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O naufrágio do Titanic

O Titanic não era o navio mais seguro de sua época. Nem o mais luxuoso. Seu acidente teve menos vítimas do que outros. Mas essa é a tragédia marítima mais famosa do mundo. Entenda o erro que fez o navio afundar - e por quê a história dele continua sendo fascinante

Por Eduardo Szklarz
Atualizado em 15 abr 2020, 15h10 - Publicado em 2 fev 2013, 22h00

Em 14 de abril de 1912, o americano Jack Thayer, de 17 anos, esticou as pernas para curtir a noite no deque do Titanic, um colosso de 269 m de comprimento (quase 3 campos de futebol). O navio havia zarpado 4 dias antes de Southampton, na Inglaterra, com destino a Nova York. “As estrelas brilhavam como diamantes. Era o tipo de noite que deixa você feliz por estar vivo”, recordaria anos depois. A sensação de paz durou pouco: às 23h40, o Titanic atingiu uma barricada de gelo. Das 2228 pessoas a bordo, 1523 morreram. Aquela viagem inaugural se tornou a mais famosa tragédia marítima da história. Mas por quê, afinal, ninguém viu aquele iceberg a tempo?

Para a alta sociedade de 1912, o Titanic parecia o suprassumo da segurança. Quinze mil trabalhadores o haviam construído nos estaleiros da empresa Harland and Wolff, em Belfast, na Irlanda. Ele contava com 16 compartimentos estanques, cujas portas, todas à prova d’água, eram fechadas de forma automática. A companhia inglesa White Star Line, proprietária da embarcação, garantia que ela era “praticamente inafundável”.

Com tanta tecnologia, os botes salva-vidas eram mera formalidade. O plano original previa 64, mas a White Star só deixou 20. Juntos, eles podiam levar 1178 pessoas – menos da metade da capacidade total do navio (3547), embora 17% a mais do que a legislação britânica exigia. A aura de segurança veio acompanhada de outros mitos que se mantiveram até hoje. “O Titanic não era o mais requintado nem o mais avançado navio da época. Seu único recorde era o tamanho”, diz o historiador marítimo Paul Louden-Brown.

O Titanic e seu irmão gêmeo, o Olympic, foram construídos para competir com o Lusitânia e o Mauritânia, da Cunard Line, que eram uma espécie de Concorde dos mares: velozes e fáceis de manobrar. Já o Titanic era como um Boeing 747. Tinha espaço de sobra, era mais econômico… e mais lento e atrasado. “A popa (parte traseira) do Titanic era a cópia fiel de um barco a vela do século 18”, diz o historiador. “O leme era pequeno em relação ao casco. Isso o deixava lento para virar em caso de iceberg.”

O capitão do navio, Edward Smith, era bem-visto entre os magnatas que cruzavam o Atlântico. Aos 62 anos, ele pretendia se aposentar após a viagem. O que poucos sabiam na época é que Smith possuía várias barbeiragens no currículo. Em 1899, por exemplo, o navio Germanic tombou sob seu comando quando rumava ao encouradouro de Nova York. Na viagem inaugural do Olympic, em junho de 1911, Smith danificou um rebocador ao se aproximar do mesmo porto. Em setembro, ao deixar a costa britânica, o capitão colidiu o Olympic contra o cruzador Hawke, que teve a proa amassada. No ano seguinte, o Titanic deixou Southampton às 12h15 de 10 de abril. Quase provocou um acidente minutos depois: Smith passou raspando nos barcos New York e Oceanic. Ainda assim, foi uma viagem tranquila até o dia 14.

Na sala de comunicações, a tensão era crescente. A partir das 9h, o rádio-operador John Phillips começou a receber mensagens de barcos na redondeza. “Icebergs e campos de gelo”, avisou o Caronia. “Muito gelo”, advertiu o Noordam. Informado do perigo, o capitão Smith entregou uma das mensagens a Joseph Bruce Ismay, dono da White Star Line. Mas o chefe colocou a mensagem no bolso e foi almoçar. No restaurante, Ismay comentou sobre os avisos. “Suponho que o senhor vai diminuir a velocidade”, disse a passageira Emily Ryerson, que sobreviveu para contar o diálogo. “Ao contrário”, respondeu Ismay. “Vamos acelerar para sair logo do gelo.”

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Às 17h05, o navio Amerika alertou que havia 2 icebergs na rota. Às 19h30, o Californian indicava que havia 3 icebergs na zona. “O capitão Smith, porém, não soube dessa mensagem, já que estava no restaurante como convidado de honra de uma festa”, afirma a pesquisadora americana Susan Wels no livro Titanic.

