O imperador americano
Falido e pirado, Joshua Norton nomeou a si mesmo monarca dos EUA. E o povo de São Francisco aclamou o maluquinho
Texto Álvaro Oppermann
O negociante inglês Joshua Abraham Norton teve a sorte de estar em São Francisco quando enlouqueceu: perto do ouro da Califórnia e longe de tudo o mais, a cidade já estava acostumada a tolerar tipos incomuns em meados do século 19. Ela não apenas acolheu o louquinho Joshua, mas embarcou em sua viagem delirante.
Em 1854, Joshua perdeu a fortuna que havia acumulado na América num golpe desastrado de especulação com arroz. Nunca mais se recuperou. Quatro anos mais tarde, ele proclamou a si mesmo Norton 1º, “Imperador dos Estados Unidos”. Depois, decretou o fechamento do Congresso americano e extinguiu os Partidos Democrata e Republicano – a raiz de todo o mal do país, na sua opinião. Mais tarde, acrescentou ao título de imperador o de “Protetor do México”.
A farsa, por incrível que pareça, colou. Na época, a Califórnia era um canto semi-esquecido dos EUA, vista com descaso pelos políticos de Washington. Norton virou ícone de protesto. Foi “empossado” na presença das maiores personalidades locais. O uniforme azul imperial foi fornecido por guardas carcerários. Ninguém na capital federal parece ter se importado com o caso.
O imperador sempre acordava cedo, vestia o uniforme e, acompanhado dos seus cachorros vira-latas, inspecionava os garis ou os bondes da cidade. À tarde, recolhia-se ao quarto da sua casa modesta e despachava a correspondência, escrevendo, entre outros, para a rainha Vitória na Inglaterra (ele alimentava um delírio de desposá-la e unificar as duas monarquias). São Francisco o adorava. Em todos os restaurantes havia uma mesa reservada ao imperador. Mesmo sem um dólar no bolso, Norton passou o seu reinado comendo do bom e do melhor – os melhores estabelecimentos da cidade aceitavam a moeda que o próprio monarca fazia manualmente.
Uma única vez, em 1867, um guardinha resolveu encrespar com o excêntrico Joshua. Prendeu-o e mandou-o para um hospício. A revolta popular foi tamanha que o chefe de polícia, Patrick Crowley, fez um pedido formal de desculpas ao cidadão Joshua A. Norton. O imperador, magnânimo, deu um indulto imperial ao enfezado guarda.
Grandes momentos
• Joshua Norton ordenou, na década de 1860, a construção de uma ponte sobre a baía de São Francisco. A ponte terminou construída em 1936 – a famosa Golden Gate –, por decisão do governo da Califórnia, e não de Norton, é óbvio.
• Joshua Norton ficou amigo do escritor Mark Twain (As Aventuras de Tom Sawyer). Juntos, tomavam brandy e fumavam charutos em alegres noitadas.
• Joshua Norton morreu em 8 de janeiro de 1880. Sofreu um infarto e caiu morto no meio da rua. O cortejo fúnebre do imperador foi acompanhado por mais de 30 mil pessoas.