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Mentiras de pernas longas

De autoria desconhecida, as lendas urbanas são histórias sem fundamento que ganham ares de verdade à medida que se alastram como pragas. Você já caiu em alguma?

Por Da Redação Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO
Atualizado em 31 out 2016, 18h23 - Publicado em 30 set 2006, 22h00

Maurício Oliveira

Se você morria de medo de encontrar a loira fantasmagórica que freqüentava o banheiro da escola, indignou-se ao saber que gatos-miniatura estavam sendo criados dentro de garrafas ou ficou convencido de que os hambúrgueres do McDonald’s são feitos com “carne de minhoca”, bem-vindo ao clube dos ludibriados pelas lendas urbanas. E não precisa ficar constrangido: todo mundo já acreditou em pelo menos uma dessas histórias fantasiosas que se espalham como praga e, de tão repetidas, passam a ser interpretadas como verdadeiras por muita gente.

As lendas urbanas giram em torno de elementos típicos da vida nas cidades, em oposição às velhas lendas folclóricas, que têm como cenário a natureza ou ambientes rurais. Segundo quem se dedicou a estudar o tema, elas não surgem por acaso e, como todo boato, sua origem dificilmente pode ser identificada. “Quase sempre são criadas ou adaptadas com objetivos específicos”, afirma a professora Eliane Ferreira da Silva, do Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), autora de uma pesquisa sobre o tema.

A história da loira que há décadas apavora crianças de norte a sul do Brasil é simbólica. Supõe-se que o banheiro tenha sido escolhido como local das aparições da moça por tratar-se do único lugar de uma escola em que o estudante tem privacidade, o que significa estar mais sujeito a “desvios de comportamento”. Se há um jeito de fazê-lo sair correndo de lá para diminuir os riscos, tanto melhor.

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Há também lendas urbanas com motivação comercial – algo que muitas vezes se confunde com ideologia política, uma vez que determinadas corporações se tornaram ícones do capitalismo. Relatos desse tipo têm o objetivo claro de abalar a credibilidade de uma marca ou reduzir o consumo de um produto. “Os líderes de mercado são sempre os mais atingidos”, diz o professor Salomão Alencar de Farias, especialista em mercadologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Além do boato de que seus sanduíches contêm minhocas como ingrediente, o McDonald’s foi alvo de uma onda recente de boatos sobre a morte de uma criança picada por cobras na piscina de bolinhas. Em uma comunidade do Orkut destinada a discutir lendas urbanas, pessoas de diferentes regiões do país relataram ter ouvido a mesma história, mas cada uma se referindo a ela como se tivesse ocorrido em sua cidade – exemplo de como a difusão de uma lenda urbana pode ter progressão geométrica.

A força da internet

Ambiente em que verdades, meias-verdades e mentiras se confundem o tempo todo, a internet acelerou a velocidade da difusão de notícias – verídicas ou não – e tornou-se o hábitat perfeito para as lendas urbanas. Se antes essas histórias eram contadas para um pequeno grupo de amigos reunidos ao redor de uma fogueira, hoje podem atingir milhares de pessoas em questão de minutos, incluindo desconhecidos e gente que mora a centenas de quilômetros de distância. “A internet trouxe um poderoso elemento para convencer as pessoas: a possibilidade de ilustrar qualquer história com imagens”, diz o professor Arquimedes Pessoni, da Faculdade de Comunicação do Centro Universitário Faculdades Alcântara Machado (Fiam), em São Paulo. Foi graças à força das imagens que o caso dos gatos-bonsai disseminou-se rapidamente pela rede em 2000, gerando uma onda de protestos e abaixo-assinados ao redor do mundo. Era a história de uma empresa de Nova York que estaria criando gatos dentro de garrafas para limitar o crescimento e vendê-los a preço de ouro. Quem duvidasse poderia conferir, no site da empresa, fotos dos bichanos espremidos dentro das garrafas. Contudo, quase ninguém se preocupou em ler os textos que acompanhavam as imagens. De tão absurdos, deixavam evidente tratar-se de uma brincadeira – incluindo as fotos, montadas.