Pouco antes das 21h, enquanto o jovem passageiro Jack Thayer se espreguiçava no deque, o capitão voltou para a ponte de comando e mandou os vigias Frederick Fleet e Reginald Lee ficarem de olhos bem abertos. Na época, o melhor jeito de identificar um iceberg era observando o anel de espuma formado pelas ondas que rompem sobre ele. O problema é que não ventava naquela noite – logo, não havia ondas. Pior: os vigias não tinham binóculo.

Às 21h40, o navio Mesaba reportou “numerosos icebergs” na rota do Titanic. Mas John Phillips estava tão ocupado com os telegramas dos passageiros que não deu atenção. Às 23h, o cargueiro Californian interrompeu o sinal de Phillips para anunciar que estava bloqueado pelo gelo. Irritado, ele respondeu: “Cale a boca! Estou ocupado. Estou trabalhando com Cape Race (estação de rádio mais próxima).” O operador do Californian desligou o receptor e foi dormir. A maioria a bordo do Titanic já estava sonhando. E o pesadelo iria começar.

Às 23h40, o vigia Fleet tocou o sino 3 vezes e ligou para a ponte de comando. “Iceberg! Logo à frente!”, gritou ao microfone, desesperado. A massa de gelo estaria a até 2 km de distância, estimam os especialistas. O 1o oficial, William Murdoch, ordenou reverter os motores e girar tudo a estibordo no timão (ou seja, curva à esquerda). Mas o lado direito do casco bateu no iceberg por 10 segundos. “Não foi uma grande colisão, e sim raspão, que produziu 6 pequenas fendas – algumas tão finas quanto um dedo”, diz Wels. “Mas elas estavam 6 m abaixo da linha da água, onde a pressão era muito alta.”

Thomas Andrews, o projetista do Titanic, ficou pálido ao inspecionar o casco. Ele havia desenhado o navio para flutuar com 4 compartimentos inundados, mas a colisão afetou 5. Era fato: o Titanic afundaria. “Quanto tempo temos?”, perguntou o capitão. “Uma hora e meia, talvez duas. Não muito mais”, disse Andrews.

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Erro grosseiro

Essa é a principal hipótese sobre a causa da colisão. Em 2010, porém, a escritora britânica Louise Patten reavivou a polêmica ao afirmar que o Titanic tinha, sim, tempo suficiente para virar. O problema foi que o timoneiro Robert Hitchins, em pânico, teria tomado a direção errada ao ouvir a ordem do capitão de “virar a estibordo”. Patten é neta do sobrevivente Charles Lightoller, que em 1912 servia como 2o oficial do Titanic. Segundo ela, o navio foi inaugurado na transição do sistema a vela para o de vapor. “Os dois sistemas de direção eram opostos entre si”, disse ela. No sistema a vela, a ordem de virar a “estibordo” significava girar o leme à esquerda. Já no sistema a vapor, queria dizer o contrário. Treinado no método antigo, o timoneiro teria confundido as bolas. Quando o equívoco foi corrigido, 2 minutos haviam se passado. E já era tarde demais.

Patten diz que Lightoller soube disso ao presenciar uma conversa entre os oficiais do Titanic. Segundo a escritora, o avô manteve o segredo perante as 2 comissões de inquérito (Estados Unidos e Reino Unido), pois se sentia no dever de proteger os patrões e os colegas de trabalho – que perderiam o emprego se a empresa fosse condenada. Lightoller só contou à esposa, que passou o segredo à neta.

Se isso for verdade, o Titanic naufragou por um tremendo erro humano. Provavelmente, outro século vai passar sem que saibamos toda a história – muitos dos ingredientes da tragédia ainda são desconhecidos, e sempre é possível que surja um novo documento, ou depoimento, ou pesquisa com os restos do navio. E esse é só um dos elementos que garantem que o desastre continue sendo tão fascinante. O navio afundou em tempos de paz, dirigia-se para os Estados Unidos (e com muitos americanos a bordo), foi vencido por uma força da natureza (um iceberg) e, principalmente, tinha passageiros de renome, que viveram dramas tocantes. O magnata Ben Guggenheim se vestiu de branco para esperar a morte, anunciando que dava lugar a mulheres e crianças no bote salva-vidas. Já a americana Ida Straus recusou um lugar no bote para morrer de mãos dadas com o marido, Isidor.

Enquanto as polêmicas continuam a surgir tanto tempo depois, o transatlântico continua sua lenta transformação em um monte de detritos, a 3800 m nas profundezas do Atlântico.

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Explosão nas Filipinas
A pior tragédia marítima em tempos de paz foi resultado do choque entre o ferry Doña Paz e o petroleiro Vector, que deixou quase três vezes mais mortos do que o Titanic: 4386 vítimas. Em 20 de dezembro de 1987, a balsa se aproximava da ilha filipina de Marinduque quando colidiu com o navio-tanque, carregado com 8300 barris de petróleo. A explosão ocorreu por volta das 22h. O petroleiro se partiu em dois e afundou imediatamente. O Doña Paz demoraria duas horas para ir a pique. As duas embarcações tinham problemas: o Vector operava sem licença e o Doña Paz, que tinha capacidade para 1500 passageiros, estava superlotado. Além disso, na hora do acidente, a tripulação do ferry bebia cerveja e assistia a um filme. Só havia um funcionário monitorando o navio.


