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Independência ou morte

A luta por um Estado independente alimenta pelo menos 26 conflitos armados ao redor do mundo.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h20 - Publicado em 1 out 2007, 01h00

José Francisco Botelho

República Ichkéria da Chechênia. Estado de Tâmil Eelam. República Autônoma da Abkházia. Nenhum desses “países” está no mapa, mas todos eles têm governo próprio, cultivam fervorosamente sua identidade nacional (começando pelo idioma de origem) e mantêm suas próprias “forças armadas”. Para Rússia, Sri Lanka e Geórgia, verdadeiros “donos” desses territórios, eles não passam de Estados virtuais, zonas de insurgência ou territórios em disputa. Terminologias à parte, uma coisa é certa: lutas por independência têm sido um dos maiores combustíveis de guerras nos últimos 50 anos.

Neste momento, há pelo menos 26 conflitos que podem ser classificados como separatistas ao redor do mundo (leia mais nas págs. 40 e 41). A maioria estourou após o desfecho da Segunda Guerra Mundial, quando as potências vencedoras assinaram um dos documentos-chave do século 20: a Carta das Nações Unidas. Espécie de escritura sagrada da diplomacia, o tratado estabeleceu a “autodeterminação dos povos”. Ou seja: cada grupo nacional conquistou o direito de escolher seu governo e seu destino político. À medida que os países europeus debandavam de suas colônias na Ásia e na África, dezenas de territórios declararam independência – de 1945 até hoje, 130 países nasceram no rastro da descolonização. Mas o parto foi doloroso. Em muitos casos, os Estados recém-nascidos juntaram na marra diferentes grupos étnicos e religiosos. E foi nesse caldeirão multinacional que o grande palco para os movimentos separatistas da modernidade acabou sendo forjado.

Tigres famintos

Exemplo clássico de “Estado-caldeirão”, hoje atormentado por uma guerra civil de cunho separatista, é justamente o Sri Lanka. Habitada por budistas, cristãos, hindus e muçulmanos, essa ilha tropical do Oceano Índico, próxima do litoral indiano, foi uma colônia britânica até 1948. Desde as primeiras eleições livres de sua história, o governo sempre foi dominado pela etnia cingalesa, majoritária e de religião budista. Acontece que os cingaleses, no passado, colecionaram sérias desavenças com os tâmeis – uma minoria hindu estabelecida no nordeste do país. O resultado dessa equação você já deve imaginar.

Esquecidos pelos governantes e freqüentemente atacados por budistas radicais, milhares de tâmeis foram mortos nas primeiras décadas pós-independência. Até que, em 1976, surgiu a organização conhecida como Tigres para a Libertação do Tâmil Eelam – considerada um dos grupos separatistas mais violentos da História contemporânea. Seus soldados, fortemente armados, lutam pela criação do Estado independente de Tâmil Eelam. Ainda na década de 1970, eles abraçaram a tática do atentado suicida. De lá para cá, os rebeldes já fizeram mais vítimas que muitos outros grupos de reputação internacional bem mais sanguinária, como os palestinos Hamas, Jihad Islâmica e Mártires de Al-Aqsa. Desde o início do conflito entre Tigres Tâmeis e governo central do Sri Lanka, estima-se que mais de 60 mil pessoas tenham morrido dos dois lados da guerra.

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Liberdade tardia

Quase todas as guerras da última década aconteceram em países que só se livraram do colonialismo no século 20

236 ataques

Número de atentados terroristas praticados por movimentos separatistas entre setembro de 2006 e setembro de 2007 no mundo todo.

430 mortos

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Número de vítimas fatais nos 236 atentados feitos por grupos separatistas entre setembro de 2006 e setembro de 2007.

Comandos em ação

Da Espanha às Filipinas, movimentos que lutam por independência.

Espanha

Grupos – Pátria Basca e Liberdade (eta)

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Objetivo – Criar um Estado nacional e autônomo para a população de origem basca, em territórios que atualmente pertencem à Espanha e à França, na fronteira entre os dois países.

Kosovo

Grupos – Exército de Libertação de Preshevo, Medvedja e Bujanovac

Objetivo – Garantir um Estado nacional e independente para a população de origem albanesa estabelecida na província sérvia de Kosovo.

