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Grandes invenções da Idade Média

Ideias revolucionárias que abriram o caminho para o futuro.

Por Fábio Marton
Atualizado em 7 Maio 2020, 18h02 - Publicado em 20 fev 2020, 12h05

Moinhos

O combustível do progresso.

Mecanização não é uma palavra que as pessoas costumam associar à Idade Média. E, no entanto, qualquer artesão vivendo em uma cidade medieval provavelmente teria mais familiaridade com engrenagens e polias que alguém vivendo na Roma Antiga. Com uma economia baseada em servos – um recurso em quantidade limitada, que não podia ser explorado até a exaustão, como os escravos do auge de Roma –, se tornou mais atraente substituir a energia humana. A maior revolução tecnológica da Idade Média parte de uma herança da Antiguidade, os moinhos de água, e uma criação medieval, os moinhos de vento.

Os primeiros eram uma visão universal onde houvesse rios. Os segundos foram inventados na Pérsia, em algum ponto entre os séculos 8 e 10, e importados pelos árabes, via Península Ibérica. Esses moinhos eram diferentes da forma tipicamente europeia: seu eixo ficava na vertical, com as pás deitadas (imagine uma roda d’água virada de lado). O moinho vertical, estilo Dom Quixote, surgiu mais ao Norte, na França, Holanda e Inglaterra, no século 12, e não é claro se tiveram antes contato com o moinho horizontal.

(Julia_Henze/Getty Images)

Essas duas máquinas medievais levaram a uma enorme sofisticação mecânica. Não eram usadas só para o que o nome diz, moer grãos, mas também operavam serralherias, elevadores, guindastes, pedras de afiar espadas, máquinas de triturar pólvora, martinetes (grandes martelos automáticos, usados em forjas), bombas de água: a Holanda conseguiria ter 17% de seu território abaixo do nível do mar graças a moinhos de vento.

Crucialmente, foi ainda na Idade Média que parte da indústria têxtil se mecanizou: a produção de lã usava de martelos mecânicos para tratar a lã crua e foi pela disponibilidade de energia hidráulica que ela migrou para regiões como Manchester. No século 18, seria a indústria têxtil – e inicialmente com força hidráulica – a dar partida na Revolução Industrial.

Autômatos

Robôs medievais.

Eles existem desde a Antiguidade e serviam principalmente para impressionar as visitas. Em 919, o embaixador italiano Liuprando de Cremona descreveu uma visita a Constantinopla na qual a sala do imperador Teófilo incluía leões que abriam a boca para rugir e atingiam o chão com suas caudas, pássaros mecânicos em árvores artificiais que cantavam, e o próprio trono que podia se elevar ou descer automaticamente.

O engenheiro islâmico Ismail al-Jazari (1136-1206) descreveu autômatos em seu Livro do Conhecimento de Dispositivos Mecânicos Engenhosos. Relógios de igrejas podiam incluir figuras móveis. O cavaleiro Roberto 3º, Conde de Artois, criou uma espécie de parque temático de autômatos, um jardim com macaquinhos, leões, aves, homens e fontes automáticas.

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Relógio mecânico

Água, mercúrio e pesos.

Os europeus medievais herdaram dos romanos relógios hidráulicos simples. Gotas caíam de um recipiente para outro, de forma regular, e as horas eram marcadas pelo nível da água. Isso começou a mudar quando o rei Afonso 6o de Leão e Castela conseguiu ter em mãos um tomo árabe: O Livro dos Segredos e Resultados de Ideias, do engenheiro andaluz Ali Ibn Khalaf al-Muradi. Entre diversas maravilhas tecnológicas, estava um luxuoso relógio hidráulico no qual mercúrio, não água, movia mecanismos complexos, incluindo até autômatos para dar as horas de forma mais espetacular.

(pictore/Getty Images)

Os europeus adotaram e acabaram por superar a complexidade, ao criar relógios puramente mecânicos, funcionando por meio de pesos, no século 13. Alguns deles simplesmente badalavam para indicar as horas, sem um mostrador externo. Outros eram mais complexos que os relógios de hoje, mostrando, além das horas, informações astronômicas, como as fases da Lua e o movimento dos planetas.

Relógios contribuíram para o refino das técnicas de engenharia ao solucionar um desafio difícil de resolver antes da precisão da Era Industrial: como produzir movimento em velocidade cuidadosamente regulada, algo que os moinhos não eram capazes. O desenvolvimento dos relógios acabou também sofisticando outros dispositivos.

Trabuco

A mãe de todas as catapultas.

