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Jostein Gaarder

O autor de O Mundo de Sofia acha sua vida muito curta e diz que pode parar de escrever

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h20 - Publicado em 31 ago 2000, 22h00

Quando começa a falar, Jostein Gaarder movimenta tanto os seus braços que parece que vai voar – especialmente quando as palavras mistério, universo, milagre, vida e morte saem da sua boca. Um mero desconhecido nos círculos literários antes de publicar O Mundo de Sofia, há nove anos, o escritor norueguês tem hoje seus livros disputados por editoras e lidos por milhões de pessoas em todo o mundo. Em Maya, seu novo romance, que será lançado no Brasil em dezembro pela Companhia das Letras, Gaarder convida o leitor a uma espécie de viagem psicanalítica às origens do homem e da natureza. O livro marca uma nova fase na vida do autor. Aos 47 anos, ele anda trocando a Filosofia pelas Ciências Naturais. “Meu grande interesse neste momento é estudar o que é a consciência desde o ponto de vista da Neurologia”, diz Gaarder. “Poucas pessoas se dedicam a estudar a consciência humana com a mesma dedicação com que estudam buracos negros, estrelas anãs e luas de Marte”.

Em seu livro O Mundo de Sofia, Albert, um dos personagens, pergunta a Sofia: “Quem é você?” Quem é Jostein Gaarder?

Esta é uma pergunta sobre a identidade. Minha identidade é o que sou. Assim, é fácil responder essa questão: sou da Noruega, tenho uma esposa e um filho. Sou um europeu, membro da humanidade. E, cada dia mais, sei que sou parte do universo, que tenho uma identidade universal. À medida que passam os anos, começo a contemplar a vida de um ângulo maior. Os pequenos detalhes que antes me obcecavam já não o fazem. Mesmo assim, me preocupa a idéia de que sou parte desse milagre por um curto período de tempo. Minhas células se criaram há mais de dois bilhões de anos, mas necessitam de apenas um segundo para morrer. Isso me parece um paradoxo. Sou consciente do passado de minhas células, mas não tenho futuro. Há apenas alguns meses, comemorei o início do ano 2000 e me senti como se eu fosse a última peça do dominó.

No começo de Maya, sua obra mais recente, há uma referência à brevidade do tempo. Por que isso lhe inquieta tanto?

Você não acha que nossa existência é muito curta? Eu acho que sim. Muita gente acha que não. Em Maya, esse tema é discutido logo no começo, quando um dos personagens pergunta a outro: “Se lhe dissessem que acendendo essa chama você viveria eternamente, você acenderia?” E o outro responde: “Acenderia sem nenhuma dúvida”. Eu também acenderia sem hesitar. Nem me arrependeria depois de um milhão de anos. Muitos leitores comentam que os personagens dos meus livros sempre celebram a vida, o que é verdade. Você já se deu conta do quanto se fala sobre a vida nos funerais?

Como você pode estar tão seguro de que não se arrependeria ao escolher a imortalidade?

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A vida e a morte são duas caras da mesma moeda. Mas a minha escolha seria clara. Não duvidaria.

Ao acender a chama você provavelmente ficaria com um único lado da moeda…

Talvez fosse perigoso. Conheço os dois lados da moeda. Mesmo assim, escolheria a vida eterna. Não tenho o suficiente com apenas uma vida. Quando tinha 15 anos, já pensava assim.

Como é a sua relação com a morte?

Vejo a morte como o final da vida. Epicuro dizia que não temos que nos preocupar com a morte, porque quando a morte existe, nós não existimos.

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Como você se define? Escritor ou filósofo?

Se tivesse que escolher, diria que escritor. Quando era professor já escrevia. Logo publiquei O Mundo de Sofia e fui ao mesmo tempo uma coisa e outra. Através do Espelho e Ei! Tem Alguém Aí? foram livros filosóficos. Minha ligação com a vida tem sido essa desde sempre. Agora espero ser mais escritor.