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Uma história falsa difundida virtualmente é chamada de hoax, verbo em inglês que significa “pregar uma peça”. Para driblar o seu maior ponto vulnerável – a ausência de uma fonte confiável –, os hoaxes costumam citar instituições conhecidas, especialmente universidades de ponta. A estratégia baseia-se na convicção de que raros leitores se darão ao trabalho de checar a veracidade do conteúdo. E quem fica na dúvida tem grandes chances de interpretar o relato como verdadeiro depois de algum tempo – afinal, terá esquecido se o ouviu de uma fonte confiável ou não. Mas, tal como um tornado ao atingir seu nível mais devastador, uma lenda urbana alcança seu poder mais devastador, quando é levada a sério pela grande mídia. A célebre história do ET de Varginha só saiu dos limites da pacata cidade mineira por causa da cobertura exagerada de alguns programas de TV. Em outro caso que se tornou célebre, a história de que os mapas utilizados nas aulas de Geografia dos Estados Unidos registravam a Amazônia não mais como território do Brasil, mas sim como área internacional, só ganhou repercussão depois de comentários indignados de colunistas de jornal que engoliram e acreditaram no hoax.

A maioria das lendas urbanas sucumbe rapidamente, mas as “melhores” têm grande capacidade de adaptação e de resistência ao tempo. Em 1999, quando o governo lançou a campanha de vacinação de idosos contra a gripe, ouviu-se a versão de que se tratava, na verdade, de um projeto de extermínio de velhinhos para reduzir rapidamente o déficit da Previdência Social. Trata-se do mesmíssimo enredo transcorrido um século atrás, em 1904, quando correu o boato de que a vacinação obrigatória contra a varíola, proposta pelo sanitarista Oswaldo Cruz, escondia o plano de acabar com a população pobre do Rio de Janeiro. Boato que acabou sendo o estopim da Revolta da Vacina, que durou três dias e deixou 23 mortos, 67 feridos e causou quase mil prisões – prova de que as lendas urbanas nem sempre são inofensivas.

O medo como combustível

Provocar o pânico é uma característica das lendas mais populares

Quanto mais pessoas se identificarem com o conteúdo de uma lenda urbana, mais eficaz será sua difusão. E não há melhor forma de convencer os incautos do que pelo medo. Por isso, as histórias mais conhecidas têm um quê de terror, como as descritas a seguir:

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O boneco assassino do Fofão

Essa lenda tornou-se um clássico: quem abrisse o boneco do Fofão (personagem da Turma do Balão Mágico, programa infantil dos anos 80) encontraria uma faca que o bochechudo usaria para matar o dono durante a noite. Muitas crianças trucidaram o pobrezinho à procura do utensílio. A inspiração dessa lenda é óbvia: o filme Brinquedo Assassino, sucesso de bilheteria da época.

A quadrilha que rouba rins

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Em uma festa, um jovem aceita uma bebida oferecida por uma mulher atraente e desmaia pouco depois. Quando acorda, está em uma banheira, com o curativo de uma cirurgia nas costas. Assustado, liga do celular para um amigo médico, que afirma sem titubear: “Você foi mais uma vítima da quadrilha que rouba rins. Só nesta semana tivemos no hospital quatro casos iguais ao seu.”

Encontro macabro

Um homem dirige por uma estrada deserta à noite. De repente, surge uma mulher com gestos desesperados. Ele pára e a mulher pede ajuda para tirar o bebê dela de dentro de um carro acidentado logo adiante. Pouco antes de chegar ao carro, o homem olha para trás e não vê mais a mulher que lhe indicava o caminho. Em seguida, encontra o bebê vivo no banco de trás e uma mulher ao volante, morta – exatamente aquela que havia lhe pedido ajuda na estrada!

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Para saber mais

Site

https://www.contosurbanos.hpg.ig.com.br

Um resumo das lendas urbanas mais populares no Brasil.

Livro

Encyclopedia of Urban Legends, Jan Harold Brunvand, W. W. Norton & Company, 2002

Coletânea de lendas urbanas americanas. Em inglês.

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