Pode soer engraçado, mas este é o nome em português para o famoso trébuchet dos videogames. A palavra é antiga na língua: os portugueses o conheceram espetacularmente no Cerco de Lisboa, em 1147, trazido por seus aliados cruzados. Os dois trabucos construídos ali eram capazes de disparar um projétil a cada 15 segundos. E eram provavelmente de um tipo menos impressionante: no lugar de usar um contrapeso gigante, as pedras eram disparadas por meio de soldados puxando manualmente cordas para fazer o braço se mover.

Uma invenção chinesa, importada pelos mongóis. O icônico e gigantesco trabuco de contrapeso tem sua primeira referência em 1187, por um autor islâmico, Mardi ibn Ali al-Tarsusi, comentando sobre as batalhas de Saladino – ele aparece nas mãos dos europeus.

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(Universal History Archive/Getty Images)

Essas foram as maiores catapultas já vistas: estima-se que o maior de todos os trabucos, o Warwolf, usado no Cerco do Castelo de Stirling, em 1304, pelo rei Eduardo 1º da Inglaterra, tivesse mais de 100 metros de braço e um contrapeso de até 15 toneladas, precisando de 30 carroças para ser carregado. Era capaz de disparar pedras de até 140 kg a 190 km/h, com um alcance de 200 m. A guarnição do castelo se rendeu só de ver a máquina. Mas o rei não quis saber: primeiro derrubou os muros com o Warwolf e só então aceitou a rendição.

Trabucos seriam usados até o Cerco de Tenochtitlán, por Cortez, em 1521 – já tinham sido tornados obsoletos por canhões e morteiros, máquinas mais potentes e mais simples, mas faltou pólvora aos espanhóis.

Cavalaria

Guerra em 4 patas.

Não foi realmente o estribo, introduzido na Europa no fim do século 6 por invasores asiáticos, que levou à era da cavalaria. O estribo permitia ao cavaleiro se equilibrar para usar a espada, e tornava mais fácil subir com armadura pesada. Mas a arma principal da cavalaria era a lança, e essa já era usada desde a Antiguidade.

A alma da cavalaria estava na sela: selas altas e rígidas de madeira, acolchoadas, como não havia antes, que era o que segurava o impacto da força do cavalo transmitida pela lança, e impedia o cavaleiro de ser jogado para trás. Raças de cavalos maiores e mais fortes também foram desenvolvidas na época.

Fogo grego

A defesa do Império.

Lança-chamas foram inventados na Idade Média pelos bizantinos (que chamavam a si próprios de romanos, mas eram conhecidos, por sua língua, como gregos). Era uma arma espetacular: ela disparava um líquido pegajoso que conseguia queimar mesmo por cima da água, como o napalm moderno. Acredita-se que era, como o napalm, um derivado do petróleo. Para disparar o fogo grego, outra invenção realmente avançada: uma espécie de panela de pressão, na qual uma fornalha causava a pressurização do líquido incendiário.

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Versões de infantaria usavam uma espécie de seringa gigante, com o êmbolo pressionado manualmente para disparar o líquido. O fogo grego foi a espetacular linha de defesa do Império Romano do Oriente contra os árabes, e ainda era usado na Primeira Cruzada (1099). Mas, na época da Quarta Cruzada (1204), a receita parece já ter sido perdida. Ninguém sabe exatamente quando ou por quê.

Ribaldequim

Metralhadora primordial.

A primeira menção à pólvora na Europa é de 1267, pelo monge franciscano Roger Bacon. Ele descrevia uma receita usando salitre que produzia “artificialmente um fogo que pode ser lançado a grandes distâncias” e torna “possível destruir uma vila ou um exército”. Mas as armas de fogo mesmo só chegariam muito depois, com as primeiras evidências na década de 1320. Eram canhões de pequeno porte, alguns deles disparando flechas metálicas, e canhões de mão – tubos segurados com uma forquilha e acesos com uma mecha.

(Reprodução/Domínio Público)

Como a tecnologia não permitiria criar canhões maiores, a solução foi unir vários deles numa peça só. Foi assim que surgiu o ribaldequim, ou arma de órgão, mencionado pela primeira vez no Saque de Southampton, em 1338, e depois na Batalha de Crécy, 1346. O ribaldequim era uma arma de 12 canos que disparavam simultaneamente, numa saraivada brutal, mas com longo tempo de recarga.

Colar de cavalo

Revolução verde.

Parece bobagem, mas aquela cinta em volta do pescoço do cavalo, que é usada para puxar a carroça, foi fundamental. Inventada na China, chegou à Europa no século 10. E permitiu a criação do arado pesado, substituindo os antigos arados puxados por bois. Cavalos são mais rápidos, fortes e resistentes e o arado permitiu a solos antes difíceis, principalmente no norte da Europa, serem finalmente cultivados.

