Wagner Barreira
Por que dois países disputam com tanto afinco um pedaço de pedra cujo único recurso natural é a salsinha – perejil, em espanhol – que lhe dá nome? A operação militar, em que nem um só tiro foi disparado, durou exatos dez dias, de 11 de julho – quando uma dúzia de policiais marroquinos subiu na ilhota – até 20 de julho, quando, três dias depois de a mobilização de barcos de guerra e aviões espanhóis enxotar os muçulmanos, a ilha ficou para as salsinhas novamente. Pelo acordo diplomático fechado ainda no mesmo mês, nenhum dos países ficou com a ilhota, que se localiza a 200 metros da costa marroquina.
Visto daqui, pareceu uma batalha non sense, meio surreal. O que pouca gente percebeu é que a confusão foi só mais uma jogada num conflito que já dura mais de um milênio. Para os espanhóis, Perejil integra uma espécie de cordão de proteção do seu país, formado por terras hispânicas em solo africano – entre eles, as cidades de Ceuta e Melilla. No século VIII da era cristã, os mouros do norte da África usaram o atual Marrocos como ponte para a conquista da Península Ibérica. Após a reconquista cristã, concluída em 1492, os espanhóis criaram uma zona de defesa no território vizinho.
A cidade espanhola mais próxima das pedras de Perejil – ou Leila, para os marroquinos – é Ceuta. Sua história é marcada por uma vasta coleção de nacionalidades e ocupações: passaram por lá fenícios, gregos, cartagineses, romanos, vândalos, bizantinos, visigodos e mouros. Em 1415, acabou tomada pelos portugueses. Foi lá que o poeta Luís de Camões perdeu um olho, defendendo a cidade. De Ceuta partiu o mitológico rei português Dom Sebastião, para enfrentar os muçulmanos na batalha de Alcácer Quibir, em 1578, da qual nunca voltou. Sem herdeiros, o trono de Portugal – e, de quebra, de Ceuta e do Brasil – passou para as mãos de Felipe II da Espanha. A cidade continua espanhola até hoje.
Toda essa disposição em manter territórios em outro continente pode parecer absurda depois do fim dos impérios coloniais. Mas vale lembrar que a Grã-Bretanha ainda ocupa Gibraltar, localizada no estreito de mesmo nome – em pleno território espanhol.
Uma longa história
A briga pela ilha Perejil é mais um lance num jogo que já dura 1 200 anos
No ano 750, os muçulmanos da Península Arábica haviam expandido seus domínios para a Europa, chegando ao sul da França. A reconquista cristã concluiu-se no século XV. Nessa época, territórios do norte da África foram tomados pela coroa portuguesa. Em 1580, Portugal acabou incorporado à Espanha. Após a independência lusa, 60 anos mais tarde, as terras africanas permaneceram sob domínio hispânico. Ainda hoje as cidades de Ceuta e Melilla, incrustadas no Marrocos, ilhas e rochedos próximos da costa da África são considerados território espanhol.