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Mianmar, a estranha

Ditaduras, drogas e astrologia: a nação em ebulição é uma das mais misteriosas do mundo.

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Atualizado em 31 out 2016, 18h29 - Publicado em 31 out 2007, 22h00

Texto Deca Pinto*

Tudo ia bem em Mianmar. No dia 24 de setembro, o jornal New Light of Myanmar reportava os acontecimentos do dia: uma visita do ministro indiano do Óleo e Gás; a evolução das obras de uma nova ponte; o encontro de estudantes de medicina com crianças carentes. O clima de ordem e progresso só era quebrado por uma notícia: um protesto na cidade de Bago, em que 350 monges e 50 partidários da Liga Nacional da Democracia, insuflados por “invejosos da estabilidade e do desenvolvimento nacional”, atiraram garrafas d’água em um monastério. O resultado, segundo o jornal, foram “várias janelas quebradas”.

O New Light of Myanmar é um jornal editado pelo governo, uma ditadura que domina há 45 anos a nação mais corrupta do planeta, segundo a ong Transparência Internacional. Na lista do desenvolvimento humano, Mianmar ocupa a 130ª posição entre 177 países. 90% da população vive com menos ou cerca de US$ 1 por dia. A internet chega a apenas 1% da população – mesmo assim, com servidores controlados pelo regime. A economia, antes restrita à exploração de gás e ópio (atividade que sustenta 300 mil agricultores), se diversificou: a produção de anfetaminas está bombando, principalmente na região do Triângulo Dourado, área de fronteira com Tailândia e Laos tomada por guerrilheiros traficantes. Não por acaso, o lugar será palco do filme Rambo IV.

No dia 24 de setembro, aquele em que tudo ia bem nas páginas do New Light, 100 mil manifestantes, a maioria monges, tomaram as ruas de Yangon, a maior cidade do país. A decisão do governo de aumentar o preço dos combustíveis foi o estopim para o protesto, que extravasou o objetivo imediato e virou uma luta pela democracia.

Não foi a primeira vez que isso aconteceu. A dominação violenta faz parte da história recente do país. Ex-colônia britânica, Mianmar negociou sua independência em 1948 para cair em um conturbado período de democracia parlamentar. Em 1962, um golpe comunista depôs o governo civil e instaurou a administração militar que perdura até hoje. Em 1988, protestos estudantis pró-liberdade foram reprimidos com o sangue de 3 mil mortos e uma novidade: em um surto nacionalista, os militares trocaram o nome do país de Birmânia – tradução do inglês burma, como os colonizadores chamavam a etnia local dominante – para o atual, Mianmar, como o país é chamado na língua birmanesa. A ONU reconheceu o troca-troca. EUA, Grã-Bretanha e dissidentes birmaneses não. Consideram ilegítimo o nome inventado pelos milicos.

A diferença das recentes manifestações é que elas são lideradas por monges. Em um país 90% budista, isso muda tudo. Admirados pelos serviços sociais dos monastérios, os religiosos são os principais responsáveis pelo tratamento aos portadores do vírus HIV, epidêmico na região – são 20 mil mortes anuais em decorrência da aids. Hoje, estima-se que existam cerca de 500 mil monges, a mesma quantidade de militares do país. Na última semana de setembro, quando os religiosos lideraram as marchas antigoverno em Yangon, a junta militar que comanda o país (veja ao lado) estava a 400 quilômetros de distância, isolada na recém-construída capital, Naypyidaw. Espécie de Brasília de US$ 300 milhões no meio da selva, Naypyidaw recebeu os primeiros militares exatamente às 6h37 da manhã de 6 de novembro de 2005, seguindo recomendações do astrólogo que assessora o general Than Shwe. Raridade no país, a capital tem água e energia elétrica 24 horas. Celular não pega, em nome do isolamento. Os comandantes esperaram o dia 26, 9º dia de protestos, para comunicar às tropas a temida ordem: sentem o pau. O New Light of Myanmar noticiou assim a ocorrência: “Manifestantes jogam pedras e usam catapultas contra membros das forças de segurança”. Driblando a restrição ao uso da internet, blogueiros birmaneses e repórteres estrangeiros contaram ao mundo uma outra versão: manifestantes espancados, monges confinados, 200 mortos e milhares de desaparecidos. O planeta ouviu o grito de Mianmar. A questão é saber se alguém vai responder.

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* Colaborou Carlos Baer, que esteve em Mianmar durante o mês de fevereiro de 2007.

3 contra a rapa

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Quem são os militares que dominam o país com mão de ferro

Than Shwe

CARGO: Chefe de Estado.

Desde 1992, este militar de 74 anos é o cabeça do Exército. Sumiços em solenidades públicas alimentam os rumores de que ele estaria com câncer no intestino.

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Soe Win

CARGO: Primeiro-ministro.

Subordinado a Than Shwe, ocupa o cargo desde 2004. Conhecido por comandar o massacre contra os estudantes em 1988, estaria internado em Cingapura com leucemia.

Thein Sein

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CARGO: Primeiro-ministro em exercício.

Assumiu o cargo em maio, com a licença de Soe Win. Tem negociado as principais questões de política externa.

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