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E se a escravidão não tivesse sido abolida?

Se a escravidão não tivesse sido abolida as principais mudanças seriam de ordem social.

Por Celso Ricardo
Atualizado em 31 out 2016, 18h21 - Publicado em 30 jun 2002, 22h00

Pensar na sociedade contemporânea convivendo com o trabalho escravo é uma tarefa difícil mesmo para os maiores especialistas no tema. Para eles, a sociedade de hoje não existiria se a escravidão persistisse, porque o fim da escravidão teve relação direta com os sistemas econômicos e políticos que começavam a vicejar no século XIX, ajudando a compor as principais características sociais e econômicas do mundo atual. “O fim da escravidão foi um fenômeno social ligado às exigências das economias industriais, que precisavam mais de mercados consumidores do que de mão-de-obra nas colônias”, afirma o antropólogo zairense Kabengelê Munanga, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP) e autor de Cem Anos de Bibliografia Sobre o Negro no Brasil.

A história africana também seria outra. Enquanto vigorou o tráfico negreiro, entre 1450 e o final do século XIX, cerca de 12 milhões de negros foram retirados do continente. Se a sangria demográfica continuasse, não haveria mão-de-obra local quando as potências coloniais decidiram extrair dali a matéria-prima que sustentaria o seu desenvolvimento no século XX. Ou seja, a libertação dos escravos tem tudo a ver com o desenvolvimento da economia de mercado.

Para o professor Paul Lovejoy, da Universidade de York, em Montreal, autor do recente Atlas Histórico da Escravidão, se a prática escravagista não tivesse sido abolida, as principais mudanças que sentiríamos seriam de ordem social. “A escravidão era defendida ou tolerada pelas principais instituições políticas e sociais da época, entre elas Igreja, universidades e empresas”, diz Lovejoy. “A abolição foi o maior processo de inclusão social de que se tem notícia e abriu espaço para as sociedades multirraciais. Foi o fim da escravidão que consolidou os ideais de igualdade e de condenação do racismo, hoje ponto comum em quase todas as legislações do planeta.”

Mas é perigoso pensar na escravidão como algo extinto há tempos imemoriais. Embora o tráfico negreiro tenha acabado no século XIX, foi só em 1926 que a Liga das Nações proibiu a escravidão, o tráfico de pessoas e a existência de “condições análogas à escravidão”. Trinta anos mais tarde, a ONU incluiu outras práticas no conceito de escravidão: a servidão (na qual, em troca do acesso à terra, a pessoa fica obrigada a trabalhar e a viver nela) e o comércio de mulheres ou crianças, oferecidas em matrimônio, no abatimento de uma dívida ou passadas em herança como instrumentos de trabalho. No Brasil, as duas medidas da ONU só entraram em vigor em 1966.

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Em alguns países, como na Mauritânia (país pobre africano dividido pelo Saara, meio árabe e meio negro), a proibição da escravidão e da compra e venda de pessoas só veio com o processo de independência, nos anos 1960. O país, ao lado do Sudão e de Benin, encabeça a lista de países acusados pela ONU de manter a prática do trabalho escravo até hoje. O Unicef denuncia que cerca de 200 000 crianças são vendidas como escravas todos os anos, no mundo.

Se a escravidão ainda fosse legalizada, dificilmente haveria a economia de mercado de hoje.

 

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