Em carta, Einstein antecipou descoberta sobre a sensibilidade magnética de animais
O texto escrito pelo físico alemão estava perdido desde 1949. A magnetorecepção, usada por aves migratórias, só começou a ser discutida décadas depois.
18 de outubro de 1949. Albert Einstein se senta em uma escrivaninha para responder a uma carta do colega engenheiro Glyn Davys, que escrevia sobre como a percepção dos animais poderia nos revelar algo sobre o mundo físico. Einstein responde: “É possível que a pesquisa sobre o comportamento de aves migratórias e pombos-correio possa um dia levar à compreensão de algum processo físico ainda desconhecido”.
Hoje, sabemos que as aves migratórias se guiam pelo campo magnético da Terra. Elas possuem fotorreceptores sensíveis a pequenas mudanças nesse campo. É por isso que elas conseguem viajar milhares de quilômetros sem se perder. Abelhas, tartarugas marinhas e até cães contam com sistemas semelhantes.
O detalhe é que nada disso era conhecido em 1949. A ecolocalização dos morcegos tinha acabado de ser descoberta pelo zoólogo Donald Griffin, enquanto a magnetorecepção de aves só começou a ser descrita a fundo na década de 1970. Até hoje, mais de 70 anos após a carta, os pesquisadores não sabem com todos os detalhes como esse mecanismo funciona, e novas descobertas sobre o assunto são publicados frequentemente.
A carta veio a público esta semana. Uma análise foi publicada por pesquisadores do Instituto Real de Tecnologia de Melbourne, da Austrália. Eles entraram em contato com o documento pela primeira vez em 2019, quando a esposa de Glyn Davys (falecido em 2011) encontrou a correspondência endereçada ao marido:
“Estou bem familiarizado com as pesquisas admiráveis do Sr. v. Frisch. Mas não consigo ver uma possibilidade de utilizar esses resultados na investigação sobre os fundamentos da física. Isso só seria possível caso uma nova forma de percepção sensorial, respectiva de seus estímulos, fosse descoberta por meio do comportamento das abelhas. É possível que a pesquisa sobre o comportamento de aves migratórias e pombos-correio possa um dia levar à compreensão de algum processo físico ainda desconhecido”.
Não se sabe o paradeiro da carta escrita por Davys e respondida pelo alemão, mas é possível inferir o contexto da conversa. O Sr. v. Frisch a quem Einstein se refere é Karl von Frisch, pesquisador de comportamento animal que viria a receber o Nobel de Fisiologia em 1973. Ele revelou que as abelhas se guiam por meio de um padrão característico de polarização que os raios solares formam quando entram na atmosfera. Isso as ajuda a encontrar flores e explica a “dança” que esses insetos realizam para indicar onde há nectar.
Einstein havia assistido a uma palestra de von Frisch seis meses antes de escrever a carta. Na ocasião, eles tiveram um encontro particular, mas o conteúdo dessa conversa não foi documentado. A carta recém-descoberta indica que eles provavelmente discutiram sobre as habilidades sensoriais das abelhas.
Vale dizer que nem todo animal possui o mesmo tipo de magnetorecepção. As abelhas, por exemplo, parecem perceber o campo magnético por meio do abdome. Já em aves e cães, é provável que eles façam isso por meio de proteínas chamadas criptocromos, presentes nos olhos.
Os criptocromos estão presentes até mesmo em humanos. Na última década, pesquisas têm proposto que nós também possuímos algum tipo de sensibilidade ao campo magnético terrestre, mesmo que bastante reduzida. Essa hipótese, no entanto, ainda precisa ser verificada por mais evidências científicas.
Einstein pode ter dado só uma palhinha das descobertas que ainda seriam feitas nas décadas seguintes, mas é fato que, mesmo já sendo o mestre da física, ele não deixava de se atualizar sobre outras áreas do conhecimento. Gênio.