Pela mesma época, também foi criado o sistema de rotação de culturas, preservando a fertilidade do solo por meio do plantio alternado. Essa “revolução verde” medieval contribuiu com o aumento de 70% da população entre os séculos 11 e 14.

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Órgão

Extrema complexidade em nome da música.

Os órgãos foram inventados na Antiguidade e preservados pelo Império Romano do Oriente. Em 757, o imperador Constantino 5º deu um deles de presente ao rei franco Pepino, o Breve, dando origem ao que se tornaria o mecanismo mais complexo conhecido pela humanidade até a Era Industrial.

No século 10, o primeiro órgão cuja descrição detalhada sobreviveu foi instalado na Catedral de Winchester (Inglaterra). Tinha 400 tubos, operados por duas pessoas nos teclados e 70 movendo os foles que proviam o ar comprimido para fazer a coisa funcionar.

Duomo de Florença

Uma joia da engenharia.

Filippo Brunelleschi, um ourives, ganhou em 1418 uma tarefa aparentemente impossível: superar o Panteão de Roma, o maior domo do mundo havia 1.300 anos. Estudando o próprio Panteão, ele conseguiu entender a forma como fora construído – com um grande suporte interno de madeira. Brunelleschi fez as contas e concluiu que toda a madeira em Florença não seria o suficiente. Além disso, o domo tinha que ficar acima da estrutura já construída da catedral da cidade, que era octogonal e irregular.

Então Brunelleschi fez tudo diferente: projetou não um, mas dois domos concêntricos sustentados por arcos de tijolos e grandes anéis de metal, madeira e pedra, construídos de baixo para cima, cuidadosamente ao longo de 16 anos.

O interior, oco, servia para diminuir o peso e para ocultar as estruturas de sustentação. No final das contas, em 1436, a cidade tinha um domo com um diâmetro maior que o do Panteão: 45 metros internos, versus 43, e espetacularmente mais alto, terminando em 114 metros de altura. Para fazer algo assim – e o método exato ainda hoje é um mistério, porque o arquiteto nunca deixou seus planos por escrito – ele teve que inventar guindastes capazes de levar material pesado a mais de 100 metros.

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(nicoolay/Getty Images)

O impacto iria muito além da arquitetura. Num sentido cultural, dá para marcar o fim da Idade Média com a conclusão do domo. O espírito da Renascença primordial havia sido lamentar o mundo presente como decadente em comparação aos antigos. Foi o que fez Petrarca ao inventar o termo Idade das Trevas. O Duomo de Florença provava, para além de qualquer dúvida, que, mais do que recuperar o mundo antigo, era possível superá-lo. E isso já havia sido feito.

Pequenas maravilhas medievais

Inventos que mudaram o mundo de formas mais sutis.


Roca

Uma máquina movida a pedais que fazem girar uma roda para transformar fibras vegetais ou lã natural em fios. Até sua invenção, provavelmente no mundo islâmico, no século 11, essa era uma fase extremamente difícil da produção de roupas. A roca foi parte do que permitiu a produção de tecidos em escala, que seria um dos pontos de partida da Revolução Industrial.

Chaminé

Outra figura universal da indústria é criação da Idade Média. Surgida no norte europeu no século 12, permitiu o conforto das lareiras, mas também fogo em espaços internos, levando a fornos domésticos e instalações industriais.

(maodesign/Getty Images)

Janela de vidro

O vidro já era usado em Roma, mas a técnica se perdeu e teve que ser recriada. Primeiro vieram os belos vitrais das Igrejas, depois as primeiras janelas transparentes. Grandes discos de vidro transparente, desenvolvidos na França, em 1320, permitiram pela primeira vez olhar através da janela.

Espelho

Um espelho no sentido atual é uma placa de vidro com um lado metalizado. Antes, as pessoas podiam se enxergar em placas de metal polido, que perdiam o brilho rapidamente. Os primeiros espelhos surgiram em Veneza, usando uma liga de estanho e mercúrio derretido diretamente sobre o vidro.

Óculos

Mais um resultado da evolução do vidro, óculos foram inventados em Pisa ou Veneza em algum ponto entre 1285 e 1289. No começo, convexos, serviam para tratar apenas hipermetropia e presbiopia (problemas de visão de curta distância, o primeiro de nascença, o segundo causado pela idade). Óculos de miopia, côncavos, só viriam em 1604.

 

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