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Cientistas identificam marinheiro vítima de canibalismo em expedição perdida do século 19

James Fitzjames era um dos líderes da expedição de Franklin quando seus navios ficaram presos no gelo do Ártico, iniciando uma história de terror.

Por Bruno Carbinatto
Atualizado em 9 out 2024, 14h22 - Publicado em 9 out 2024, 14h00

Em 1845, uma expedição marítima com 129 marinheiros liderados pelo explorador John Franklin saiu da Inglaterra para navegar no mar do Ártico, ao norte do Canadá. Lá, no mar congelado, um desastre ocorreu. Os navios ficaram presos no gelo, e os que sobreviveram à fome tentaram fugir da prisão e chegar a terra firme. Ninguém sabe exatamente os detalhes, mas todos morreram.

Agora, usando métodos de análise de DNA, cientistas conseguiram identificar um dos protagonistas dessa história: o capitão James Fitzjames, o terceiro na hierarquia da expedição de Franklin. Ele é apenas a segunda vítima já identificada da tragédia até agora.

Seus restos mortais ajudam a recontar a história da expedição perdida, e revelam uma informação sombria: Fitzjames foi vítima de canibalismo, devorado por seus companheiros famintos em meio ao deserto de gelo.

Foto de James Fitzjames que navegou a bordo do HMS Erebus.
(Wikipedia/Reprodução)

O que aconteceu na expedição

A viagem dos exploradores contava com dois navios: Erebus e Terror. Fitzjames era o capitão do primeiro, e, na hierarquia da expedição, só estava abaixo do explorador chefe John Franklin e de seu braço direito, Francis Crozier. A ideia era contornar o continente americano por cima, passando do oceano Atlântico para o Pacífico, e mapeando assim uma nova rota de navegação.

No final de 1845, os barcos navegavam ao longo da costa norte do Canadá quando ficaram presos no gelo, sem conseguir avançar. E assim os 129 homens ficaram isolados – por um ano e meio. Registros escritos pelos exploradores neste período mostram o terror: aos poucos, homens foram morrendo de fome, frio, doenças ou um combo de tudo isso. O próprio líder da missão, John Franklin, morreu em 11 de junho de 1847.

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A última mensagem deixada pela tripulação, assinada também por Fitzjames, indicava que os 105 homens ainda vivos depois de 19 meses presos no gelo deixaram as embarcações e tentariam chegar à terra firme no Canadá. Não sabemos exatamente o que aconteceu a partir daí, mas alguns conseguiram – todos, porém, morreram na natureza selvagem do Ártico.

Os destroços do Erebus foram encontrados em 2014; os do navio Terror, em 2016. Vários outros resquícios da expedição foram localizados na terra firme da costa canadense, tanto na península de Adelaide quanto na Ilha do Rei Guilherme, no norte do país.

Entre eles foram encontrados restos mortais, que recentemente começaram a ser identificados com o uso do DNA. Em 2021, os restos mortais do engenheiro John Gregory foram devidamente reconhecidos, comparando o material genético encontrado com o de um descendente vivo. Ele se tornou o primeiro identificado entre os 105 homens que deixaram os barcos na tentativa de sobreviver.

Canibalismo

Agora, o capitão James Fitzjames é o segundo identificado. Cientistas da Universidade de Waterloo e da Universidade de Lakehead, no Canadá, descobriram que um pedaço de mandíbula encontrado na Ilha do Rei Guilherme, pertence ao explorador. Isso foi possível porque um de seus dentes ainda preservava DNA na raiz, que foi comparado com um descendente ainda vivo e deu match. No mesmo local onde foi encontrado a mandíbula, há 451 outros pedaços de ossos, de pelo menos 13 pessoas diferentes.

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Imagem da reconstrução em 3D da mandíbula de James Fitzjames.
(Universitária Oeste Waterloo/Reprodução)

A mandíbula de Fitzjames é um dos ossos que exibe claros sinais de canibalismo: marcas de corte que só podem ter sido causadas por humanos usando objetos cortantes. Isso indica que o capitão pereceu antes de seus colegas (de causas que não são possíveis determinar), e foi devorado por eles. Afinal, o local é extremamente remoto e a comida, por óbvio, escassa.

Outros ossos no local também indicam marcas de canibalismo, de pelo menos quatro homens diferentes. “Isso demonstra o nível de desespero que os marinheiros de Franklin devem ter sentido para fazer algo que eles considerariam abominável”, diz Robert Park, professor de antropologia na Universidade de Waterloo. 

A história da expedição perdida fascinou – e aterrorizou – a humanidade ao longo dos séculos 19 e 20, e vários livros, filmes e séries se inspiraram no episódio, muitos especulando sobre o que pode ter acontecido e colocando a prática do canibalismo como um dos temas centrais. “Pesquisas arqueológicas meticulosas como esta mostram que a história verdadeira é tão interessante quanto às fictícias, e que ainda há mais a aprender”, diz Park.

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Pesquisadores continuam procurando outros matches de DNA para identificar os outros mortos encontrados.

O estudo foi publicado na revista Journal of Archaeological Science.

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