Lugares míticos: rotas para o paraíso
Há lugares que ninguém sabe ao certo se existiram de verdade, mas que nunca saem do imaginário popular. E continuam atraindo turistas e curiosos em geral.
Aline Rochedo
No meio da floresta tropical, às margens de um lago, um povo indígena construiu um povoado chamado El Dorado. De calçadas a prédios, tudo era coberto de ouro maciço e pedras preciosas. Havia tanta riqueza que os nativos desperdiçavam o pó do cobiçado metal cobrindo seus corpos em rituais. Ficção ou realidade, essa foi uma das mais reluzentes histórias que aventureiros tenazes levaram à coroa espanhola quando retornaram das expedições após meses traçando a América do Sul. Admitiam que ainda não tinham encontrado El Dorado, mas, por meio de relatos “incontestáveis”, acreditavam que achar a colônia mais rica do mundo era uma questão de tempo, paciência e dinheiro para financiar novas jornadas.
A localização do misterioso paraíso era imprecisa. Nos séculos 16 e 17, alguns mapas apontavam El Dorado numa área correspondente hoje ao Estado de Roraima, no Brasil. Mas a maioria dos aventureiros encarregados de embarcar o máximo de ouro para a Europa preferia pensar que a milionária tribo habitava as florestas fechadas da Colômbia e da Venezuela, pois de lá saíram, em 1530, as primeiras notícias sobre grandes volumes de materiais preciosos.
Em 1541, o explorador espanhol Francisco Orellana, companheiro de Francisco Pizarro no ataque aos incas, fez a mais famosa expedição em busca de El Dorado. Separou-se do grupo para navegar por um rio do Peru ao Oceano Atlântico sem bússola. Atacado por índios, disse ter avistado uma tribo de mulheres gigantes. Comparou-as às guerreiras amazonas da mitologia grega, episódio que daria nome ao Amazonas. Ótimo contador de histórias, Orellana prometeu a seus reis tesouros maiores que os do Peru e renovou o financiamento para voltar à região em 1544. Morreu na jornada.
Outros aventureiros procuraram El Dorado à custa da Espanha, mas ninguém teve sucesso. Se não deu para achar as sonhadas minas, as expedições serviram para mapear o norte da América do Sul e enriquecer o mito com mais detalhes.
Resort tibetano
Diferentemente da maioria das cidades ocultas, El Dorado não entra no roteiro de viajantes esotéricos, místicos, excêntricos ou curiosos em geral por terras perdidas. Talvez pelo fato de a floresta ser de difícil acesso, limitando a infra-estrutura hoteleira e gastronômica. Pode ser também um simples problema de marketing, pois a lenda promete ouro e nenhuma lição de natureza espiritual. E riqueza espiritual é o que não falta em um dos destinos que lideram a preferência dos viajantes: Shangri-Lá, paraíso tibetano habitado por monges felizes, sábios e pacíficos. Só que ninguém sabe ao certo a que altura do Himalaia fica a tal cidade.
Shangri-Lá tornou-se popular em 1933, com o livro Horizonte Perdido, de James Hilton. Inspirado pela lenda hindu de Shambala – que fala sobre um vale à sombra de uma montanha de cristal branco do Himalaia –, o escritor britânico recriou a utópica cidade de budistas vestidos com túnicas brancas e ganhou páginas de jornais indianos e ingleses por semanas. Em 1937, o americano Frank Capra adaptou o livro para o cinema e a palavra Shangri-Lá virou sinônimo de paraíso. A ponto de, em 1942, Franklin Roosevelt trocar o nome da residência presidencial de férias Camp David, em Maryland, nos Estados Unidos, para Shangri-Lá (anos depois, em 1953, o presidente Dwight Eisenhower ressuscitaria o nome “Camp David”).
Embora Hilton jamais tenha pisado no Tibete e suas descrições se baseassem em relatos e na própria imaginação, muitos aventureiros tomaram a ficção como realidade. Ainda hoje há gente percorrendo o Tibete, a Índia, o Nepal e partes da China povoadas por budistas, em busca do misterioso resort descrito pelo romancista. Com tantos peregrinos, essas regiões estão repletas de hotéis chamados Shangri-Lá. E haja paciência para os monges, cansados de explicar que a necessidade de encontrar o paraíso num lugar distante é justamente o que os mantém tão longe de alcançá-lo.
