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Justiça – a vida depois do corredor da morte

Condenado por homicídio, ele passou 3 anos esperando por sua execução nos EUA. Enquanto isso, mobilizou o rei da Espanha e o papa – e terminou inocentado.

Por Maria Miranda
Atualizado em 24 jan 2018, 15h20 - Publicado em 9 Maio 2012, 22h00

Sara Pérez Escobar estava agarrada a uma imagem de Cristo. Quando ouviu o veredito, caiu num choro desconsolado e desmaiou em meio aos aplausos. O júri acabava de absolver unanimemente seu filho, Joaquín José Martínez, do homicídio de duas pessoas, pelo qual havia sido sentenciado à morte anos antes, em 1997.

Sua luta para provar a inocência começou em janeiro de 1996. Martínez, nascido no Equador, filho de espanhol e equatoriana, morava na cidade de Tampa, Flórida. Então com 26 anos, era um empresário, tinha um carro esportivo, casa na praia e uma segunda esposa. “Era um jovem estúpido que vivia o sonho americano”, diz em sua autobiografia.

Num dia em que voltava da casa da ex-mulher, seu carro foi cercado por 4 viaturas de polícia, enquanto helicópteros o acompanhavam do alto. Os policiais buscavam-no pela morte de Douglas Lawson, um traficante de drogas e filho do chefe do escritório de provas do xerife da cidade, e de sua noiva, Sherry McCoy, uma dançarina de striptease. Meteram-no numa cela, sem qualquer explicação.

O crime tinha ocorrido em outubro de 1995, e 11 suspeitos já haviam sido detidos antes de Martínez, sem nenhuma conclusão definitiva. A polícia não sabia mais como resolver o caso quando a ex-mulher de Martínez – que estava a ponto de perder a custódia das duas filhas para ele – resolveu denunciá-lo, dizendo que ele cometera o crime.

O traficante de drogas morto já tinha trabalhado na mesma empresa que Martínez, anos antes, mas eles não mantiveram qualquer vínculo após ter saí-do da empresa. Faltava, portanto, algum motivo aparente para o crime. Além disso, as impressões digitais e o DNA coletados na cena do crime não eram dele. A única prova que a polícia apresentava era a filmagem de Martínez com a ex-mulher, gravada por ela mesma, em que ele supostamente confessava ter cometido o crime.

Mas como, “supostamente”? A gravação era de péssima qualidade, e quem a transcreveu foi o próprio xerife, pai de uma das vítimas, que tinha oferecido US$ 10 mil como recompensa para quem achasse o criminoso. Além da fita, havia o testemunho da ex-mulher, dos policiais envolvidos no caso e de colegas de cela que receberam a oferta de redução da pena em troca da denúncia. Martínez acabou sentenciado à pena de morte – que, na Flórida daquela época, era na cadeira elétrica. Ao se despedirem dele, seus pais, Joaquín Martínez Sánchez e Sara Pérez Escobar, prometeram iniciar uma luta para tirá-lo de lá. Foi o que lhe deu forças para seguir em frente.

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1 144 dias no corredor

Nos primeiros 30 dias de prisão, sem poder receber visitas, Martínez começou a duvidar de que seu caso pudesse ter solução. Era sua fase de adaptação, em que lhe permitiam sair da cela apenas duas vezes por semana, para tomar banhos de 7 minutos. A descrição dos 5 anos que passou preso – dos quais 1 144 dias na cela de 1,8 metro por 2,9 metros do corredor da morte – é aterradora.

Viu 8 pessoas serem mortas. Delas, 3 foram logo na primeira semana para a cadeira elétrica. Depois disso, o governo da Flórida passou a fazer as execuções com injeção letal, menos dolorosas. Era o que esperava por Martínez no final do corredor. “Via um condenado caminhando para a cadeira elétrica. No corredor, a lâmpada piscava e nessa noite não dormia.”