Como foi sua infância?

Era uma criança solitária. Tinha dores de cabeça. Me lembro que contemplava as outras crianças brincar. Era muito reflexivo. Mas aos 10 anos era um garoto normal, apesar de não gostar de futebol.

O destino, o jogo de cartas, as coincidências, a probabilidade… Todos esses temas estão presentes em seus livros. Você acha que tudo está preparado e que o destino impera?

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Não creio na predestinação. Nem mesmo em vida depois da morte. Meu único desejo é viver para sempre. Desse desejo estou seguro.

A Genética e a Astronomia aparecem refletidas sutilmente em Maya. Você acredita que os grandes avanços científicos criarão novas crenças no futuro?

Como a Internet, esses avanços afetam o rumo dos seres humanos. Uma das minhas grandes perguntas é: como isso acontecerá? Hoje, pelo telefone, temos acesso a todo conhecimento humano. A Biologia Molecular e a Engenharia Genética vão mudar nosso pequeno mundo. A mudança mental do homem é mais lenta.

Você crê em Deus?

Tenho meu próprio credo. Penso que o mundo e o universo não são uma coincidência. Há uma intenção. Não creio em uma revelação. Para mim o próprio mundo é a revelação.

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O que você sente quando escreve? Prazer, angústia, estresse, dor?

Antes de escrever ligo o rádio, a lava-louças, tento fugir. Mas, finalmente, o texto se impõe. Há alguns anos escrevia com mais prazer do que agora, talvez porque esteja ficando velho. Antes, amava o ato de escrever. Mas depois dos livros que publiquei, sinto que já contei muito. Não sei se Maya será meu último livro, mas se houver outro depois, será completamente diferente.

Talvez o sucesso tenha algo a ver com esse bloqueio…

Meus livros têm despertado expectativas em todo o mundo. Isso tem afetado o lado prático da minha vida, mas eu não mudei. Confesso que o sucesso perturbou o meu processo criativo. Foram feitos filmes dos meus livros e lançados CDs. Isso provocou novos sinais elétricos em minha mente, distorções entre o mundo, a vida e eu. É como um bloqueio. Sei que muitos autores escrevem para sobreviver. Eu não preciso.

Você está acompanhando as novas discussões sobre tempo e espaço?

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Estou muito influenciado pelo que tenho lido de Kant, Einstein, a teoria do Big Bang. Penso que o mundo é como o vemos. Uma mosca o vê de outra maneira, mas eu o vejo como ser humano e esse é meu tempo e meu espaço. O tempo para mim é a realidade.

O amor, entendido por alguns dos personagens de Maya como uma bebida de eternidade, é parte fundamental do romance. Essa bebida acaba no mundo real?

Sim, a fonte do amor se esgota. Hoje é mais difícil para a gente amar outras pessoas e ter uma vida amorosa. Na sociedade moderna as condições para o amor não são fáceis. Amor é sentir uma completa devoção e dedicação por outra pessoa. Fazer amor é uma frase preciosa porque diz que o amor é algo que nós fazemos.

O que você mais ama e odeia?

O que mais amo é minha esposa. O que mais odeio, a avareza. Vinte por cento das pessoas controlam os 80% restantes. E isso vai continuar. Com a globalização, a diferença entre ricos e pobres aumentará e vamos precisar de novos rumos.

Qual é o antídoto para deter esta desumanização?

Vejo a necessidade de mudar muitas coisas no mundo, sobretudo o controle de nós mesmos e de nossas consciências. Somos descendentes de seres que têm lutado entre si. Mas devemos aprender a controlar o nosso egoísmo. É preciso mudar muitas instituições. Como? As soluções passam necessariamente por uma maior consciência. De minha parte, tenho gastado muito dinheiro na criação de fundações. Também criei um prêmio ecológico. Espero que possa ajudar um pouco.

Frase

Acredito que o mundo e o universo não são uma coincidência. Há uma intenção

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