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Denisovanos já habitavam o Tibete quando humanos chegaram, revela DNA em caverna

É primeira vez que material genético denisovano é encontrado fora da Sibéria. A descoberta nos dá dicas sobre a distribuição geográfica original dessa espécie extinta.

Por Bruno Carbinatto
Atualizado em 30 out 2020, 20h39 - Publicado em 30 out 2020, 20h20

A caverna Baishiya Karst, que fica a mais de 3.000 metros acima do nível do mar no Tibete, China, é um importante santuário para monges budistas da região. Há dezenas de milhares de anos, porém, o mesmo local pode ter servido de abrigo para alguns hominídeos de Denisova  espécie similar ao Homo sapiens cuja origem e paradeiro permanece um mistério para os arqueólogos. 

É o que relata um estudo publicado nesta quinta no periódico Science. Uma equipe formada por pesquisadores da China, Austrália e EUA conseguiu identificar amostras de DNA de denisovanos, que datam de entre 100 mil e 45 mil anos atrás, nos sedimentos do local.

O achado torna Baishiya Karst apenas o segundo local onde material genético denisovano foi encontrado até hoje. A descoberta nos ajuda a entender a história da dispersão dessa espécie obscura e os cruzamentos entre sapiens e outros hominídeos que resultaram na diversidade genética dos humanos modernos.

Os Denisovanos guardam conosco um grau de parentesco evolutivo semelhante ao exibido pelos Neandertais. Mas os homens do vale de Neander, descobertos ainda no século 19 na Alemanha, são bem mais conhecidos que os da caverna de Denisova, na Sibéria identificados apenas em 2010. Perceba que as duas espécies foram batizadas em referência ao local da escavação dos primeiros fósseis. 

Estudos genéticos em humanos modernos (nós cruzamos com os denisovanos) ajudam a entender a distribuição geográfica original dessa espécie. Populações atuais da Ásia e dos arquipélagos do Pacífico, aborígenes da Austrália e nativos da América do Norte possuem todos traços denisovanos em seus genomas (algo entre 0,5% e 3% do DNA). A maior taxa é encontrada em habitantes da Papua Nova Guiné, que herdaram até 6% de seu genoma desses hominídeos extintos. 

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Esses dados indicam que, em algum ponto da história, a espécie foi amplamente distribuída pela Ásia e, talvez, pela Oceania. Africanos e europeus não têm genes denisovanos, até onde sabemos. O problema é que, apesar de sua presença ampla e fantasmagórica no DNA, os denisovanos são escassos no registro fóssil: conhecíamos apenas o punhado de fragmentos usado na descrição original da espécie, em 2010. 

Uma nova esperança

Em 2019, uma equipe liderada pela pesquisadora chinesa Zhang Dongju, da Universidade de Lanzhou, identificou um pedaço de mandíbula denisovana encontrado na caverna de Baishiya Karst que datava de mais ou menos 160 mil anos atrás. O fóssil havia sido encontrado 40 anos antes por um monge budista, e passou esse tempo todo guardado.

Na época da publicação do estudo, arqueólogos de outras instituições questionaram a descoberta. A mandíbula havia sido atribuída a um denisovano por meio de um método criado recentemente, que se baseava em variações de uma única proteína. Um teste de DNA seria uma evidência bem mais conclusiva, mas o osso não estava suficientemente preservado para isso.

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Dongju e sua equipe voltaram a escavar a caverna em busca de mais provas. Como o local é sagrado para os budistas e usado para fins religiosos, foi necessário um acordo com os monges – eles só escavariam à noite, quando não há cerimônias, e no inverno, quando as temperaturas atingem um patamar bem pouco divino. Detalhe: o local fica a 3.200 metros de altitude.

O império contra-ataca

Valeu a pena encarar os monges, o frio de Everest e os haters. O resultado desse rolê congelante é a notícia que você está lendo: Dongju conseguiu as primeiras amostras de DNA denisovano fora da Sibéria.

