Inteligência? Qual delas mesmo?
Espacial? Social? Escolha a sua: nossa mente parece ser feito um canivete suíço, com módulos separados para cada tarefa, moldados pela seleção natural.
Texto Giovana Girardi
Em meados de outubro deste ano, o biólogo James Watson, um dos descobridores da estrutura do DNA e vencedor de um Nobel por isso, jogou lenha em uma fogueira que andava meio apagada nos últimos tempos. Ele disse ao jornal britânico The Sunday Times que negros são geneticamente menos inteligentes que brancos, provocando uma enxurrada de reações mundo afora. Watson se desculpou no dia seguinte, disse que não é racista, mas insistiu em discutir o que ele chama de “bases genéticas da inteligência”.
A polêmica retoma uma antiga discussão sobre o que caracteriza a inteligência humana e como – e se – é possível mensurá-la, o que abre caminho para a comparação entre as inteligências individuais e dos povos. A mais famosa ferramenta desse tipo é o teste de QI, determinado com base na quantidade de acertos em questões de raciocínios lógico-matemático, verbal (ligado ao uso da linguagem) e espacial.
Nas últimas décadas, essa noção vem perdendo espaço para novas teorias que defendem que a cultura desempenha um papel importante na forma como a inteligência se manifesta. E, mais do que isso, que ela não se traduz apenas no desempenho de um teste nem tampouco em um único número. Entra em cena a Teoria das Inteligências Múltiplas, que propõe a existência de pelo menos 9 tipos diferentes e independentes dessa capacidade.
Para o psicólogo Howard Gardner, da Universidade Harvard, pai da idéia, “inteligência é o potencial biopsicológico para solucionar problemas ou criar produtos que sejam valorizados numa cultura”. Em bom português, é a capacidade de se virar – como o caso do moleque pobre que nem sabe ler, mas é um gênio do futebol.
Grupo das 7
Inicialmente, Gardner propôs a existência de pelo menos 7 inteligências: lingüística, lógico-matemática, musical, físico-cinestésica (potencial de usar o corpo para dança, esportes etc.), espacial (capacidade de compreender o mundo visual de modo minucioso, como ocorre com artistas, arqu itetos, enxadristas), interpessoal (habilidade de entender as intenções, motivações e desejos dos outros) e intrapessoal (capacidade de se conhecer). Nos últimos tempos, ele agrupou as duas últimas como “inteligências pessoais” e sugeriu mais duas categorias: naturalista (de reconhecer e classificar espécies na natureza) e existencial (preocupação com questões fundamentais da existência).
Por outro lado, a turma de cientistas que avalia o comportamento humano do ponto de vista da evolução da nossa espécie, os chamados psicólogos evolutivos, sugere que a nossa mente funciona como um canivete suíço. Assim como cada peça do canivete foi desenhada para resolver um tipo específico de problema, nós te-ríamos domínios cognitivos, inteligências diferentes que serviram lá atrás para nossos ancestrais sobreviverem e foram sendo moldadas ao longo dos milênios pela seleção natural. É como se fossem habilidades “pré-prontas” das quais podemos lançar mão diante da necessidade.
Medida em alta
O fenômeno mais curioso e menos entendido na área de estudos da inteligência atende pelo nome de efeito Flynn. Descoberto pelo pesquisador neozelandês James Flynn, trata-se de um aumento constante de cerca de 20 pontos – por geração – no QI de pessoas do mundo todo, desde habitantes de países desenvolvidos até moradores do Quênia e do Brasil. Os jovens estariam mais inteligentes?
O QUE ESTÁ AUMENTANDO?
O mais curioso é que, segundo os estudos, o efeito não tem a ver com educação, pois o maior aumento de QI se dá em exercícios que não dependem do conteúdo aprendido na escola, mas só de raciocínio lógico. Caso esses dados estejam corretos, a inteligência vai se mostrar algo muito mais maleável.