Da cela 202, cujos vizinhos eram um árabe e um cubano, via os condenados caminhando para a execução. Choravam e tremiam e, às vezes, urinavam nas calças, no percurso. Viu morrerem pessoas que depois foram inocentadas. Viu pessoas ficarem loucas. E ele próprio achou que perderia a razão.

O que lhe deu esperança foi a visita frequente dos pais e a mobilização que promoveram. Recorreram a todos os canais – jornais, diplomacia, governos, todos os partidos políticos, organizações como a Anistia Internacional – para tentar conseguir dinheiro para pagar um bom advogado e pedir um novo julgamento para o filho. Apoiaram-no também o Parlamento europeu, o Senado italiano, o rei da Espanha e o papa João Paulo 2o. Não demorou para que as correspondências que ele recebia chegassem a 400 cartas por semana.

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Em 2000, Peter Raben – o novo advogado, cujo serviço custou o equivalente hoje a R$ 1,5 milhão – apelou a um novo julgamento, alegando manipulação de provas e de testemunhos. E a Suprema Corte da Flórida o concedeu por unanimidade. A acusação não pediu, dessa vez, a pena de morte. É que a fita na qual a primeira sentença tinha sido baseada foi considerada prova inválida, por ser inaudível. E diversas testemunhas de acusação, inclusive a ex-mulher de Martínez, alteraram seu depoimento. O pai da vítima, responsável pela transcrição da gravação, que serviu de única prova contra o acusado, admitiu que era uma falsificação. Acabou decidindo testemunhar a favor dele, mas morreu pouco antes do julgamento.

Quando o dia chegou, a acusação ainda pedia prisão perpétua. Mas os promotores chegaram a propor a redução da pena para 5 anos, caso Martínez assinasse uma confissão. Ele não assinou.

Em junho de 2001, após 3 horas de discussão, os 12 membros do júri declararam que ele estava absolvido dos assassinatos por falta de provas.

“Sentia-me como uma criança que quer descobrir tudo o que a rodeia. Via o sol, o céu e todos os jornalistas que me apoiaram. Meus olhos se cegavam com tanta luz depois dessa cova escura”, conta. Depois de uma noite na casa do cônsul espanhol e outra na dos pais, partiu para a Espanha, onde foi recebido como herói por militantes.

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Hoje, Martínez, que na juventude foi a favor da pena de morte, também atua como militante contra essa prática, ainda permitida em 57 países.

Presos por acaso
Erros da Justiça brasileira mantêm presas 120 mil pessoas indevidamente – inocentes ou com pena já cumprida

O pernambucano Marcos Mariano da Silva foi preso injustamente nos anos 80, acusado de homicídio. Ficou na cadeia por 13 anos. Em 2006, o Superior Tribunal de Justiça determinou que o governo de Pernambuco lhe pagasse uma indenização de R$ 2 milhões. Ele morreu em novembro de 2011, depois de receber a notícia de que seria paga a segunda parcela da indenização. Segundo o Conselho Nacional de Justiça, 120 mil pessoas estão presas indevidamente no Brasil, seja por ter recebido uma condenação errada, seja por ainda não ter recebido a liberdade apesar de já ter cumprido sua pena.

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Inocentes
Eles também foram ao corredor e tiveram a pena revertida

Laurence Adams
Tinha 19 anos quando foi condenado à pena de morte por latrocínio. Foi inocentado depois de ter passado 30 anos atrás das grades, em 2004.

Ray Krone
Foi condenado em 1992 porque seus dentes tortos tinham o mesmo formato das marcas na vítima. Em 2002, testes de DNA provaram sua inocência. O verdadeiro assassino já era acusado de estupro.

Gary Gauger
Foi condenado pela morte de seus pais em 1993. Ficou 3 anos esperando ser executado, até dois membros de uma gangue de motociclistas serem declarados os verdadeiros culpados.

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Para saber mais

Anistia Internacional EUA. https://www.amnestyusa.org

Memorias del Corredor de la Muerte. Joaquín José Martínez, Grijalbo Mondadori, 2001.

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