O sonho afundou
Se o mar não tivesse engolido Atlântida, a ilha seria um destino capaz de concorrer com a badalada Ibiza. O fascínio pelo império citado pela primeira vez por Platão, no século 4º a.C., inspira a literatura e o cinema há gerações. Sem falar nos cientistas que reviraram as profundezas do Atlântico, atrás de palácios ou fragmentos que confirmem a existência do território em algum lugar do passado. Mesmo sem evidências físicas, alguns se recusam a acreditar que a história tenha sido só uma crítica social em forma de parábola criada por Platão. O filósofo grego descreveu Atlântida como uma rica nação repleta de belezas naturais e que vivera em harmonia por séculos. Depois de 2 500 anos, acabou sendo riscada do mapa em menos de 24 horas por um Zeus furioso com os altos índices de corrupção e degradação humana que tomaram conta de seu povo.
Para o americano Richard Ellis, um estudioso do mito, Atlântida não sai do imaginário porque não se pode provar que não existiu, a exemplos de histórias sobre ETs. A afirmação foi contestada em 2004 pelo pesquisador americano Robert Sarmast, que anunciou ter descoberto estruturas artificiais submersas a 1,5 quilômetro entre Chipre e Síria. Dizia que, por anos, cientistas haviam perdido tempo vasculhando lugares errados. Segundo Sarmast, Chipre é parte de Atlântida, e o resto estaria oculto no mar. O pesquisador não está sozinho na busca pelo paraíso de Platão em outros mares. As costas da Espanha, de Cuba e da Inglaterra também são constantemente vasculhadas pelos crentes.
Atrás da cortina
Pelo menos uma cidade mítica tem endereço fixo: é a Ilha de Avalon, local encantado onde a espada do rei Arthur foi forjada e onde o monarca permanece vivo, aguardando o momento certo de reaparecer. Avalon fica exatamente onde está a bucólica Glastonbury, a 150 quilômetros de Londres, na Grã-Bretanha. Como é possível duas cidades ocuparem o mesmo espaço? Imagine duas localidades divididas por um véu. A passagem de um lado para o outro se dá por meio da percepção, do estado de espírito ou de qualquer coisa parecida. A indicação de paraísos em outro plano físico, aliás, é uma das características das lendas celtas.
Em 1191, monges encontraram em Glastonbury a suposta tumba do mítico rei Arthur, atestando que aquele era o local onde um dia existiu a pagã Avalon. Naquela época, a região já era famosa e considerada sagrada pela crença de que José de Arimatéia – aquele que supostamente levou o Santo Graal para a Europa – tivesse fundado o mosteiro. Somadas as duas histórias, Glastonbury e Avalon entraram na rota de peregrinos, místicos, arqueólogos e curiosos em geral. E o rei Arthur que espere mais um tempinho para ressurgir do além. Os moradores ainda têm muito que lucrar.
Para saber mais
SITE
https://www.eaudrey.com/myth/Places/index.htm
Informações sobre vários lugares míticos menos conhecidos, incluindo mapas de localização.
Mistério no grande sertão
Documento do século 18 mencionava civilização perdida na Bahia
Em 1838, o naturalista Manuel Ferreira Lagos remexia nos arquivos da Livraria Pública da Corte – atual Biblioteca Nacional do Rio – quando deparou com um manuscrito sobre “uma oculta e grande povoação antiqüíssima sem moradores”. Redigido em 1753 para narrar a aventura de exploradores nos sertões da Bahia, o empoeirado relatório daria origem à mais fantástica história de cidade perdida brasileira. O documento falava de bandeirantes surpreendidos por um caminho calçado que conduzia para dentro de uma montanha de cristais. As moradas simétricas ficavam grudadas e tinham tetos cobertos de ladrilhos. Na rua, a praça era enfeitada por coluna e estátua de um homem apontando para o norte. A cidade estava em ruínas, levando os tropeiros a suspeitarem de terremoto como causa do fim da civilização. O império brasileiro tomou o manuscrito como verdadeiro e financiou diversas expedições à Bahia com a missão de encontrar vestígios da fantástica civilização capaz de recriar no então desconhecido sertão o modelo urbanístico clássico do mediterrâneo. Ninguém mais encontrou qualquer coisa.