Contas que revelam gênios
Eles parecem garotos comuns, mas são capazes de inventar ou intuir fórmulas matemáticas.
Luiz Barco
Para manter a classe ocupada, um professor mandou os alunos, meninos e meninas por volta dos 10 anos de idade, somar todos os números inteiros de 1 a 100. Quase que imediatamente, um garoto levantou-se e disse: “Aí está”. O austero professor nem deu atenção ao resultado apresentado. Esperou os demais terminarem as contas: 1 + 2 = 3; 3 + 3 = 6; 6 + 4 = 10; e assim por diante. Ao fim do doloroso processo, o mestre finalmente foi avaliar os trabalhos e qual não foi o seu susto quando percebeu que o primeiro aluno a entregar-lhe o resultado era o autor da única soma correta: 5 050.
Esse menino, que calculara de cabeça a progressão aritmética 1, 2, 3, 4, 5…100, chamava-se Carl Friedrich Gauss (1777-1855) e viria a se tornar o maior matemático de sua época. Presumivelmente, ele percebeu, num relance, que 1 + 100 = 2 + 99 = 3 + 98 = 4 + 97 = … = 49 + 52 = 50 + 51 = 101. Isto é, que o resultado da soma pedida pelo professor seria como adicionar o 101 a si mesmo por 50 vezes. Veja o quadro no alto desta página.
Como é fácil multiplicar mentalmente 50 por 101, aí está o resultado 5 050 a que Gauss chegou. Ele nada mais fez que usar a fórmula m(m+1)/2. Ou 100(100+1)/2, que é igual a 5 050.
Sempre que posso, conto aos alunos um pouco da biografia desse grande homem. Gauss nasceu em Brunswick, na Alemanha. Consta que passou a juventude dividido entre a Filosofia e a Matemática. Mas uma descoberta brilhante, um pouco antes de completar 19 anos, o fez optar pela segunda. Já naquela época, fazia mais de 2 000 anos que o homem sabia construir, com o uso da régua e do compasso, o triângulo equilátero e o pentágono regular, bem como outros polígonos regulares cujo número de lados fosse múltiplo de dois, três e cinco, porém nenhum que tivesse número primo de lados. Pois Gauss conseguiu construir, obedecendo às regras euclidianas (uso somente de régua e compasso), o polígono regular de dezessete lados.
É bom que os jovens tomem conhecimento da grandeza da obra de alguns cientistas, mas também acho importante fazê-los ver que foram homens como nós e estiveram sujeitos a algumas misérias que fazem parte da condição humana. A proeza do menino Gauss foi contada pela professora Nanci Marcílio, minha aluna em um curso de didática, a seus alunos do 1o colegial, em Sorocaba, interior de São Paulo, como introdução ao estudo das progressões. Apresentado o causo e os conceitos, Nanci propôs aos alunos o seguinte problema: “Dada a progressão aritmética (P.A.) -10, -7, -4,-1, 2, 5, …, calcule o número de termos de que necessitamos para que a soma seja positiva (maior que zero)”.
Tal como o menino Gauss de dois séculos atrás, o jovem Fábio Tocozato, prontamente teria dito: “Ora, professora, basta dobrar o valor absoluto do primeiro termo (-10 no exemplo), somar à razão (diferença entre os números da P.A. 3 no exemplo) e dividir tudo pela mesma razão. O primeiro número inteiro maior que o resultado dessa divisão é o resultado procurado”. Acho cedo para compará-lo ao grande Gauss, mas fiquei feliz em perceber que, apesar do descuido educacional deste país, ainda florescem no incrível jardim da educação professoras como Nanci e alunos como Fábio Tocozato, o Toco, para os amigos.
Professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo