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Matemática sem números

Os incas administravam um império sem usar letras ou algarismos.

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h12 - Publicado em 31 mar 1999, 22h00

Luiz Barco

Vamos falar este mês de um povo extraordinário. Eles não dispunham de uma linguagem escrita e nem mesmo de um sistema numérico com uma notação gráfica. Ainda assim, administraram com invejável competência um vasto país que reunia o que hoje corresponde à superfície somada de França, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Suíça e Itália – os incas. Com a capital instalada na cidade peruana de Cuzco, sua civilização chegou a englobar o Equador (desde a fronteira com a Colômbia) e quase todo o Peru, avançando até a região central do Chile.

A ausência de números ou letras, no entanto, nem de longe significa que não soubessem contar. Veja só: imagine uma corda com um pouco mais de 1 metro de comprimento. Pendure nela um grande número de cordéis de 20 e poucos centímetros cada um e com um pequeno espaçamento entre eles, formando algo parecido com uma longa franja. Eis aí um quipo – nó, no idioma quéchua –, o nome dado ao primitivo, porém eficiente, “computador inca”. Um nó feito no cordel da ponta representava uma unidade. O seguinte era o dez, outro o 100, e assim sucessivamente. Já um cordel sem nada correspondia ao nosso zero. Trocando em miúdos, os quipos eram cordéis com marcas que obedeciam a um bem elaborado sistema de numeração decimal.

Além de indicar a quantidade, os cordéis tinham às vezes cores e espessuras diferentes. Eles serviam para registrar, por assim dizer, informações qualitativas. As variações do tamanho, das cores ou mesmo da forma dos nós serviam para “armazenar” detalhes vitais como o tamanho da safra, quantidades e tipos de armamentos disponíveis e até o resultado do recenseamento – tal qual um banco de dados. Essa “memória virtual” dos quipos era fundamental para assegurar a coesão do império.

O trabalho de contar era altamente especializado. Todos os registros eram feitos por uma espécie de “escribas de quipos”, profissionais que passavam de pai para filho a sua arte. Há indícios de que em todos os níveis da administração havia técnicos para fazer quipos específicos, como os usados para as anotações históricas elaboradas pelos homens sábios, os armantus, e que serviam como base para as narrativas transmitidas oralmente.

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Outra peculiaridade do engenhoso sistema de comunicação inca eram os chasquis, verdadeiros atletas que formavam um cordão humano ao longo do extenso território. A cada um cabia um trecho de mais ou menos 3 quilômetros de estrada. Estavam sempre prontos para percorrê-lo rapidamente a qualquer hora, levando e trazendo as informações mais importantes. Como numa corrida de revezamento, eles viajavam ao longo dos mais de 5 000 quilômetros da estrada real inca, do Equador ao Chile, mantendo o imperador atualizado e seguro. Era a Matemática a serviço da qualidade de vida de uma nação reverenciada até hoje.

Professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo

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