Cáucaso

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Grupos – Separatistas da Chechênia, do Daguestão, da Abkhásia e de Nagorno Karabach

Objetivo – Criação e reconhecimento internacional para 4 Estados independentes (leia mais na pág. 43).

Moldávia

Grupos – Separatistas da transnistria

Objetivo – Impedir que a região, cuja independência foi declarada em 1991, seja reintegrada pela Moldávia. A Transnistria se mantém independente graças à presença de tropas russas.

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Curdistão

Grupos – Partido dos Trabalhadores do Curdistão, partido pela liberdade do curdistão

Objetivo – Fundar um Estado nacional curdo em partes dos territórios do Irã, da Turquia, da Síria e do Iraque.

Saara Ocidental

Grupos – Frente Polisário

Objetivo – Criar um Estado nacional (a República Democrática Árabe Sarauí) no Saara ocidental, uma região africana que já foi colônia da Espanha e está ocupada por forças militares do Marrocos desde 1976.

Somália

Grupos – Separatistas da Somalilândia

Objetivo – Impedir que a região, cuja independência foi declarada unilateralmente em 1991, seja reintegrada pela Somália. Sua soberania não é reconhecida por nenhum país.

Caxemira

Grupos – Al-Badhr, Harakat ul-jihad, Hizbul Mujahedin, Lashikar-taiba

Objetivo – Libertar a região da Caxemira, de maioria muçulmana, do controle da Índia e integrá-la ao vizinho Paquistão.

Sri Lanka

Grupos – Tigres Tâmeis

Objetivo – Independência de Tamil Eelam, região no nordeste de Sri Lanka.

Filipinas

Grupos – Abu Sayyaf

Objetivo – Criar um Estado islâmico em parte do arquipélago.

Fontes: Mapa – Atlas do Conflitos Mundiais / Globalsecurity / PRIO / UCDP / Enciclopédia Britânica; Quadro – MIPT Terrorism Knowledge Base

Separatismo de resultados

Países que chegaram à independência de 1990 para cá.

SEM GUERRA

País – Eslovênia

Separou-se de quem – Iugoslávia

Quando – 1991

País – Eslováquia

Separou-se de quem – República Tcheca

Quando – 1993

País – Montenegro

Separou-se de quem – Sérvia

Quando – 2006

COM GUERRA

País – Namíbia

Separou-se de quem – África do Sul

Quando – 1990

País – Croácia

Separou-se de quem – Iugoslávia

Quando – 1991

País – Bósnia

Separou-se de quem – Iugoslávia

Quando – 1992

País – Eritréia

Separou-se de quem – Etiópia

Quando – 1993

País – Timor Leste

Separou-se de quem – Indonésia

Quando – 2002

Fontes: CIA World Factbook / Enciclopédia Britânica

Cáucaso: uma rede de intrigas

Nas ex-repúblicas soviéticas da região, governos e rebeldes mantêm um olho na guerra por independência e outro nas reservas de petróleo

José Francisco Botelho

Em novembro de 2006, Londres foi palco de um micro-atentado nuclear. Os terroristas não usaram mísseis nem carros-bomba, mas uma xícara de chá – ou, segundo algumas versões, um prato de sushi envenenado. A vítima: Alexander Litvinenko, ex-espião da KGB e inimigo declarado do governo russo. A autópsia descobriu em seu estômago partículas de uma rara e mortífera substância radioativa, o polônio-210.

Até hoje, ninguém sabe quem envenenou o espião dissidente, mas a investigação britânica aponta o serviço secreto russo como principal suspeito. Alguns meses antes de morrer, Litvinenko fez acusações assustadoras contra a ação russa na guerra da Chechênia – um dos conflitos separatistas mais sangrentos da última década, cujos meandros também envolvem a guerra contra o terrorismo e boas toneladas de petróleo. Para compreender essa rede de intrigas, é preciso compreender a situação geopolítica da Chechênia, localizada numa das regiões mais complexas e fascinantes do mundo: o Cáucaso.

Com seus picos, florestas e despenhadeiros selvagens, o Cáucaso é uma ponte estratégica (e até hoje indomável) entre a Ásia e a Europa. A região foi colorida desde a Antiguidade por uma miríade de etnias, religiões e culturas. Não por acaso, historiadores árabes apelidaram-na de Jabal al-Alsine, a “Montanha das Línguas” – até hoje, mais de 50 idiomas são falados por lá.

No século 18, exércitos enviados pelo Império Russo dominaram a região, contra a vontade de grupos étnicos como azeris, inguches e chechenos. Oprimidos pelos czares, os povos caucasianos continuaram padecendo após a Revolução Russa. Durante a Segunda Guerra Mundial, Josef Stalin acusou-os de tramar complôs contra-revolucionários. Em 1944, o ditador soviético ordenou que toda a população chechena – cerca de meio milhão de pessoas – fosse deportada para a Sibéria. Centenas de milhares acabaram morrendo no exílio, que só acabou em 1957.

Após o desmoronamento da URSS, em 1991, três repúblicas independentes surgiram no Cáucaso: Geórgia, Armênia e Azerbaijão. Mas o norte da região, incluindo a Chechênia, continuou pertencendo à Rússia. Quando os chechenos declararam sua independência, no outono daquele mesmo ano, Moscou tratou o assunto como rebelião. A guerrilha chechena, no entanto, estava bem preparada para a briga. Resultado: as tropas russas sofreram uma derrota humilhante e, 5 anos depois, foram obrigadas a bater em retirada.

O conflito voltou a explodir no finzinho do século 20. Em 1999, centenas de civis moscovitas foram mortos numa série de atentados à bomba. O governo de Vladimir Putin jogou a culpa nos muçulmanos chechenos e deu início a uma brutal campanha militar – marcada por limpeza étnica, atrocidades de ambos os lados e bombardeios indiscriminados, que transformaram a capital, Grozny, numa cidade-fantasma. Reintegrada à força, a Chechênia é até hoje um barril de pólvora no calcanhar da Rússia – e um dos mais dolorosos pontos de atrito entre o Ocidente e o mundo islâmico.

Detalhe arrepiante nessa encrenca entre separatistas chechenos e governo russo: segundo as denúncias de Litvinenko, os atentados de 1999 não foram armados por rebeldes, mas pelo próprio serviço secreto da Rússia, que buscava um pretexto para enquadrar a invasão da Chechênia no rol das “guerras contra o terror”.

A Chechênia não é a única ferida aberta nos contrafortes da Montanha das Línguas. Movimentos separatistas também assolam os países do sul do Cáucaso, que conquistaram a independência com o fim da Guerra Fria, como o Azerbaijão e a Geórgia (leia mais no quadro abaixo). Por enquanto, esses conflitos são de baixa intensidade, mas podem se transformar em um terremoto geopolítico por conta do tesouro energético no subsolo do Cáucaso: 50 bilhões de barris de petróleo – menos da metade dos barris do Iraque, mas 6 vezes mais que os 8,5 bilhões do Brasil.

Quem luta contra quem no Cáucaso

Há pelo menos 4 territórios em disputa, colocando em lados opostos grupos separatistas e governos.

Abkhásia

Adversários – Etnia abkhásia x Geórgia

Desde quando – 1992

O que está por trás – Trata-se de uma queda de braço entre a Rússia, que apóia a independência da Abkhásia, e os chechenos, aliados da Geórgia.

NAGORNO KARABAKH

Adversários – Maioria armênia x Azerbaijão

Desde quando – 1991

O que está por trás – Petróleo (o Azerbaijão tem a maior reserva do Cáucaso) e posição estratégica entre o Ocidente e o Mar Cáspio.

CHECHÊNIA

Adversários – Governo autônomo da Chechênia x Rússia

Desde quando – 1994

O que está por trás – Moscou teme que a independência da Chechênia acabe estimulando movimentos separatistas em outras partes da Rússia.

DAGUESTÃO

Adversários – Guerrilha chechena e simpatizantes x Rússia

Desde quando – 1999

O que está por trás – Estão em jogo reservas de petróleo, gás natural, carvão e um oleoduto estratégico que liga o Mar Cáspio aos portos do Mar Negro.

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