Missão secreta

Depois de submergir, o Titanic desapareceu. Várias expedições tentaram encontrá-lo nas décadas seguintes, sem sucesso, até que, no fim dos anos 1970, a procura ganhou um forte aliado: o geólogo marinho Robert Ballard. Ele sabia o que fazer, só precisava de dinheiro. O governo americano aceitou financiar o pesquisador, com a condição de que ele usasse o rastreio do Titanic como fachada para uma missão secreta: a busca dos submarinos nucleares USS Thresher e USS Scorpion, que haviam se perdido na região nos anos 1960. O especialista encontrou os dois e descobriu que eles haviam implodido devido à alta pressão da água. Em 1º de setembro de 1985, por fim, Ballard chegou ao Titanic. Hoje em dia, o pesquisador diz que seria melhor se toda a riqueza histórica encontrada no navio tivesse ficado descansando lá embaixo, com o respeito e a paz que todo cemitério merece.

 

(Print Collector/Getty Images)

160 minutos
O impacto contra o iceberg fez muita água invadir o navio. Depois de 2h40 de ataques à sua estrutura, o Titanic estava rachado ao meio – e submerso

1. Às 23h42, o raspão contra o iceberg produziu 6 fendas finas, 6 m abaixo da superfície do oceano. A pressão era grande e a água começou a invadir o casco ao ritmo de 7 toneladas por segundo. Uma hora depois, já havia 25 mil toneladas de água na proa, que começou a submergir.

2. Por volta das 2h, o barco já tinha sido invadido por 39 mil toneladas de água. O Titanic começava a rachar, enquanto o caos se instalava entre os passageiros. Na terceira classe, que tinha o acesso mais difícil ao convés, famílias inteiras buscavam uma saída entre os corredores encharcados.

3. Até que os restos do navio fossem encontrados, não se tinha certeza de que ele tinha rachado ao meio. Sabe-se hoje que a má qualidade do aço fabricado na época deve ter contribuído para o rompimento. Ele tinha altos níveis de impurezas, como enxofre e fósforo.

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4. Sob uma pressão de 15 toneladas por metro quadrado, bem acima das 10 que o navio suportava, o casco começa a rachar e a traseira é erguida sobre o mar – desesperados, os passageiros que estavam no convés tentam se segurar.

5. Depois de ficar quase na posição vertical por cerca de um minuto, a popa fica boiando enquanto a proa começa a afundar. À medida que a pressão do mar aumenta, o ar da superfície que ficou preso no navio se comprime, até que provoca uma implosão.

6. A proa desce a 48 km/h. Até alcançar o leito do oceano, a 3800 m de profundeza, deixa um rastro: peças da casa de máquinas, móveis, roupas, pratos – e corpos. A popa também acaba afundando e encontra o solo a 600 m da outra parte do navio.

 

Navio 5 estrelas
Squash, banho turco e biblioteca eram opções de lazer em alto-mar*

O Titanic tinha escadarias, 3 elevadores e hospital com sala de cirurgia. As 3 classes tinham salas de estar e de fumo e contavam com áreas ao ar livre no convés.

O salão de jantar da primeira classe, com 532 lugares, imitava o estilo jacobino do século 17. Os quartos eram suítes finamente decoradas (4 delas tinham lareira).

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A 1a classe podia nadar em uma piscina de 10 m de comprimento. Havia ainda banhos turcos e saunas a vapor, além de serviço de massagem.

Havia ainda instrutores de squash e ginástica, massagistas e músicos, todos para a primeira classe, que também era servida por garçons e camareiros.

A 3ª classe dormia em beliches, mas comia com fartura: pães, frutas, sopas, carnes e ovos eram servidos diariamente.

A 1ª classe dispunha de um salão de leitura com luz elétrica e lareira. A segunda contava com uma biblioteca.

O navio tinha uma quadra de squash de 30 x 20 m. Cada jogo custava US$ 0,50. Os passageiros ainda tinham acesso a aparelhos de remo e um cavalo mecânico para praticar equitação.

Salvamento seletivo
O percentual de sobreviventes, de acordo com sexo, idade e situação social

1ª classe

Homens – 33%
Mulheres – 97%
Crianças – 83%

2ª classe

Homens – 8%
Mulheres – 86%
Crianças – 100%

3ª classe

Homens – 16%
Mulheres – 46%
Crianças – 34%

 

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