PRORROGAMOS! Assine a partir de 1,50/semana

Benjamin Franklin (provavelmente) nunca captou eletricidade com uma pipa

Estudo brasileiro explica detalhes do experimento. Confira os equívocos retratados nas ilustrações que ficaram no imaginário popular

Por Maria Clara Rossini
Atualizado em 23 Maio 2023, 19h32 - Publicado em 23 Maio 2023, 19h16

A ciência está cheia de imagens populares: a maçã caindo na cabeça de Newton; Darwin observando os tentilhões de Galápagos para formular a teoria da evolução; Curie segurando substâncias radioativas. Apesar de serem didáticas para o ensino de ciência, muitas vezes as situações retratadas são falsas ou no mínimo equivocadas. 

Esse é o caso da detecção da eletricidade por Benjamin Franklin. Reza a lenda que um dos “pais fundadores” dos Estados Unidos fez um experimento usando uma pipa para captar eletricidade de raios durante uma tempestade. A história rendeu diversas ilustrações como a que você vê abaixo.

Litografia da empresa Currier & Ives, de 1876.
(Bequest of A. S. Colgate, 1962/Divulgação)

Só que não foi bem isso que aconteceu – até porque o resultado seria fatal. Quem explicou essa história foi o pesquisador Breno Arsioli Moura, da Universidade Federal do ABC (UFABC), em um artigo publicado no periódico Science and Education.

Quem foi Benjamin Franklin

Benjamin Franklin (1706-1790) foi um dos líderes da Revolução Americana, que deu origem à Declaração de Independência dos Estados Unidos, em 1776. Por isso, é considerado um dos “pais fundadores” do país, junto com Thomas Jefferson, George Washington, entre outros nomes. Ele também é conhecido por estampar a nota de cem dólares americana.

Franklin era um polímata. Isso significa que ele tinha interesse e se ocupava com diferentes áreas, como política, religião, diplomacia, filosofia – e ciência. Dentro do campo científico, ficou famoso por suas descobertas relacionadas à eletricidade e por ter inventado o para-raios. (Vale mencionar que a eletricidade já era conhecida, e a grande contribuição de Franklin foi relacioná-la às nuvens e raios).

Continua após a publicidade

Para fazer essas descobertas, no entanto, Franklin não teve que empinar a pipa que ficou no imaginário popular.

Imprecisões históricas

Para começar, Franklin viveu no século 18, mas a maioria das ilustrações que mostram o cientista empinando uma pipa datam do século seguinte. No artigo publicado recentemente, Moura analisa sete ilustrações feitas no século 19. Todas elas mostram o filho do cientista, William, como uma criança ajudando o pai na empreitada. No entanto, William já era um jovem adulto de 21 anos quando Franklin propôs o tal experimento.

Em tese, a pipa seria usada para demonstrar que o raio tinha natureza elétrica. Só que essa história é uma simplificação de um outro experimento proposto por Franklin em 1750, conhecido como “experimento da guarita”. Vamos explicá-lo.

O experimento original

Neste experimento, uma guarita seria montada no topo de um prédio ou morro. Lá dentro, o indivíduo coloca um suporte isolante no chão, feito de cera. De lá sai uma haste vertical, metálica, comprida e pontuda, cuja extremidade fica para o lado de fora da cabine. O observador, por sua vez, fica protegido dentro da guarita e em cima do suporte isolante.

Continua após a publicidade
Figura original de Experiments and Observations on Electricity (1751), de Franklin, mostrando um esboço do experimento da guarita.
(Experiments and Observations, 1759, Plate I, Fig IX.)/Montagem sobre reprodução)

Segundo Franklin, a ponta do metal extrairia a eletricidade das nuvens. O indivíduo que aproximasse a mão da haste poderia obter algumas faíscas. O detalhe deste experimento é que ele não deveria ser feito durante uma tempestade, mas apenas com o tempo nublado.

Mas nem esse experimento Franklin realizou efetivamente. Isso só foi feito em 1752, por dois franceses. O cientista soube do sucesso francês – mas, quando foi mandar uma carta a um de seus correspondentes britânicos, ele descreveu uma versão mais simples do experimento, que havia sido feita na Philadelphia (EUA). E que usava, justamente, uma pipa.

Experimento simplificado

A pipa descrita por Franklin era feita de varetas e um lençol de seda, com um fio pontudo na extremidade superior. Ao final do barbante seria amarrada uma chave, que faria o papel da haste metálica do experimento anterior. O indivíduo seguraria a pipa com um pedaço de seda, que é material isolante. Assim, a eletricidade não iria para a mão da pessoa, mas ficaria “estocada” na chave.

Continua após a publicidade

Um detalhe importante é que, assim como o experimento da guarita, o da pipa jamais deveria ser feito durante uma tempestade com relâmpagos. Se um raio acertasse a pipa, quem quer que a estivesse segurando provavelmente morreria eletrocutado. O intuito era captar a carga elétrica ambiente durante uma chuva, e não do raio.

Outro equívoco das ilustrações é mostrar Franklin empinando a pipa em um campo aberto – o cientista deixou claro que quem realizasse o experimento deveria fazê-lo em um abrigo, para não molhar a seda. Muitas imagens, inclusive, nem mostram a seda, dando a impressão de que o indivíduo segurava diretamente o barbante.

Vinehta plucicada em notas bancárias dos Estados Unidos no final do século 19.
(Alfred Jones/Wikimedia Commons/Montagem sobre reprodução)

Em entrevista à Agência FAPESP, Moura diz que Franklin não especifica se o experimento de Philadelphia foi feito por ele mesmo ou outra pessoa. O artigo mostra que as ilustrações provavelmente derivam de outro relato escrito não por Franklin, mas por Joseph Priestley.

Continua após a publicidade

Relato de Priestley

Em 1767, o cientista Joseph Priestley publicou um livro intitulado The History and Present State of Electricity (“A História e o Presente Estado da Eletricidade”). O pesquisador descreve o experimento de forma mais detalhada, o que inclui a presença do filho de Franklin. Além desse, outros pontos diferem do relato original.

É bem provável que as ilustrações do século 19 tenham sido feitas com base no relato de Priestley, e não de Franklin. Embora não seja possível voltar no tempo e ver o que realmente aconteceu, vale lembrar que ilustrações e relatos históricos muitas vezes não são representações fiéis da realidade.

Publicidade


Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY
Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

Apenas 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Super impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de 10,99/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.