpicos para a batalha. Os gigantes ameaçavam destruir toda a ordem do mundo. Se eles derrotassem Zeus, os domínios de Poseidon e Hades também seriam ameaçados. Por isso, até o recluso senhor do inferno atendeu ao chamado de Zeus. Abriram-se as portas do mundo subterrâneo e o deus dos mortos veio em auxílio de seu irmão – irritados pela luz do sol, os cavalos de sua carruagem infernal soltavam jatos de vapor pelas narinas dilatadas. Até mesmo as ninfas dos rios e das florestas acorreram para salvar o monte sitiado.

Mas Hera – que havia herdado de sua avó, Gaia, o dom da clarividência – profetizou: “Os deuses só vencerão os gigantes se contarem com a ajuda de um mortal – um homem com pele de leão”. Palas Atena imediatamente se lembrou de Héracles, o mais poderoso dos humanos, filho de Zeus e da mortal Alcmena.

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Uma das marcas notórias de Héracles era o manto que usava sobre os ombros, feito com o couro cru do Leão da Nemeia, uma das feras monstruosas que o herói derrotou. Atena desceu do Olimpo e foi em busca de Héracles, que aceitou na hora a tarefa de salvar os deuses.

Agora, a tropa olímpica estava pronta. Os deuses investiram contra os sitiantes e a batalha sacudiu o mundo inteiro. “As nuvens ecoavam o estrondo das trombetas divinas… E mais uma vez, a natureza inteira mergulhou em confusão. O potente batalhão dos gigantes lançou todas as coisas em total anarquia. Ilhas foram arrancadas do mar, montanhas mergulharam nas águas, muitos rios ficaram secos, ou tiveram seu curso alterado”, escreveu o poeta romano Claudiano no poema A Batalha dos Gigantes, escrito no século 5.

Héracles partiu à frente, disparando suas flechas com pontas envenenadas – elas haviam sido embebidas no sangue mortífero da Hidra de Lerna, outro monstro derrotado pelo herói. Escapando à saraivada, Alcioneu se refugiou na Trácia, sua terra natal. Um das flechas de Héracles cravou-se nas costas do gigante. O sangue brotou, borbulhando com o veneno. Mas tão logo o corpo de Alcioneu tombou no chão, a flecha foi expelida e a ferida cicatrizou-se de imediato. Em um instante, o gigante estava de pé, revigorado. Por um momento, Héracles ficou aturdido. Mas Palas Atena lhe gritou um conselho: “Rápido, arraste-o para fora da Trácia; esse é o único jeito de matá-lo”.

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A deusa da sabedoria havia deduzido o segredo de Alcioneu: o gigante era invulnerável enquanto estivesse pisando na terra onde havia nascido. Héracles desfechou contra Alcioneu uma sucessão de golpes com sua imensa clava de madeira até lançar o gigante para fora das fronteiras da Trácia. E, sem perder tempo, o herói rachou o crânio do inimigo com uma bordoada.

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Os gregos acreditavam que erupções eram causadas por gigantes sob a terra – como Encédalo, preso sob o monte Etna. (Adams Carvalho/Superinteressante)

Enquanto isso, ao redor do Olimpo, a batalha continuava. Outro gigante, chamado Porfírio, havia conseguido escalar o monte sagrado. Tão logo pisou no palácio divino, agarrou a rainha Hera e rasgou-lhe as roupas. Suas intenções eram as piores possíveis. Mas antes que conseguisse consumar o estupro da deusa, foi atingido pelo relâmpago de Zeus e despencou do alto do Olimpo. Os outros gigantes bateram em retirada – mas nenhum conseguiu escapar da vingança.

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Brandindo seu tridente, Poseidon arrancou um penhasco e arremessou-o contra os fugitivos. O projétil acertou as costas do gigante Políbotes, que ficou soterrado sob o que hoje é a ilha de Nísiros, no Mar Egeu. Já o gigante Encédalo foi soterrado por Palas Atena sob a ilha da Sicília. Outros foram mortos na Arcádia e na região de Cumas, na Itália. Segundo os antigos gregos, as erupções e os terremotos, comuns em toda essa região, eram os movimentos dos gigantes soterrados, alguns deles ainda vivos debaixo de campos e montanhas, debatendo-se sem jamais conseguirem se libertar.

As erupções do Monte Etna, por exemplo, eram resultado da fúria impotente de Encédalo em sua prisão subterrânea. Assim como o sangue de Urano dera origem aos gigantes, o sangue dos gigantes também fecundou a terra. Segundo os mitos, as tribos que habitavam a Trácia, consideradas bárbaras e violentas por gregos e romanos, haviam nascido das poças formadas pelo sangue de Alcioneu e de seu exército colossal. “O sangue borbulhante tomou forma humana; surgiu uma nova raça, que também olhou os deuses com desprezo”, escreveu Ovídio. “Nesses homens, persiste uma apaixonada luxúria por violência e por massacres. Não é de estranhar que tenham nascido do sangue”.

Mas a fúria de Gaia ainda não havia sido aplacada. Após a destruição dos gigantes, a Mãe Terra tentou mais uma vez destruir o reinado do Olimpo. Invocou Tártaro, o deus sombrio que vive nas profundezas do Abismo. Do sexo tenebroso entre as duas divindades, nasceu Tifão. Ele foi o maior, o mais poderoso e o mais terrível monstro que o mundo já viu. E foi dele o último desafio contra o domínio de Zeus. Gigantesco, Tifão possuia cem cabeças. Mas acabou soterrado por Zeus sob uma montanha.

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