O material não foi extraído de fósseis, mas sim do próprio solo da caverna. Ele pode ter se misturado aos sedimentos pegando carona em urina, fezes ou sangue de ferimentos. Ou ser proveniente da própria decomposição dos corpos, explicou Dongju em entrevista à SUPER.

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O mais interessante é que o DNA foi encontrado em sedimentos datados de épocas bem diferentes: algumas amostras eram de 100 mil anos atrás, outras de 60 mil, e algumas, possivelmente, de 45 mil anos. A datação dos fragmentos mais antigos é bastante confiável; a dos mais jovens é incerta.

Se confirmada, essa última data coincidiria com a chegada dos primeiros Homo sapiens ao leste asiático, há mais ou menos 40 mil anos. A caverna e seus arredores podem ter sido um local de encontro entre as espécies – e, possivelmente, reprodução.

Além do DNA mitocondrial, a equipe também encontrou fósseis de animais e ferramentas de pedra na caverna. Esses itens ainda não foram datados, portanto, não sabemos se foram produzidos pelos denisovanos ou pelos sapiens que chegaram depois. 

No teto do mundo

Encontrar indícios da presença de hominídeos pré-históricos em altitudes tão grandes é algo raro na arqueologia. Em atitudes superiores a 2.500 metros, humanos modernos já começam a sofrer com o ar rarefeito. Isso indica que os denisovanos da região tinham adaptações que os ajudavam a suportar a falta de oxigênio.

Como a mandíbula encontrada em 2019 data de 160 mil anos atrás e as amostras de DNA são de até 45 mil anos atrás, é provável que a espécie tenha habitado o Tibete por dezenas de milhares de anos – tempo suficiente para mutações emergirem e se espalharem por seleção natural. Em um ambiente extremo, qualquer gene que dê um gás na capacidade respiratória sairia na vantagem.

Um estudo anterior indicou que os humanos que habitam o Tibete atualmente possuem adaptações a grandes altitudes graças aos denisovanos. Eles possuem uma variação do gene EPAS1 que torna as hemácias (glóbulos vermelhos) capazes de carregar oxigênio com mais eficiência. Os pesquisadores acreditam que essa mutação surgiu e se tornou comum entre os denisovanos, e depois foi herdada pelos humanos que cruzaram com eles. 

Cadê os ossinhos?

Se os denisovanos ocuparam uma fatia tão grande da Ásia, fica a pergunta: por que seus restos mortais são tão raros? 

“Fósseis de hominídeos em geral são raros devido aos problemas de preservação”, explicou à SUPER Charles Perreault, da Universidade Estadual do Arizona, EUA, que também participou do novo estudo. “O ambiente de muitas partes da Ásia não é adequado à preservação de fósseis – as florestas úmidas do sudeste asiático são um exemplo disso.”

Outro problema é que não sabemos como era, exatamente, a anatomia dos denisovanos. Talvez já tenhamos encontrados dezenas de ossos deles, mas não soubemos atribui-los à espécie correta. Dongju explicou que é preciso fazer uma ponte entre fragmentos que preservaram o DNA, mas são pequenos demais para nos dar características morfológicas, e fragmentos maiores, que nos dão informações sobre a a aparência física e a mecânica do esqueleto desses hominídeos. 

Perreault concorda. “Sabemos muito pouco sobre a morfologia do esqueleto de denisovanos e sobre sua aparência. Na medida em que esqueletos guardados em museus e laboratórios de universidades comecem a ter seus DNAs estudados, espero que possamos descobrir que alguns deles na verdade são de denisovanos”.

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Até lá, a equipe vai continuar cavando a caverna chinesa, na esperança de encontrar mais fósseis da espécie misteriosa, bem como outros indícios que revelem seus hábitos. “Vai ser interessante comparar o comportamento de denisovanos com o de humanos modernos e de neandertais”, diz Perreault.

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